Chimbinha
O líder da Calypso não fica parado e já pensa em reinventar outra vez o negócio da música
À frente da banda Calypso, o guitarrista Chimbinha criou um gênero musical e um inovador modelo de negócios - sem precisar das gravadpras, da TV, dos críticos. Na maior crise da história da indústria fonográfica, vendeu 12 mihões de discos, tornou-se o artista mais popular do Brasil ao lado da mulher, Joelma, e virou caso de estudo para analistas da nova economia. No aniversário de dez anos de sua banda, Chimbinha não fica parado e já pensa em reinventar mais uma vez o negócio da música
Na infância, Chimbinha era um peixe. Nascido em Oeiras, interior do Pará, com o nome de Cledivan Almeida Farias, ele morava do lado de um rio e passava o dia na água, nadando perto de tambaquis, tucunarés, dourados, filhotes. Adolescente, virou peixeiro. Foi morar em uma invasão da capital Belém com a família e trabalhar na feira com o pai. Já adulto, depois do sucesso à frente da Banda Calypso, tornou-se
gourmet de pescado. Em sua casa em Alphaville, prepara peixes para amigos como Zezé di Camargo, Leonardo e Bruno (da dupla com Marrone) –, que, como ele, estão entre os artistas mais populares do país. Ele pode discorrer longamente sobre os hábitos naturais e as virtudes culinárias de cada peixe – herança dos tempos de rio e de feira no Pará, não uma ostentação de novo rico.
O antropólogo Hermano Vianna enxerga na trajetória de Chimbinha “um símbolo incrível das mudanças pelas quais o Brasil está passando”. Mais até do que o torneiro mecânico que se tornou presidente. “A ascensão política de Lula é produto de alianças entre vários grupos sociais diferentes. Chimbinha se fez sozinho, sem gravadoras, sem televisão, sem elogios da crítica”, afirma.
No percurso, o guitarrista inventou um novo estilo musical, uma fusão de ritmos que ele batizou de calipso; e tornou-se um músico louvado por muitos colegas (leia depoimentos à pág. 7), mas ainda visto com preconceito por quem rotula de brega seu som e suas roupas. De quebra, Chimbinha criou um inovador modelo de negócios.
Sem o apoio de gravadoras, deu CDs para as rádios de poste de Belém (que transmitem em alto-falantes nas ruas da cidade) tocarem suas músicas, enviou pelo correio discos para o Brasil todo, depois fechou acordo com uma distribuidora que os repassava diretamente a lojas e camelôs, vendeu milhares de
cópias em shows e supermercados. “A ideia não foi minha, foi ideia da necessidade”, resume Chimbinha.
Na pior crise da indústria fonográfica, a Banda Calypso vendeu ofi cialmente mais de 12 milhões de CDs e 3 milhões de DVDs, lotou estádios no Brasil todo, tornou-se o grupo mais popular do país segundo pesquisa Datafolha e foi citado no livro Free!, de Chris Anderson, editor da revista americana Wired,
como exemplo de ponta da nova economia.
Ao completar neste ano uma década de Calypso e de casamento com a cantora Joelma, Chimbinha não dá pinta de descansar sobre os louros da glória. Além de um disco novo lançado em janeiro e de uma coletânea prevista para o fim do ano, ele planeja fazer turnê com os Paralamas do Sucesso (com quem tocou em um evento no ano passado), plantar um pé em Hollywood (a banda gravou uma versão em inglês do hit “Acelerou”, batizada de “Accelerate my heart”, para a trilha de um filme americano), lançar uma TV da banda na internet. E, sobretudo, ele quer reinventar o modelo de negócio da banda.
Uma possibilidade é distribuir CDs de graça para quem comprar um ingresso do show.
Workaholic assumido, ele telefona diariamente a rádios de todo o Brasil para convencer os donos a tocar as novas músicas do Calypso, mesmo depois das toneladas de discos vendidos. Em meio às férias no mês passado, gravou três discos – um de sua banda, dois de amigos – varando as madrugadas. Foi em meio a seu atarefado retiro, em sua nova casa em Ananindeua, cidade colada a Belém, que Chimbinha recebeu a
Trip para um almoço farto e uma conversa franca, um dia antes de seu aniversário de 35 anos.
