Entendo a paixão dos torcedores. Compreendo essa força viva que impulsiona pessoas. É um triunfo, uma vitória que se torna pessoal pela própria necessidade de ser. Uma chama sempre a arderUm golpe de asaUm fio de pazOgivas de SolE uma alegria frescaA soar como água correnteSobre chão de pedras... A alegria é a força que responde a todos os apelos e necessidades humanas. É o coração da vida. A mais livre expressão do que somos de verdade. Aquela gostosa sensação de expansão, como o mar a se esparramar sobre todas as coisas. E provocá-la, exaltá-la, é amar da forma mais direta possível. Futebol tem esse poder galvanizador.Mas continuo a não gostar de futebol. Era o único esporte da prisão. Dia de jogos, a cadeia vinha abaixo. Era preciso lutar contra aquele tipo de alienação. Fazia parte de uma cultura que só servia aos que nos controlavam e nos mantinham naquela miséria pessoal e cultural. Era um anestésico embriagante: pessoas se esfaqueavam em discussões por causa de futebol.A despeito das opiniões e leis em contrário, eu sempre tive em mente que alcançaria meus objetivos. A vontade sempre foi imperiosa para mim. E liberdade não era o único de meus ideais. Criar condições de conviver com todos normalmente aqui fora, vinha junto. Então, a contracultura era a única alternativa possível. Não gostava e criticava pesadamente novela, futebol, samba, televisão, vadios, “nóias” e conversa fiada em torno de tais assuntos dominantes na prisão.Preocupava-me em construir um futuro legítimo. Tinha filhos a criar e educar. Vivi o tempo todo mergulhado em estudos, pesquisas, livros, informações sobre o mundo e absorvendo conhecimentos como uma esponja. Sempre trabalhei na prisão. Trabalho tinha a ver com conquista de espaços e sustento de meu povo. Não sei julgar se errei. Pelo menos não vejo nenhum dos apaixonados pelo futebol que conheci na prisão, no cenário nacional fazendo alguma coisa de real valor. Na maioria foram mortos ainda jovens ou entraram para o caminho das pedras (entrar e sair das prisões até a morte).Estou com 62 anos. Todo esforço que fiz para conhecer e saber tem me valido demais. Pagou a pena. Primeiro pela minha libertação. Eu não sairia, não fossem os livros. Havia me enterrado vivo com minhas próprias mãos. Depois, pude construir uma vida aqui fora, junto a meus filhos e ao que gosto de fazer. Só não me sinto privilegiado porque sei quanto sacrifício me custou. Hoje sou capaz de escrever sobre o que me propuser e essa é minha paixão maior. Sigo tentando acrescentar, expandir, ser e fazer feliz. **Luiz Mendes12/06/2014.
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