Bernardo Paz
Ele transformou sua propriedade particular no Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo
Ele transformou sua propriedade particular no Inhotim, o maior museu a céu aberto do mundo, onde compartilha com todos uma invejável coleção de arte contemporânea. Diz que não entende Picasso. Que a artista Adriana Varejão, uma de suas cinco ex-mulheres, ainda o ama. E que Beatriz Milhazes, a pintora brasileira mais valorizada da história, faz, na verdade, cortinas inglesas. Pelo que parece, aos 63 anos, o empresário Bernardo Paz quer mais é ver o circo pegar fogo
Durante anos o empresário mineiro Bernardo Paz se enchia de uísque para poder dormir – 2 horas, se muito – e de manhã tinha de engolir o Engov e negociar políticas econômicas com banqueiros e operários em greve. Nos intervalos, moças notavam sua estampa de galã, seus olhos azuis, sentavam-se ao seu lado para mais um drinque e logo viravam esposas. Vinham mais filhos, mudanças de endereço, um punhado de papagaios no banco, sempre com aquela eterna sensação de angústia e os muitos maços de cigarro que carrega desde garoto. Nesse ritmo, aos 45 anos ele teve um AVC em Paris. Deitado por obrigação, com tempo para pensar na vida, Bernardo se lembrou do jardim mais exuberante que já tinha visto, num hotel de luxo em Acapulco, em 1971. Só que, enquanto lá dentro, ao som das maracas, os hóspedes se deslumbravam, do outro lado do muro altíssimo a população mexicana vivia na miséria absoluta.
Bom, já dizia o escritor Paulo Mendes Campos que é quando um homem está cansado, quando a vida o encheu, que ele vê o inesperado. Foi mais ou menos o que aconteceu. Bernardo achou que devia deixar algo de bonito para os outros. Que fosse ainda mais bacana do que o jardim de Acapulco, e sem muros, para gente de todas as classes partilhar do encantamento. Assim começou a se desenhar a alma do Inhotim – hoje o maior museu a céu aberto do mundo, que combina arte, jardim botânico e projeto social.
"A arte contemporânea é a única arte crítica, interativa, que mexe com as pessoas"
Bernardo usou o próprio dinheiro – e o charme da conversa para se entrosar com quem fosse preciso – e construiu o museu dentro da sua fazenda em Brumadinho, Minas Gerais. Inaugurado para o grande público em 2006, o seu Inhotim tornou-se, em pouquíssimo tempo, referência mundial em arte. Numa área de 97 hectares, espalham-se pavilhões espetaculares, encravados na natureza, com o fino da produção de artistas contemporâneos: Adriana Varejão (sua ex-mulher), Ernesto Neto, Tunga, Anish Kapoor, Miguel Rio Branco... uma lista de 500 obras de cem grandes figuras de 30 nacionalidades.
“A arte contemporânea é a única arte crítica, interativa, que mexe com as pessoas”, repete Bernardo, hoje com 63 anos. Um sujeito ansioso que continua fumando sem parar, ainda não dorme, é carismático, intenso e tem histórias como se todo dia na sua vida fosse um happening. Não poderia mesmo ver graça em quadros e esculturas feitos para contemplar com a mão no queixo. Inhotim é uma extensão natural da sua personalidade: exuberante, perfeccionista, feito de superlativos. As obras sacodem os sentidos, convidam a experimentar, subvertem os espaços. Matthew Barney, por exemplo, criou ali a instalação De lama lâmina, com um trator que suspende um tronco de árvore. Doug Aitken cavou uma cratera e instalou microfones lá no fundo, para a gente escutar o som do centro da Terra, no seu Sonic Pavilion. E quem quiser pode entrar na piscina do Helio Oiticica.
Uma alegria real, que se pode tocar. Era o que ele queria.
Tal qual o pato
O verde também é um exagero de beleza. Um dia Bernardo se gabava das palmeiras para um agrônomo, e ele retrucou: “Não é bem assim. Faltam centenas de espécies para essa coleção ser espetacular”. É pra já. Bernardo deu a bronca no jardineiro ali mesmo, e, não demorou, exibia uma das maiores coleções de palmeiras do planeta – mais de 1.400 espécies. Há ainda o Viveiro Educador, com 25 mil metros quadrados para pesquisas científicas. Ele gosta de dizer que não entende de arte – desfez-se da coleção de arte moderna da família, da qual ele mesmo tinha comprado boa parte – e manja mesmo é de botânica.
Quando o projeto de Inhotim ainda estava em botão, o amigo Burle Marx lhe deu conselhos preciosos para o paisagismo do lugar.
De início o público era de amigos dos amigos, a turma dos bem-pensantes das artes, mas Bernardo queria mesmo derrubar muros. Hoje Inhotim tem programas de inclusão, coral, banda e o projeto Inhotim para Todos, que leva crianças e adultos de baixa renda para visitar o museu. “Quero que essas pessoas sejam tratadas com dignidade, com a beleza que merecem. Se uma pessoa pobre tem a casa pintada, um pouco de beleza que seja, ela se sente valorizada, tem estímulo para melhorar. Isso tem de acontecer em vários sentidos”, diz.