Desta vez, ele deixou o fogão ser pilotado pelo chef paraense Manuel Rodrigues – que costuma levar de avião, de Belém a São Paulo, os peixes oferecidos nos jantares aos amigos da música.
O almoço em Ananindeua foi uma versão menos sofisticada, mas não menos saborosa, dos banquetes de Alphaville.
Entre os itens do cardápio, dourado grelhado e açaí – que Chimbinha come salgado, com farofa, durante a refeição. “Vamos aproveitar que a Joelma não está aqui para atacar o açaí”, ele diz, brincando com as restrições da mulher às calorias da fruta amazonense.
À mesa, estão amigos, parentes e músicos de sua banda, as pessoas com quem ele se sente mais à vontade. “Não gosto de coisas muito glamorosas. Outro dia eu fui receber um prêmio na MTV de guitarrista dos sonhos’. Eu me perguntava: ‘Meu Deus, o que estou fazendo aqui, será que esse é meu mundo?’. Me senti um peixe fora d’água.”
Como foi sua infância no interior do Pará?
Foi muito boa e difícil ao mesmo tempo. Eu tinha uma família muito humilde. Meu pai trabalhava numa serraria, minha mãe era dona de casa. Nós somos sete irmãos. Não foi fácil para meu pai sustentar todo mundo. Quando viemos para Belém, eu já tinha uns 10 anos. Fomos morar numa invasão, tipo uma favela. Aí papai foi trabalhar na feira como vendedor de peixe e eu fui ajudá-lo.
A música já tinha entrado em sua vida nessa época?
Desde que eu me entendo por gente, eu já estava com o violão na mão. Meu irmão Pedro era músico. Ele foi a pessoa que eu ouvia tocar todos os dias. Quando ele deixava o instrumento, eu pegava e ficava tocando. Meu irmão tocava rock, mas eu já sabia que gostava de música caribenha, das lambadas internacionais que tocam no Pará.
Como essas músicas caribenhas chegavam até você?
Pelas rádios AM. Lá no interior não pegava FM. Minha avó tinha um rádio grande. Ela tentava sintonizar as estações, ficava chiando até parar na música. Às vezes era rádio do Caribe, da Guiana Francesa. Não pegava rádio do Sul. A gente ficava ouvindo música o dia todo, até tarde da noite. Aquilo foi entrando na minha cabeça.
E acabou influenciando na sua música?
Influenciou na minha vida toda. Hoje a Banda Calypso existe por conta dessa influência que vem de criança. Até hoje eu ouço rádio AM para escutar essas músicas, até hoje elas me inspiram.
Era seu irmão quem lhe ensinava as notas ou você aprendia sozinho?
Com uns 10 anos de idade, já comecei a tirar música sozinho. Eu escutava no rádio, ia pegando e tocando em cima do que eu ouvia. Bastava ouvir duas vezes e eu já sabia tocar. Mas, quando a música era mais difícil, quando tinha alguma nota dissonante, ele me ensinava. Com 12 anos, comecei a tocar numa banda de baile por indicação do meu irmão. Mas continuei trabalhando na feira com meu pai. De dia eu ia pra feira, à tarde ia pro colégio, dormia um pouco; quando dava meia-noite, eu já estava na festa tocando. Estudei até a sexta série. Muito pouco, né?
Você já tinha responsabilidade de levar o dinheiro pra casa?
Tinha. De comprar o material escolar dos meus irmãos, a comida lá de casa. Meu pai perdeu três dedos, ficou difícil trabalhar, e ele tem problema de vista. Eu tinha que trabalhar. Era tipo o chefe da casa, como até hoje.
E o apelido Chimbinha, de onde surgiu?
