Caos FM
A rádio que passa o dia dando informações sobre o trânsito de São Paulo
Véspera de feriado com chuva. Eis um dia perfeito para uma visita aos estúdios da Sulamérica Trânsito, a FM paulistana que passa o dia bombardeando seus ouvintes com informações e dicas sobre o caótico trânsito de São Paulo
Peço para o taxista ligar o rádio e sintonizar na 92,1 FM. “Chegou uma mensagem do nosso ouvinte”, anuncia o locutor. “Dizendo que o trânsito já começou a ficar ruim na avenida Radial Leste sentido centro”. A coisa esquenta: “Nosso portal de voz já está bombando, são muitos recados!” Isso porque nem amanheceu em São Paulo. São 5h25 da manhã de uma sexta-feira com chuva, véspera de feriado. Dia perfeito para conhecer a emissora em que os congestionamentos estão no hit-parade, a SulAmérica Trânsito.
A partir das seis e até as 21 horas, a FM não programa música. Só se fala das vias da cidade. “É louco precisar disso. Tenho um meio-irmão que mora fora e acha supermaluco que eu trabalhe numa rádio especializada em trânsito. Mas em São Paulo acho necessário”, conta a repórter Karina Godoy, três anos de rádio.
Ela é a primeira a sair da emissora e encarar o trânsito. Terá quatro entradas por hora de qualquer ponto da cidade. Enquanto dirige o carro da rádio, faz entradas ao vivo pelo viva-voz do celular, sem largar o volante. “No começo precisava estacionar para entrar no ar e fazer o boletim, agora estou acostumada”. E já voltou com o carro batido? “Duas vezes.” Ela conta que um de seus colegas teve problemas no joelho esquerdo, de tanto usar a embreagem no anda e para da capital. Naquele dia, seria batido o recorde de trânsito pela manhã no ano. Karina entrou no helicóptero às 7h30 e viu o espetáculo do alto. Foram 168 quilômetros congestionados pela medição da prefeitura. Mas, nas contas da rádio, foram 533 km, uma senhora diferença. “A prefeitura monitora só as principais vias”, explica Karina. “O mapeamento que usamos, o MapLink, identifica os carros com GPS e conforme a velocidade define se a via tem boas condições ou não”. Depois de uma conturbada manhã nas ruas, volto para o estúdio da rádio, fica no prédio do Grupo Bandeirantes de Comunicação, no Morumbi, e funciona há quatro anos, com a seguradora SulAmérica como sponsor-title. São 30 profissionais na labuta, sendo nove repórteres circulando pelas ruas. Segundo o Ibope, a rádio atrai até 50 mil ouvintes por minuto, numa pouco adequada medição feita nas casas, e não nos carros.
No conforto
“Detesto trânsito”, diz o radialista Robson Ramos. “Mas do lado de cá fico confortável.” Há quatro anos e meio ele fica “do lado de cá”, ou seja, nos estúdios e longe dos carros. Ramos ocupa a programação por quatro horas seguidas toda tarde. E aproveita os comerciais para apresentar o estúdio, um pequeno espaço de cerca de 10 metros quadrados. À sua frente, seis telas: duas TVs sintonizadas em noticiários, uma com as câmeras da Companhia de Engenharia de Tráfego, dois monitores de computador que gerenciam os áudios da rádio e um último com o mapa do tal MapLink.
Num dia tumultuado assim, chegam por volta de 2.500 e-mails e 3 mil SMS de ouvintes. E ainda tem o portal de voz. Quando o editor-chefe, Ronald Gimenez, assume a locução, às 16 horas, o estúdio fica agitado. O sujeito é elétrico. Certo momento, fora do ar, Gimenez comenta: “Estranho... achei que o trânsito estaria pior a esta hora”. A produtora Bia Backes, um tanto desolada, completa: “Ah, pois é!”. É repreendida pelo editor: “Como assim!? Vai lamentar falta de congestionamento agora?”. Gimenez reforça a impressão de que parte do sucesso da rádio é fruto da neurose paulistana com relação ao trânsito. “Claro que tem muito neurótico”, diz. “Mas acho que as pessoas encontram na rádio uma companheira.”
O tão esperado recorde histórico de congestionamento não aconteceu. São 21 horas, em breve a rádio colocará músicas na programação. Depois de uma maratona de 15 horas escutando sobre trânsito, deixo o estúdio. A caminho de casa, sintonizo pela última vez os 92,1 FM. E ouço a seguinte mensagem de um ouvinte: “A Marginal hoje está uma chatice, não tem trânsito!”. Difícil dizer se havia ironia no comentário.