Em janeiro de 2011 foi convidado a falar no Fórum Mundial de Davos sobre o tema Arte e Filantropia. Antes de ir, Bernardo deixou a paz de lado e botou fogo em entrevistas (“Quando chegar lá, vou olhar para a cara daqueles bundas-moles e mandá-los para a puta que os pariu. O fórum que importa está no governo de cada país, de cada estado, de cada cidade”). Não deve ter mandado, porque saiu de lá aplaudido de pé. Na gangorra da história, o nome Bernardo Paz rodou na imprensa por um leque danado de temas: o casamento com Adriana Varejão; denúncias envolvendo seu irmão, o publicitário Cristiano Paz, com o mensalão, já que Cristiano era sócio de Marcos Valério; acusações de lavagem de dinheiro para sustentar Inhotim; processo de um paisagista que não teve seu nome mencionado na criação do jardim – e pense mais um item, que talvez esteja na lista.
Está casado com a sexta mulher (Arystela Rosa, 31 anos, que mora em São Paulo enquanto ele fica no Inhotim), é pai do sétimo filho (Achiles, nome do seu pai, de quem sempre esperou reconhecimento), avô de dois netos (“Detesto neto”), vendeu sua mineradora Itaminas por US$ 1,2 bilhão e jura que bota tudo no museu e vive duro, pegando empréstimos. Mora sozinho num casarão de vidro dentro do Inhotim com 12 metros de pé-direito, peças de design e cara de galeria de arte (“Fiz essa casa para os outros, que se deslumbram, eu não preciso morar nisso aqui”), onde conversou com a Trip e se abriu como nunca antes.
Diz que não é feliz: “Tomo remédio para dormir, remédio para acordar, remédio para o coração”. Mas gosta de imaginar que, assim como a mãe, de quem herdou a sensibilidade, só está pensando nos outros. Porque, como lhe disse um funcionário muito simples, outro dia, carregando um pato morto: “O pato, como a gente, nasce, cresce e morre”.
Quais são os novos projetos para Inhotim? O Anastasia [Antonio Anastasia, governador de Minas Gerais] esteve lá no Louvre, ele quer trazer o museu pra Belo Horizonte. Só que o presidente do Louvre conhece o Inhotim e falou pra ele: “Você tem o lugar mais impressionante do planeta, por que você quer o Louvre lá?”. Aí o governador foi na Lafarge [empresa francesa, uma das maiores construtoras do mundo, com filiais em MG], falou com o presidente deles na França. E a Lafarge vai construir de graça um pavilhão para mim. São R$ 6 milhões que eles vão investir. É este aqui [Bernardo mostra a maquete de um ovo aberto e, dentro, o formato de um anfiteatro], terá 30 metros por 18 metros de altura. Tem um restaurante que vai debaixo da terra. Começa a construir no ano que vem.
Tem outros projetos já desenhados? Tem 58 pavilhões pra construir. Já projetados. Só que eu tô com a cabeça quente. É tanta coisa... Na parte botânica, tem uma green house de 50 metros de altura por 50 mil metros de área que vamos fazer. Vou botar a Floresta Amazônica dentro. Isso é o governo da Noruega que vai financiar.
Esses financiamentos, como funcionam? Doação.
Mas como eles vêm e oferecem? Ou você tem uma equipe que faz captação? Tenho um grupo de profissionais, mas o pessoal de fora chega aqui, se impressiona com o lugar e quer ter o nome vinculado ao Inhotim. Já para a captação de Lei Rouanet temos um departamento que cuida disso.
Como acontece a negociação com os estrangeiros? É fascinação, só isso. No domingo esteve aqui um francês, que tá tentando construir em São Paulo. Ele comprou aquele hospital Matarazzo na avenida Paulista. Ele quer fazer Inhotim comigo, tem dinheiro demais [Bernardo se refere aos franceses do grupo hoteleiro Allard, que compraram o hospital em São Paulo para fazer um hotel de luxo assinado por Philippe Starck]. Mas é dinheiro árabe, eu acho. Nunca perguntei a ele. Ele quer me levar em Abu Dhabi pra conhecer o emir, que é fascinado com arte.
É só você quem dá a palavra final? Não, eu dou a palavra inicial, que está muito na frente da palavra final dos outros.
Você veta alguma coisa? Não há necessidade de vetar, porque temos uma equipe de profissionais que filtra tudo. Tenho sete curadores. Já chega para mim o melhor do mundo. Nunca chega uma coisa mais ou menos, só o melhor do artista. E tudo por preço de projeto, não por preço de obra.
Você imaginava que Inhotim viraria o que é hoje? Eu nunca imaginei que ia construir Inhotim; eu comecei a fazer só. É claro que eu olho para trás hoje e vejo com tranquilidade que talvez eu tivesse imaginando. Porque dez anos atrás eu comprei o terreno para fazer um aeroporto pro Inhotim e ao mesmo tempo eu não imaginava que eu ia construir Inhotim.