Rapaz, isso é complicado para falar... [risos]. Ai, meu Deus do céu. Eu vou contar. O povo me chamava não era de Chimbinha, era de bichinha [risos]. Era moleque, tocava com essa banda em uma boate... a gente chamava assim antes, não sei nem como chamam hoje.
Puteiro?
Deve ser. A gente tocava muito nesses bares onde as mulheres iam fazer programa. Eu era molequinho mesmo, era mais novo que meu filho [que tem 12 anos]. O dono da banda mandava as mulheres darem em cima de mim, de brincadeira. Eu ficava triste, chorava muito. Daí ele me chamava de bichinha. Teve um dia que falei que não ia mais tocar. Daí ele disse que ia mudar meu apelido para Chimbinha. Eu gostei. Chimbinha é carinhoso. Depois é que eu descobri que Chimbinha é trocadilho de bichinha. Mas aí o apelido já tinha pegado.
O que vocês tocavam na banda?
Banda de baile tem que tocar tudo que está na moda. Na época, era Roupa Nova, Zé Ramalho, Sandra de Sá, Alceu Valença, Elba Ramalho, José Augusto. De internacional, a gente tocava o que estava nas rádios: Brian Adams, Rod Stewart, Dire Straits, U2 [começa a lembrar as músicas no violão: “Every Breath You Take”, do Police, “Sweet Child of Mine”, do Guns N’ Roses, “Alagados”, do Paralamas].
E quando você passou da banda para o estúdio?
No finzinho dos anos 80, começo dos 90. No começo foi difícil para pegar os clientes. O sucesso na época era a lambada, e já havia uma banda muito boa de Belém que dominava as gravações. A gente só gravava aqueles cantores que não tinham condição de gravar com eles. Mas, numa dessas, um cantor com
que eu gravei estourou. Foi o Roberto Vilar. Daí o povo começou a me chamar para gravar e a vida da minha família melhorou um pouco. Nós ainda morávamos na favela, mas já tinha chegado água e luz. Só não dava para comprar uma casa ainda.
Eu li que você participou de uns mil cds como guitarrista...
Por aí. Não tenho o número exato. Tocava todos os ritmos que pedissem. E não gravava só aqui. Gravava em Recife, Fortaleza, Manaus. Eu fiquei de 90 até 99 no estúdio, gravando dia e noite sem parar. Entrava nove da manhã e saía às três da madrugada todos os dias.
Carga puxada para um garoto, né?
Muito puxada. E até hoje eu sinto isso, porque não consigo dormir. Eu me adaptei com essa vida. Hoje durmo muito pouco. Quando eu consigo dormir quatro horas é uma vitória.
Mas você não sente falta de ter feito mais coisas na adolescência? De dançar com as garotas, em vez de tocar no palco?
Não, eu gostei de tudo. Se tivesse que voltar, faria tudo igual. Foi muito bom. Aprendi muito. Mas teve muito sacrifício, não estudei do jeito que meu pai queria. O sonho dele era ver a gente formado. Mas
hoje ele é feliz, porque a gente pode lhe dar uma vida que ele nunca sonhava. Se eu fosse formado em direito, por exemplo, não sei se seria um bom advogado. Porque eu gosto muito do que eu faço. Eu nasci para ser músico e tocar isso que eu toco.
Como você saiu do estúdio para criar a Banda Calypso?
Em 99 um amigo meu, o Kim Marques, me apresentou à Joelma, que queria gravar seu primeiro disco e precisava de um produtor. Eu ouvi o repertório e não gostei das músicas. Comecei a correr atrás de letras com a Joelma, a fazer música com meus parceiros. Foram dois ou três meses até encaixar um repertório bom. Nesse tempo, nós começamos a namorar. Quando chegamos ao estúdio, eu fiz a proposta de a gente fazer uma banda. E a Joelma topou. Ela disse: vamos botar o nome de Calypso, que vocês usam
muito no estúdio. Mas eu disse que o nome era muito difícil, o povo não ia acertar. Daí um dia chega um amigo meu, o Bispo Júnior, e diz: “Chimbinha, eu achei o nome pra tua banda: Calypso! Todo mundo fala que tu é o rei do calipso”. Falei pra Joelma: “Esse nome é bom mesmo”. Ela reclamou que estava sem moral, mas ficou Calypso. No começo, os locutores chamavam de Colapso, Calistro, Calypson, e pensavam que a gente era banda de forró. Deu um trabalho do caramba pro povo assimilar. Mas hoje todo mundo sabe o que é a Banda Calypso, que calipso é um ritmo. Quer dizer, é uma mistura de muitos ritmos que a gente chama de calipso. Vamos completar dez anos de banda, e a gente mesmo não sabe qual é o som que a gente tira.
