Carioca sangue bom

Márvio Lúcio, o gênio da imitação do Pânico na TV, desta vez, sem disfarces

por Jerônimo Rubim em

O cara imita Jô Soares, Amaury Jr., Papa Francisco, Dilma Rousseff. E faz isso tão bem que alguns dos próprios alvos acham graça. Com vocês, o gênio do Pânico - desta vez, sem disfarces

Márvio Lúcio está resfriado. Ou tem uma virose, que é o diagnóstico padrão para os mal-estares modernos. Provavelmente pegou da filha de 1 ano, que passou madrugada dessas vomitando até às cinco da manhã. “Não tô legal”, ele admite. Mas nem por isso deixa de entrar na van para uma bateria de entrevistas com revista, rádio e TV Trip, seguidas de sessão de fotos. Durante a longa tarde, entre um cigarro e outro, fala empolgadamente de política, carreira, família, tira fotos com jornalistas e produtores, distribui sorrisos, bate papo com quem quiser papo.

É fácil ser levado pelo carisma que transformou Márvio em um dos humoristas mais conhecidos do Brasil. Nascido em Niterói e criado em São Gonçalo, alguns diriam que ele não pode ser chamado de carioca; o gentílico correto seria “fluminense”. Mas a alcunha ficou e hoje ele é, provavelmente, o fluminense mais carioca do Brasil. Márvio Lúcio, o Carioca, com seu sotaque cantado e humor naturalmente malandro, honra o apelido.

Até quem não assiste ao Pânico na Band, de cujo elenco o humorista faz parte desde os tempos do rádio, reconhece o Carioca por alguma de suas imitações hilárias. Jô Suado, Boris Casoy, Amaury Dumbo e Zeca Tamagro são alguns dos tipos que faz no programa e que o tornaram conhecido de ponta a ponta no país. Classificado por Danilo Gentili como o maior humorista e imitador do Brasil hoje, elogiado por seus imitados – Lulu Santos, um deles, viu o humorista na plateia de um show e agradeceu com uma canção –, Carioca vive seu melhor momento. Seu talento para os tipos ajuda a erguer o Ibope do Pânico, o maior da Band, e gera milhares de visualizações e comentários no YouTube, a maior parte vinda do público jovem. “Eu quero é tocar o terror”, ele solta, durante a sessão de fotos para esta edição. Apesar da ameaça, o niteroiense de 37 anos não quer ofender ninguém com suas caricaturas. Seu principal parceiro nos quadros do Pânico é Eduardo Sterblitch, que encarnava o famoso Freddie Mercury Prateado e com quem compartilha a veia nonsense.

 

“A comédia anda sempre no limite, se arrisca, e às vezes pode errar ou sair do que as pessoas estavam preparadas” para aceitar

 

Seu humor é menos polêmico do que aquele praticado por grande parte da trupe do Pânico. O programa sofre críticas constantes e é acusado de apelação. Carioca defende a “família Pânico”, como eles se denominam. “A comédia anda sempre no limite, se arrisca, e às vezes pode errar ou sair do que as pessoas estavam preparadas para aceitar. Mas sou a favor da total liberdade de expressão. Cada um fala o que quiser e o mercado absorve ou não”, justifica. Para ele, no momento existe no país uma “cruzada moral imbecil” que atrapalha.

Bate-bate

Dois casos recentes foram emblemáticos nesse teste de fronteiras. Primeiro, desistiu de Jô Suado, depois de ser esnobado em rede nacional por Jô Soares três vezes. Depois, abortou Edir Maiscedo, tentativa de imitar o bispo Edir Macedo. No primeiro caso, ficou magoado por não ter a bênção de um ídolo. No segundo, recuou por medo da gritaria. “É complicado brincar com religião e não quero polêmica.” Quando o personagem caiu, os evangélicos comemoraram na internet. Carioca não se importa, apesar do tempo que investe em cada tipo: sente a necessidade de entrar de cabeça nos personagens e começa observando a forma como a pessoa a ser imitada se comunica. “Olho mão, olhar, gestual, boca. O corpo fala. A voz é o mais difícil. Penso que tenho o mesmo trabalho de um cartunista, de notar detalhes; mas sou um cartunista da vida real. E não quero ser mais um. Quero oferecer algo de arte.”

