Representatividade asiática: por que isso importa?

por Carol Ito

Os asiáticos ainda são representados de forma estereotipada na mídia. Convidamos os criadores do canal Yo Ban Boo para explicarem por que isso acontece e analisarem alguns personagens de séries

Você é nissei, sansei ou não sei? Até que pra uma oriental você tem um corpão. Tenho um amigo chinês, você deve conhecer. Sabe que pra passar na USP é só matar um japonês, né?

Você com certeza já ouviu alguma dessas. Mas já parou pra pensar no quão desagradáveis são? Pra jogar luz sobre o assunto, três amigos criaram no ano passado o canal Yo Ban Boo, que soma mais de 34 mil inscritos no YouTube. A ideia do cineasta Leo Hwan, da atriz Bia Diaféria e do publicitário Kiko Morente é explorar os preconceitos e os mitos que carregam os brasileiros de origem asiática de forma bem humorada e muito além dos clichês.

“De que adianta personagens asiáticos, se eles são criados de forma estereotipada? A mudança tem que começar na parte criativa, no roteiro, que geralmente é feito por brancos”, comenta Leo. No vídeo “O que significa se sentir representado?”, que ultrapassa as 19 mil visualizações, o trio observa que está em pauta um movimento de inclusão de minorias em geral, assim como personagens asiáticos nos filmes, quadrinhos, séries e até em novelas, mas que representatividade não significa apenas “se enxergar” nessas produções. 

Entre os alvos das críticas, estão produções como a novela Sol Nascente, da TV Globo, que, apesar de ter mais atores orientais no elenco que de costume, não reflete a diversidade e as experiências que gostariam de ver (houve, inclusive, um ator branco interpretando o papel de um oriental). E também abordam as produções hollywoodianas baseadas em mangás japoneses, caso dos filmes Ghost In The Shell e Death Note, ambos deste ano e disponíveis no Netflix, em que personagens originalmente asiáticos são substituídos por ocidentais brancos, numa prática conhecida como whitewashing.

Os vloggers acreditam que o silêncio ante esses comportamentos contribui para que eles sejam reproduzidos, daí a importância de se discutir questões ligadas à identidade e representatividade asiática. Por exemplo, o "mito da minoria modelo", estereótipo que parte das expectativas do que um bom asiático deve ser: inteligente, esforçado, disciplinado e trabalhador. Segundo a ativista Kemi, idealizadora do grupo “Perigo Amarelo”, do Facebook, e referência em visibilidade asiática no Brasil (além de entrevistada do Yo Ban Boo), a idealização de um modelo implica dizer que outras minorias não deram tão certo assim, o que é uma comparação injusta se pensarmos, por exemplo, no caso dos negros. 

Convidamos os idealizadores do canal para comentar a representatividade asiática e os estereótipos de raça de algumas das séries do Netflix mais famosas do momento:

DEFENSORES

Na série de super-heróis de rua da Marvel, Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage e Punho de Ferro se unem para enfrentar a organização Tentáculo. Os vilões da série reproduzem o “perigo amarelo”, a ideia de que os orientais são bárbaros, malandros e uma ameaça ao mundo ocidental (um estereótipo bastante associado aos chineses no Brasil). Essa ideia, representada no cinema há décadas, consiste em colocar asiáticos no papel de vilões cartunescos. Em Defensores, o Punho de Ferro e o Demolidor são homens brancos que aprendem artes marciais para derrotar os vilões genéricos asiáticos e conquistar mulheres orientais (na série, representadas por Colleen e Elektra). 

SENSE8

Há muitos acertos em termos de diversidade étnica, sexual, gênero etc. em Sense8, mas também sérios problemas, principalmente no que se refere à representatividade asiática. Apesar de estar presente, apenas perpetua estereótipos hollywoodianos. A começar por Sun, personagem coreana cujo pai a quer como bode expiatório para os pecados do filho, reproduzindo aqui o estereótipo da família asiática rígida tradicional e misógina. Sun também é uma exímia lutadora de artes marciais, habilidade que parece ser sua única grande contribuição para a série. Da mesma forma, a personagem indiana Kala está presa às tradições familiares ao ser obrigada a se casar com um homem indiano que não ama – homem esse que é trocado pelo homem branco “bonitão”, reproduzindo o velho estereótipo do homem asiático indesejável ao qual as mulheres asiáticas sentem-se aprisionadas e cuja grande salvação é a paixão por um homem branco.

13 REASONS WHY

 Na série, há dois personagens coadjuvantes asiáticos; e ambos fogem dos estereótipos comuns associados aos orientais em filmes de high-school americano. Zach (interpretado por Ross Butler) é o “jock” esportista, popular, bonito, mas que no fundo tem um coração bondoso – e não o esteriotipado nerd que sofre bullying. A outra personagem é Courtney (interpretada por Michele Selene Ang) que é uma menina com opiniões próprias bastante definidas e que não se deixa passar por cima. Isso a diferencia da representação habitual de mulheres asiáticas na mídia que costumam ser objetos sexuais com uma postura extremamente passiva (a não ser que seja uma mãe, pois aí se torna uma mulher rígida e de personalidade difícil).

MASTER OF NONE 

Escrita e protagonizada pelo comediante americano descendente de indianos Aziz Ansari, que, como o personagem Dev, dá vida a um ator sempre requisitado para papeis estereotipados. A série mostra a busca de um jovem adulto de NY por romance, diversão, amizades, ascensão na carreira e aceitação. Com um elenco diverso, mostra de forma engraçada os preconceitos e inseguranças de quem muitas vezes é visto como estrangeiro no seu próprio país, algo que também pode ser sentido pelos descendentes de asiáticos no Brasil. Outro ponto que tenta ser desconstruído é a ideia de que existem papéis e atitudes pré-determinadas para cada etnia, tanto na frente como por trás das câmeras, vide a colaboração de Ansari com Lena Waithe (que também interpreta Denise na série) no episódio "Thanksgiving", que rendeu o segundo Emmy da série e o primeiro na história a ser conquistado por uma mulher negra.

CRAZY EX-GIRLFRIEND

Crazy Ex-Girlfriend é uma série romântica musical em que Rebecca, uma advogada bem-sucedida recebe a promoção dos sonhos, porém não dos sonhos dela. Ela decide abandonar tudo e ir atrás de uma antiga paixão da adolescência e muda-se de NY para a pequena cidade em que vive essa pessoa. O mais interessante é que a paixão de Rebecca se chama Josh Chan, um homem asiático. Esta é uma das poucas séries (assim como a finada Selfie) que rende ao homem asiático o interesse amoroso da protagonista em uma produção de comédia romântica americana, e que o enxerga como um “príncipe encantado”, bonito, corajoso, carinhoso e com um coração de ouro.

FRESH OFF THE BOAT 

Fresh Off The Boat conta a história de uma família durante os anos 90, e a própria premissa da comédia já é bastante revolucionária: asiáticos como protagonistas. Além disso, a série é roteirizada por asiáticos, como a comediante Ali Wong. É possível perceber essa presença criativa, uma vez que a série lida com diversas questões e experiências exclusivas da cultura, expondo a importância da presença asiática também por trás das câmeras – só assim acontece uma representatividade genuína dos asiáticos (e de qualquer grupo sub-representado), e não apenas o olhar de uma maioria em cima de uma minoria.

Créditos

Imagem principal: Divulgação

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