Mas quais ritmos você identifica no som da banda?
A gente usa um pouco do carimbó, lambada, merengue, cacicó, zouk e até uma pitada do calipso caribenho... Tem uma percussão meio afro. Eu não sabia o que era o kuduro. Quando eu fui para Angola tocar, ouvi o ritmo e disse: “A gente toca isso desde criança. O Calypso toca sem conhecer”. A gente também vai muito em cima do rock, a caixa do twist com uma guitarra do chacundum, outra guitarra de reggae, outra de funk. Coloco sempre duas, três, quatro guitarras em cada música. Quando a gente vê a soma, tá um som legal pra caramba.
E onde que entra a guitarrada? É influência também?
É sim. Foi o mestre Vieira quem inventou. Ele pegava a música caribenha e solava a melodia com a guitarra no lugar da voz. Ouvi muito ele. Também sou fã do Aldo Sena. Era meu mestre e depois virou parceiro. Mas minha guitarra também tem outras influências, como o Renato, dos Blue Caps, e o guitarrista que acompanhava o Roy Orbinson. Misturei tudo isso e botei a minha pegada.
E o processo de conquista da Joelma, como é que foi?
Quando vi a Joelma pela primeira vez, eu não falei com ela. Era muito tímido. Eu pensei: “Será que ela é uma pessoa boçal? Eu não vou falar nada para ela não me tratar mal”. Passei reto. Depois ela disse que pensou a mesma coisa de mim: “É muito boçal, nem fala direito com a gente!”. Aí o Kim convidou a gente para almoçar um camarão com açaí num restaurante aqui de Belém. Ele saiu para atender o telefone, eu fiquei na mesa sozinho com a Joelma, e ela começou a conversar comigo. Quando fui levá-la em casa, ela me convidou para fazer o repertório do disco. Eu morava longe demais, e o ônibus ia só até nove da noite. Se perdesse, era só no outro dia às seis da manhã. Eu acabei dormindo na casa dela e fui ficando. Quando vi já tava junto. Foi assim que aconteceu. E estamos juntos até hoje, graças a Deus.
Em Belém existem as rádios de poste, que ficam tocando música em alto-falantes na rua. Eu ouvi dizer que elas foram muito importantes para vocês no começo da carreira. Como foi essa história?
Eu me emociono quando me lembro disso. Esses dias agora andando em Belém... passei numa rua e comecei a chorar. De felicidade, de alegria, mas também daquele sofrimento que eu passei no começo. A gente morava na Cidade Velha, num quartinho de quatro por quatro, só tinha uma cama e um fogão... Quando a gente lançou o primeiro disco, eu falei: tenho que parar de gravar como músico de estúdio para divulgar esse CD. Eu saía de casa cedo, às sete da manhã. Não tinha dinheiro pra comer, passava o dia tomando água. Também não tinha dinheiro para pegar ônibus, então ia a pé para as rádios. Se você visse as distâncias, ia ter pena de mim [risos]. Mas não tinha como eles tocarem a gente. Porque, pra tocar numa rádio, ou você está muito estourado ou então você tem que fazer promoção.
Pagar jabá?
Não chegava a ser jabá, porque não tinha grana. Era armar uma promoção com o diretor da rádio, por exemplo comprar mil camisetas pra sortear. Mas eu estava sempre liso. Não sabia mais o que fazer. Um dia, quando eu ia para casa, eu escutei essas rádios de poste tocando música. Aí tive um estalo. Passei
a divulgar nosso disco nessas rádios. Daí a cidade todinha começou a tocar a Banda Calypso nos postes.