Leu a autobiografia de Edir Macedo para entender o personagem e levou quatro meses para criar seu Boris Casoy. “Antes de fazer rir, quero que você se encante com minha proposta, o tipo, o jeito, a fala. É uma sedução, mesmo.” Com seu “Jornal do Boris”, ganhou até o próprio Casoy. Além de dar sua bênção, o jornalista fez uma espirituosa participação na bancada do “Jornal do Pânico” e, numa cena que Emilio Surita classifica como “uma das mais surreais da TV brasileira”, andou de carrinho de bate-bate com seu imitador. O personagem não existe mais. Quem lamenta é o próprio Casoy: “Virei um cara popular por causa da imitação. Achavam que eu era sisudo, agora me acham simpático. Até as crianças pedem para eu dar meu ‘boa noite’ agora.” Outro imitado que aprovou a “homenagem” foi o apresentador Amaury Jr. “As pessoas achavam que eu me irritaria porque ele fazia a caricatura com alta lubrificação etílica”, conta. “Mas eu achava o máximo. Por mim, ele teria o próprio programa.”

 

Ele anda com quatro feias dentaduras de plástico para poder imitar a qualquer hora Ronaldo Fenômeno, Dilma ou Lobão

 

Márvio Lúcio está com saudade do Rio de Janeiro, que trocou por São Paulo há 15 anos. Sente falta de ver o Pão de Açúcar quando vai para o trabalho, de mirar “o verde, o mar, o azul”. Dirigindo pelo caos do trânsito paulistano, sintoniza rádios da Cidade Maravilhosa só para ouvir o ritmo. Antes de virar o Carioca do Pânico, foi um esforçado produtor da rádio Joven Pan, no Rio. Era 1996. Quando não estava distribuindo adesivos promocionais da rádio nos semáforos, imprimia suas ideias, piadas e roteiros na Epson matricial da rádio e enviava para o seu programa preferido, um tal de Pânico, que a Jovem Pan de São Paulo transmitia para o país inteiro. Emilio Surita, o apresentador, lia as contribuições no ar e agradecia. “Valeu, Márvio, que sempre manda coisas boas lá do Rio.” Dois anos depois, foi chamado para trabalhar no programa radiofônico, que iria para a TV em 2003. E assim tudo começou.

Para ser justo, começou muito antes. Aos 5 anos de idade, montado de mulher pela irmã, Márvio fazia apresentações para tios, avós, “a velharada que ia lá em casa. Eles adoravam e eu passava o chapéu. Foi aí que descobri que dá pra ganhar dinheiro com essa merda”. Essa merda, no caso, é a nada fácil tarefa de conquistar o público com imitações. A primeira foi de Leonel Brizola, porque Márvio é louco por política. Sonhava ser congressista, quem sabe presidente da república. A primeira viagem a Brasília, em 1994, foi para assessorar um candidato a deputado na convenção que escolheria o presidenciável do PMDB. “Fui tentar, mas na primeira já desisti, cara. Senti que todo o esquema é corrupto”, lembra, com certa tristeza. Para piorar a impressão, alguém embolsou a grana que pagaria a comida da comitiva, e Márvio teve de bancar o almoço de muita gente. Nunca mais pensou em ser político, mas continuou acompanhando a arena: lê jornais todos os dias e sabe quem é quem no jogo de poder.

Entertainer

Depois do caudilho gaúcho vieram imitações de Gil Gomes, Raul Gil, Silvio Luiz, Muricy Ramalho, Caetano Veloso, Serginho Groisman, Biafra. Ele diz que a criação “solta”, no bairro de Boaçu, São Gonçalo, potencializou suas habilidades. A família é de gozadores, e ainda hoje fazem pegadinhas uns com os outros. O pai tinha fitas cassete com piadas do Costinha, que Márvio escutava escondido no som do carro. “Aquele monte de sacanagem, palavrão, foi uma escola”, ri, lembrando do mestre.

Ele se diz um entertainer – segundo o dicionário Michaelis, “pessoa que faz apresentações, profissionalmente, para a diversão dos outros”. Mas quem o conhece sabe que é, ele mesmo, um entretenimento full time. Sorrisos, tiradas e imitações saltam a todo momento de seu vasto repertório. Anda com quatro feias dentaduras de plástico para poder imitar a qualquer hora Ronaldo Fenômeno, Dilma, Lobão ou outro famoso. Imita amigos também, como seu patrão, Tutinha, dono da Jovem Pan, seu colega de elenco Bola e o maquiador do Pânico, de quem faz propaganda para a produção da Trip. Entende o sucesso, mas não parece muito interessado no estrelato. É aquele vizinho engraçado da periferia que chama a atenção nos churrascos pelo bom humor. Os nascidos no Rio que se adaptem: o fluminense Márvio Lúcio é um carioca sangue bom.

Caracterizador: Anderson Montes (Dinho)/ Figurino: Euller Sampaio
Crédito: Fe Pinheiro
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