Brasil, sorridente e explosivo?
O Brasil é famoso pela felicidade e também por produzir bombas que se espalham como banana
Para os estrangeiros, os brasileiros contaminam o mundo com felicidade. Mas o país exporta também outro produto: bombas que se espalham como um cacho de banana e vitaminam as guerra pelo mundo
Leio nos jornais que durante a Primeira Guerra Mundial, aquela de 1914 a 1918, apenas 5% das baixas eram de civis. Hoje em dia, nos conflitos que se espalham pelo mundo, a porcentagem de não combatentes que morrem por causa deles aumentou para 75%. Ou seja, se me permitem o sofisma, da maneira que a coisa está é muito mais fácil e seguro ser soldado, e praticar o esporte do “olho por olho, dente por dente”, do que ser civil. Vestir uma farda é a garantia de estar, pelo menos, três vezes mais seguro do que o garoto da esquina que não tem nada a ver com isso e espera a guerra acabar para poder voltar à escola.
Uma das sortes, boas, do Brasil é a de não ter guerras. Oficiais, quero dizer. Declaradas. Mas, enfim, o ponto não é esse. É que leio no jornal, também, um artigo do El País, assinado pelo seu correspondente Juan Arias, com o título “O que explica Rio-2016? A vocação inata do Brasil para a felicidade”. Nele se chega à conclusão de que uma das razões de os Jogos Olímpicos acontecerem no Rio de Janeiro é a alegria do povo brasileiro.
Somos alegres. Ponto. Somos amigáveis, somos felizes. E, como éramos bons selvagens (isso sou eu que o digo, pensando em Rousseau) e como continuamos navegando, mesmo no meio das marolas mundiais, somos agora ótimos cidadãos. Da paz. Cordiais. Sorridentes.
Nem todos os países têm condições de emanar esse estado de espírito, essa euforia. Leio no jornal, por exemplo, que o Laos acabou de ser assolado por um tufão. Os tufões são bastante frequentes nesta época do ano naquela região. Acontece que o último deles, o Ketsana, alem dos danos costumeiros, teve um efeito perverso. As enxurradas causadas pelas fortes chuvas alteraram drasticamente a topografia e fizeram com que milhões de bombas mudassem de lugar e ficassem expostas.
O Laos é o perfeito exemplo daquele ditado popular: quando o mar bate na rocha quem se fode é o marisco. Durante a guerra entre os Estados Unidos e o Vietnã, foram despejadas em oito anos sobre o Laos – vizinho do Vietnã que não estava em guerra, mas estava no meio do caminho – “415 mil bombas, carregadas com 270 milhões de submunições explosivas...”, de acordo com o jornal O Estado de S. Paulo. São as famosas bombas de cacho. Funciona assim. A bomba é lançada de um avião e ainda no ar 600 submunições se espalham como se fossem um cacho de bananas. Infernais. A distância em que elas podem chegar a ser espalhadas equivale a quatro campos de futebol. Acontece que nem todas elas explodem ao contato com o chão. Podem ficar lá, esperando que alguém encoste nelas. Mesmo com a passagem do tempo elas não perdem a força maligna. Ficam enterradas, penduradas em algum lugar, até um dia em que alguém sem querer esbarra em uma delas e, surpresa, booooom. Mais uma vítima entra para a estatística dos 75%.
Mergulhadores da felicidade
No Brasil, de acordo com a matéria do Estadão, no mesmo Brasil sorridente e cordial, amado e admirado por todos, estão registradas três empresas privadas que fabricam esse tipo de munição. Existe uma Convenção sobre Munições de Cacho, 98 países já assinaram. O governo brasileiro resiste a ser o país de número 99 da lista porque, segundo o Itamaraty, “tal como está redigida, a convenção beneficia comercialmente países europeus que produzem este tipo de munição”. Diz, também, que “não têm sido registradas operações de munições em cacho produzidas no país...”. No mesmo artigo o jornal publica uma nota do exército explicando que o Brasil exporta a munição, mas “entende que não é conveniente nominar” os países do destino.
De acordo com Juan Arias, o jornalista do El País, os brasileiros “são mergulhadores no mar da felicidade e, como não escondem isso, acabam contagiando os outros”.
Nem sempre. Algumas vezes o contágio pode ser, digamos, explosivo.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor. Seu e-mail é studio@jrduran.com.br