Em menos de três meses, estavam todas as rádios normais tocando também. Porque as pessoas que ouviam no poste ligavam e pediam nossa música. Eu distribuí de graça 50 mil CDs do nosso primeiro disco, para loja, carro de som, rádio de poste, pro público. Aí a banda estourou no primeiro disco. A gente fazia show e não ficava com o dinheiro. Sobravam R$ 2, 3, 4 mil por semana, a gente fazia CD e dava pro povo.
Você está falando das rádios. Mas antes disso você deve ter batido à porta de muitas gravadoras para lançar o disco, né?
É, esse disco eu mandei pra muita gravadora. Quando a banda estourou, eu fui numa gravadora famosa de São Paulo. O diretor me perguntou: “Por que você não me mandou um disco desses para eu lançar?”.
Eu respondi: “Eu mandei, procura aí que chegou em outubro de 99”. A secretária foi pesquisar e viu que tava lá o disco. Não era pra ser. Se eu tivesse lançado o disco com uma gravadora, não teria dado tão certo, porque tem artista com mais prioridade, eles não iriam trabalhar tão bem.
O cara da gravadora deve ter se arrependido, porque perdeu muito dinheiro.
Muitos se arrependeram. Eles já me falaram. Agora tenho amigos nas gravadoras. E acho que tá difícil hoje a gravadora sobreviver com essa pirataria. A gente mesmo, que é independente e não tem tanto investimento quanto uma gravadora, já está sofrendo. Antigamente a gente tirava tudo da venda do CD, hoje tira do show. A gravadora ainda paga produtor musical, um cara para escolher repertório, outro para fazer arranjo, paga a divulgação. Então as gravadoras foram muito prejudicadas. Se não tomarem uma medida contra a pirataria, eu não sei aonde isso vai chegar.
Mas a piataria não ajudou a divulgar a Banda Calypso no começo?
Olha, é difícil falar mal da pirataria porque eu fui ajudado por ela. Mas no nosso começo não existia essa pirataria de internet que tem hoje, de baixar música de graça. Na época a pirataria era só de CD. Isso ajudou bastante a gente. Mas hoje a gente lança o disco, amanhã tão baixando. Atrapalha as vendas. As pessoas não sabem o quanto a gente investe, mesmo sendo independente. Para vender por R$ 9,99 para o consumidor final, temos que vender para a distribuidora por um preço muito mais barato. Temos que pagar os direitos autorais dos compositores, os músicos, o estúdio, a arte. Hoje nós temos mais de 200 funcionários, temos que funcionar como uma gravadora e cuidar da divulgação. Tudo dessa parte quem administra sou eu. Então todo o dia fico falando em três telefones. Quando tá difícil tocar em todas as rádios, eu sofro muito. Aí eu vou visitar o diretor da rádio, peço uma força, volto outro dia. Até que eu consigo.
Isso até hoje?
Hoje é que eu faço mais.
Depois de vender 12 milhões de discos?
Agora é que é a hora. Há alguns anos, o povo tinha que tocar Calypso porque tava fervendo mesmo. Hoje, tem rádio que não toca.
Muita gente diz que a Banda Calypso inventou um novo modelo de negócio, com essa história de não ter gravadora, de vender disco em show ou em supermercado, de fazer distribuição via camelôs. Esse esquema foi ideia sua?
Foi uma ideia da necessidade. Eu não parei para bolar. Fui fazendo. Como não tinha gravadora, era a gente que fazia a distribuição no começo. A Joelma ficava no telefone tirando os pedidos. Eu ia no correio e mandava pro Brasil todo. Começou assim.
Esse modelo acabou sendo imitado por muitas bandas, principalmente aqui no Pará, não é?
