por Ricardo Calil
Trip #247

A gaúcha Camila Storchi levou ao Havaí a sua utopia coletiva: um mundo sem fronteiras onde a religião é amor

Camila Storchi é uma sereia. E, não, essa frase não é força de expressão nem cantada barata. Mas, então, você dirá, com razão, que esses seres não existem. Claro, Camila não é uma sereia mitológica – do tipo que obriga Ulisses a se amarrar num mastro para, enfeitiçado por seu canto, não se deixar afogar, na Odisseia de Homero. Camila é uma sereia profissional. Modelo e surfista gaúcha radicada no Havaí há cinco anos, ela pratica mergulho livre com monofin – nadadeira única em que se colocam os dois pés, diferente da tradicional dupla de pés de pato. Foi um ano depois de se mudar para o arquipélago que ela decidiu customizar uma cauda de sereia para vestir sobre a monofin e as pernas. Desde então, é convidada para protagonizar diversas campanhas publicitárias com o figurino.

Como convém a este início de século 21, Camila é também uma sereia ativista. Ela usa a cauda para chamar a atenção para as muitas causas ambientais que promove no Havaí, como a campanha para recolher lixo das praias e dos mares promovida pela organização Sustainable Coastlines. Se ganha a vida como sereia, sereia ela é. Isso é ponto pacífico.

Ainda que não seja uma sereia mitológica, Camila encanta aqueles que a vislumbram mergulhando pelos mares da ilha de Oahu, como Sharks Cove, West Side ou Hawaii Kai. Muitas crianças acham que ela é uma sereia de verdade. Já os adultos – ao se depararem com a gaúcha de 28 anos, cabelos loiros e olhos verdes, corpo atlético distribuído em 1,73 metro de altura – fazem cara de bobo como Tom Hanks ao ver Daryl Hannah em Splash – Uma sereia em minha vida (1984).

Embora a lembrança de Splash seja frequente no cotidiano de sereia de Camila, foi em outro filme da Sessão da tarde que ela pensou ao fazer este ensaio para a Trip. Um dia, a modelo posou para uma campanha clicada pela brasileira Luiza Campos em uma praia. Trocou de roupa ali mesmo, ao ar livre, na frente da fotógrafa. “Não foi uma coisa maliciosa. Vejo o corpo como um meio de locomoção do espírito.”
Elas falaram sobre a beleza do corpo feminino e a força da natureza, sobre liberdade e repressão, sobre nudez e fotografia. Ali surgiu a ideia de se encontrarem outro dia para fazer um ensaio sensual apenas com alguns tecidos, o corpo de Camila e a natureza ainda selvagem das praias havaianas.

A inspiração? Lagoa Azul (1980), o clássico das matinês com Brooke Shields – que não deixa de ser uma sereia no filme, mas sem a cauda. “Meu estilo de vida lembra muito o filme, que eu vi na adolescência. Vou pro mar ou pra cachoeira e, se não tem ninguém por perto, tiro a roupa e entro na água. Me sinto como a Brooke Shields vivendo em um paraíso intocado.”

Camila sonhava em morar no Havaí desde a adolescência. Nascida e criada na cultura de praia de Torres (RS), filha de uma geóloga e de um publicitário, ela se tornou campeã gaúcha de surf, deu aulas de ioga e se formou em educação física. Aí, enfim, teve a autorização dos pais para botar o pé no mundo. Fez uma parada de três anos em San Diego, na Califórnia, antes de mergulhar fundo no Havaí.

Não foi apenas o surf que atraiu Camila para o North Shore de Oahu. Ela é fascinada também pelo lifestyle havaiano. “Aqui as pessoas têm uma tradição de luta pela preservação da natureza e das raízes culturais, algo que se perdeu no Brasil.” Apesar da fama de “localismo” dos havaianos, Camila diz ter sido bem recebida. “No primeiro semestre, minha casa pegou fogo, perdi tudo, pranchas, computador, câmera, skate, roupas. Minha roommate, que era conhecida pela comunidade, contou para as pessoas sobre nossas perdas, e elas foram fazendo doações. Em uma semana, já tínhamos mais coisas do que antes do incêndio. Foi aí que senti a força do Aloha.”

Um dia típico da rotina de Camila no Havaí tem as manhãs livres para esportes, seja mergulho, trilha, ioga ou surf (V-Land, Rocky Point e Pipeline com menos de 6 pés são os picos preferidos dessa “goofy footer”); as tardes ela dedica aos projetos ambientais, trabalhando no computador ou em campo, sobretudo para recolher lixo das praias e do fundo do mar; de noite ela bate ponto como garçonete de um bar para pagar as contas. A renda é complementada com seu trabalho como modelo, seja na versão Camila sereia ou Camila original. Mas ela se recusa a fazer campanhas de produtos em que não acredita; por isso, já recusou trabalhos para uma empresa de bronzeamento artificial e outra da indústria farmacêutica.

Morando em uma casa na espetacular Waimea Bay, a vegetariana Camila diz viver uma utopia particular no Havaí. “Eu vejo a terra de onde minha comida vem. Colho frutas das árvores. Troco por vegetais com os amigos. Compro ovos da galinha da vizinha. Vou para a praia e não tranco o carro. Surfo as melhores ondas. Não tenho do que reclamar e não tenho pressa de ir embora. Minha vida é um flow”, afirma. “Quando me perguntam com quem eu ando, respondo que ando com os peixes, as tartarugas, os golfinhos. Sempre encontro alguns quando vou mergulhar.”

Camila também tem uma utopia coletiva: “Um mundo onde não existam fronteiras, onde a religião é o amor, onde não exista corrupção e a natureza seja respeitada, onde todas as pessoas tenham a oportunidade de conhecer todos os lugares, vivenciar a cultura e respeitar o próximo com suas diferenças”.

Ela vê o Havaí muito mais perto dessa utopia do que o Brasil: “Quando leio as notícias sobre meu país, chega a dar dor no estômago. Me faz mal. Dá vontade de pegar o avião e fazer uma revolução”. Mas, por enquanto, ela pretende continuar no Havaí e tentar mudar o mundo pelo caminho mais demorado da conscientização ambiental.

Camila namora há pouco tempo um fotógrafo americano que, como ela, trabalha como voluntário da Sustainable Coastlines. “Nós compartilhamos os mesmos ideais. E, como é fotógrafo, ele entendeu perfeitamente a proposta deste ensaio para a Trip.”

Perguntada sobre a importância do sexo em sua vida, Camila responde: “O sexo é uma atividade de troca de energia muito poderosa e devemos prestar muita atenção com quem trocamos nossa energia. Tive experiências com poucas pessoas, mas muito intensas. Acho que o sexo tântrico é a forma mais pura dessa troca de energia”.

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