A maioria dos artistas daqui faz isso. Hoje não existe gravadora no Norte e no Nordeste, só no Rio e em São Paulo. Então tivemos que fazer isso aqui para viver de música, porque as gravadoras foram embora daqui. E, se continuar desse jeito, elas vão embora do Brasil.
Você soube que um jornalista americano chamado Chris Anderson, editor da revista Wired, citou a Banda Calypso no livro Free!, sobre a economia gratuita?
Nunca ouvi falar. Mas que coisa boa. É muito bom esse modelo. Acho que os artistas mais conhecidos também podiam fazer, como Zezé di Camargo, a turma da MPB. Na hora em que um deles de nome entrar, vai dar uma força para a gente continuar mais alguns anos com esse modelo.
Você acha que não vai durar muito mais?
Acho que esse modelo deu certo por dez anos. Mas já está mudando. Hoje ninguém consegue vender disco em loja. Algumas bandas já fazem o seguinte: na compra de um ingresso para o show, leva um CD de graça. Esse é o modelo que estão usando.
O Calypso vai usar também?
Não sei. Se fecharem as lojas todas, vamos ter que fazer isso.
A crise atingiu o Calypso?
A gente tá trabalhando menos porque nós quisemos. Nasceu a Yasmin, meu filho precisa muito de mim nesse momento, porque tá entrando na adolescência. A gente precisa viver mais um pouco. Antes a gente
fazia 25 shows por mês, hoje a gente faz 16. Ainda é muita coisa. A gente toca de quinta a domingo, toda semana. Tem terça e quarta para resolver as coisas da banda e outros negócios. A Joelma tem loja de roupa, fábrica de roupa. Eu tenho uma pequena fazenda no Pará, onde estou criando gado.
Vocês começaram a estourar no começo do anos 2000, mas só chegaram à TV há uns três anos. Por quê?
Eu não queria nem fazer televisão no começo, eu queria era mostrar a cara da banda. Quando nós estouramos, todo mundo conhecia nosso som, mas ninguém conhecia minha imagem ou a da Joelma. Aí começaram a surgir bandas piratas se passando por nós. Às vezes me ligavam e diziam: “Hoje tem show
de vocês aqui em Goiânia!”. Eu dizia: “Não, meu amigo, estou com show marcado hoje em Pernambuco”. E o cara: “Mas eu estou vendo a faixa de vocês, o nome de vocês”. Aí eu ia lá ver e era uma banda se passando por nós, com uma loira e um rapaz na guitarra. Daí a Joelma falou: ou a gente vai para a televisão ou tem que criar uma marca. Deixa eu pintar uma coisa aqui no teu cabelo, como o Pepeu Gomes fez no começo da carreira.
Então foi ela quem inventou a famosa mecha loira?
É. Mas eu não gostava daquilo de jeito nenhum. Fiquei uns seis anos com a mecha, injuriado. O pessoal falava: a Banda Calypso é aquela com o menino da mechinha. Mas não teve jeito: os outros fizeram, virou moda. E não resolveu. Então falamos: “Agora temos que ir pra TV”. Mas, rapaz, foi difícil chegar. Fizemos dois programas do Raul Gil, mas não foi o suficiente. Quando lançamos o terceiro disco, fomos convidados várias vezes para o programa do Gilberto Barros na Bandeirantes. Daí o povo começou a conhecer nossa imagem no Brasil. Depois de um tempo fomos convidados para fazer o Faustão. Eu me emocionei muito, porque a gente já tinha vendido mais de 5 milhões de cópias e ainda não tinha ganhado disco de ouro, de
diamante. Aí a fábrica que prensou os discos fez uma homenagem pra gente no Faustão.
Vocês precisaram vender 5 milhões de cópias para serem notados pela TV?
É, fizemos dois anos de Gilberto Barros até sermos chamados pelo Faustão. Fomos chamados pela Globo quando vendemos 600 mil cópias de DVD e 1,2 milhão de CDs em um só mês.
Foi preconceito que a banda sofreu?
Sofre até hoje.
O preconceito vem da chamada elite intelectual, que rotula vocês de brega?
É isso. Tudo no Brasil que atinge a massa, que mexe com o povão, que leva a multidão, é brega para essa turma que se diz elite, mas queria estar no nosso lugar. Não é nem odiar, é ter inveja do trabalho, porque não conseguiu chegar lá.
Você fica chateado quando os críticos dizem que a música do Calypso é de má qualidade?
Nunca ninguém falou isso na minha cara. Se falarem, eu vou respeitar a opinião do cara. Tem muita coisa de que eu não gosto, mas tiro o chapéu. Não gosto de metal nem de tecnobrega. O sujeito faz um jingle no computador falando o nome de sua aparelhagem e toca nas próprias festas, nos carros de som, aluga rádio pra tocar também. Deixaram de tocar a gente. Eu não curto muito esse som de coisas eletrônicas. Gosto de música com instrumentos. No tecnobrega, o jingle virou a própria música. Mas eles fazem sucesso, e o sucesso tem que ser respeitado.
Em uma pesquisa recente do Datafolha, a Banda Calypso foi apontada como a banda mais popular do Brasil, na frente de Zezé di Camargo e Luciano. Como vocês receberam essa notícia?
Primeiro ligou o rapaz da Folha de S.Paulo dizendo que queria fazer uma matéria com a gente. Daí eu me perguntei: “Será que isso aí é uma pegadinha?”. Eu falei pro repórter: “Tô gravando agora, daqui a pouco eu ligo pra você”. Em seguida me telefona o Zezé e diz: “Chimbinha, você é o artista mais popular
do Brasil, e eu tô colado em ti!”. Aí vi que era verdade. Quando o cara ligou de volta, dei a entrevista, porque já tinha garantia.
Eu li que seus melhores amigos na música são Zezé di Camardo, Leonardo e Bruno (do Bruno & Marrone). Você se identifica com essas figuras que saíram do nada e ascenderam socialmente pela música?
É a mesma história, a mesma conversa. A gente fala das coisas da roça, da época de baile, brincamos, fazemos piada. Isso é que é bom. Não fomos criados em berço de ouro. Não temos aquela viagem. Às vezes, quando o cara é de um nível social diferente, com um conhecimento diferente do meu, ele fica
viajando, e a conversa não bate.
Você acha que eles falam de cima para baixo?
Eles querem ser diferentes da gente, superiores. Mas com esses meus amigos é o mesmo padrão, o mesmo nível, a mesma linguagem. Todos somos felizes com o que aconteceu nas nossas carreiras, agradecemos muito a Deus.
Além da fama, o sucesso trouxe bastante dinheiro. Vocês têm casas em Alphaville, Belém, Recife. Têm fazenda, já tiveram avião. Como você lida com esse dinheiro que entra?
Do dinheiro que a gente ganha, metade ou mais é para reinvestir no trabalho. A gente tem hoje um bom ônibus para transportar a banda e vários cenários para apresentar um show bonito. O dinheiro também é para cuidar da nossa família e ajudar algumas pessoas que a gente acha que merecem. Nós temos um trabalho social, mas não gostamos de divulgar.
No mês passado, surgiu uma história curiosa na Internet, dizendo que vocês foram recomendados para o Nobel da Paz...
Nós não fomos informados disso. Fui saber aqui em Belém. Ligou um cara para nosso escritório se dizendo bispo, querendo indicar a gente como embaixadores da paz. Não era o Nobel, mas de repente virou isso. Mandei o nosso pessoal investigar quem é o cara. Pode ser que estejam querendo usar o nome da banda, porque ele tá querendo comprar nosso show no Mangueirão. Acho que é uma roubada. O cara deve estar se passando por bispo para comprar nosso show mais barato.
Você acha que seus filhos, que vivem com todo o conforto, vão valorizar o que eles têm hoje tanto quanto vocês?
A gente sempre conversa com eles, mostrando como a gente era antes e o que Deus está nos Proporcionando hoje. Eu espero que eles deem valor, porque foi tão difícil chegar, e é ainda mais difícil se manter.
Você imagina o Calypso durando quanto tempo?
Enquanto eu tiver vida, enquanto eu estiver neste mundo.
O Calypso depende da dupla Chimbinha e Joelma. Se algum dia o casamento terminar, a banda acaba?
Nunca pensei nisso. Nem é bom pensar. Nós nunca brigamos. Eu sou muito calmo. Quando tem uma discussão, eu saio. Quando volto, está tudo calmo. Nos momentos em que a banda passa por uma situação difícil, como quando caiu nosso avião [em novembro passado, matando o produtor e o piloto da banda], um dá força para o outro. Se um dia, Deus nos livre, acontecer alguma coisa, a banda vai passar alguma
dificuldade, mas não vai acabar não, porque a gente ama a banda. Ela é a nossa vida, tanto a minha quanto a dela. É uma missão. E nosso trabalho ajuda muita gente. Minha família precisa da banda, a família dela também. Só se for uma coisa muito grave mesmo, o que é difícil acontecer. Eu vivo pra Joelma, ela vive pra mim, e a gente vive pra banda.
A Joelma é admirada por muitas pessoas, desejada por muitos homens. É difícil ser casado com uma musa?
O público tem um respeito grande pela gente, por saber que a gente é casado. Nunca ninguém faz gracinha com a Joelma quando ela tá no palco. E ninguém faz comigo.
O pior momento da banda foi a queda do avião?
Nós passamos alguns momentos difíceis. Você sabe... trabalhar com o ser humano é complicado. A gente tem dois, três dias de folga por semana. Aí os meninos da banda estão livres para fazer qualquer coisa. Numa dessas folgas, em 2006, o pessoal começou a beber, e um dançarino da banda caiu da sacada de um hotel e faleceu. Aquele momento foi muito triste. A gente estava indo pros Estados Unidos fazer o Brazilian Day e tinha o compromisso de tirar o visto. Não deu para ir ao enterro dele. Aí alguns desses programas de fofoca na TV ficaram a semana toda condenando a gente. E depois o outro momento difícil foi a história do avião. Foi pesadíssimo. Perdi dois amigos, dois funcionários. O produtor que morreu era meu braço direito, vivia 24 horas comigo. Eu fiquei arrasado. Até hoje não consigo falar... Nós tivemos que refazer a casa das pessoas onde caiu o avião. Eu não quis esperar a perícia. Falei: “Vamos ajeitar logo, imagina ficar sem casa”.
Você é religioso?
Eu creio muito em Deus. Eu ia muito à igreja evangélica. Agora com o trabalho fico até sem tempo, então a gente faz nossos cultos aqui em casa. Tem uns irmãos que oram com a gente, de vez em quando vêm uns pastores.
Você viveu muito na noite. Nunca experimentou drogas?
Não, porque eu andava com pessoas muito humildes. Além de não terem condição de comprar, eram Pessoas com família de base muito religiosa. Quase todo mundo que tocava comigo era evangélico. E na Banda Calypso também é assim até hoje. Não tinha espaço pra droga. Eu fui beber depois dos 20 anos. Tomar cerveja, uísque. Mas depois parei com isso, só tomo vinho. Foi o médico que me receitou, e eu acabei gostando.
Você se considera um guitar hero?
Não. Eu nem me considero um bom músico. Não estudei. Toco muito de ouvido. Quando vou gravar e o pessoal fica lendo partitura, fico com muita vergonha. Todo mundo com seus arranjos, e eu vou criando a levada na hora. Só sei ler cifra. Vou cifrando ou escuto de primeira e de segunda já vou gravando.
O estúdio é o lugar onde você se sente mais realizado?
Quando eu estou no estúdio, esqueço de tudo. Desligo o telefone e me concentro mesmo. Quando estou aqui fora, é funcionário que te colocou na Justiça, a música que não está tocando, a carreta que não saiu
com o equipamento. No estúdio parece que não existem problemas. Pode estar o mundo se acabando que eu estou em paz.
CHIMBINHA É... |