E, afinal, vai ter o aeroporto? Vai. Já tem terra, já está aprovado pela Infraero, pela Anac [Agência Nacional de Aviação Civil], por todo mundo.
Um hotel e outro restaurante estão sendo construídos. Você não tinha convidado o Alex Atala para comandá-lo? O hotel vai ficar pronto logo, tá superadiantado. O Alex é um gênio, um chef maravilhoso, mas pediu R$ 8 milhões para o restaurante e só ia vir aqui de vez em quando. Falei: “Não, obrigado, não quero”. E ele andou espalhando que estraguei um sonho dele. Estraguei porra nenhuma! Achei que era dinheiro demais, só isso. Esses caras têm muito ego.
"O Alex Atala é um gênio. Mas cobrou R$8 milhões para fazer o restaurante no Inhotim, Falei: 'Não, obrigado, não quero'"
Falando em ego, você diz em entrevistas que uma pessoa só se realiza mesmo quando faz algo para a sociedade. Você sempre sentiu essa vontade de partilhar? Sempre. Fui educado assim. Minha mãe era poeta, pintora e assistente social. Era muito vinculada às pessoas mais humildes. Meu avô por parte de pai trabalhou com o marechal Rondon, foi um homem muito patriota. Essa palavra é meio ridícula, mas ele tinha orgulho do Brasil e criou meu pai dentro desses fundamentos nacionalistas. Minha mãe era muito depressiva, mas tinha um senso de humor fora do comum. Já o meu pai era engenheiro, disciplinado, um homem que me ninava com Hino da Bandeira, Hino Nacional, todos os hinos que você imaginar.
Ele cobrava muito você? Era muito duro, muito difícil. Meu relacionamento era melhor com a minha mãe, que era de uma sensibilidade atroz. Esse antagonismo me deixou completamente inseguro, até os... ah, minha vida inteira. Somos quatro irmãos, eu sou o mais velho. Isso me deixou mais ou menos sem pouso, porque meu pai pregava o heroísmo, a luta, a vontade, o crescimento. Meu avô, pai dele, era do Piauí, mas fugiu de lá quando houve a revolução. Na época de Arthur Bernardes [mineiro, presidente do Brasil de 1922 a 1926], meu avô era comunista. Foi parar no Rio vestido de mulher e prenderam ele.
Vocês tinham dinheiro? Éramos classe média baixa, classe média de funcionário público. Meu pai trabalhava na prefeitura, foi secretário de governo. Na época, Belo Horizonte só tinha funcionário público.
Você estudou até que ano? Eu detestava estudar. Fui muito bem até o quarto ano do primário. Tinha um irmão que era muito brilhante, estudava 12 horas por dia. Então meu pai começou a me perseguir. Mas tinha uma diferença: meu irmão era moreno, mais magro, e eu era bonito, de olho azul. Meu pai me dizia: “Você não vai dar em nada na vida”. Eu tinha 13, 14 anos. Isso me marcou muito, passei infância e juventude muito isolado, calado. Terminei o ginásio e parei. Tempos depois fui fazer o madureza [antigo supletivo] e entrei em economia na faculdade. Mas larguei.
Você era um adolescente angustiado? Extremamente. Era muito bonito e isso me atrapalhou demais. Eu detestava isso, tinha pânico de ser bonito, e muitas pessoas diziam que a beleza trazia burrice.
Mas não era bom para ganhar as meninas? Eu tinha muita vergonha. Até os 20 anos eu não conversava com mulher. Às vezes ia a uma festa e ficava só 5 minutos, porque as meninas iam todas em cima de mim e eu não sabia dançar.
Com que idade você se casou pela primeira vez? Com 23. Tinha esse problema também. Como eu nunca procurei por uma mulher, eu normalmente era achado por uma. Nunca casei com mulher bonita na vida, porque as que chegavam eram as mais feias, as bonitas ficavam esperando. Eu casei com uma menina que se aproximou muito na época e fiquei 11 anos com ela, a Sandra. Tivemos duas filhas. Antes de casar eu já trabalhava como atendente no posto de gasolina do meu pai. Depois fui trabalhar numa butique de roupa de homem. Muito tempo depois soube que o footing na cidade era na porta da butique, porque as meninas iam me espiar.
E você, pelo jeito, já tinha deixado de ser introspectivo. Só no trabalho. Eu tinha que me articular, porque senão não ia dar em nada na vida. Depois fui operar na bolsa de valores. Em 1971 teve um crash na bolsa no Brasil e todo mundo perdeu tudo. Aquilo me traumatizou, porque eu vi as pessoas que tinham dinheiro guardado para a velhice perderem tudo. É uma coisa que eu nunca mais esqueci. Tenho pânico dessa coisa de trabalhar com dinheiro para fazer dinheiro. Eu parti mais para a realização pessoal.
Mas como é que você virou dono de mineradora, milionário, e chegou onde está hoje? Eu tinha um percentual na mineradora. Quando comprei, era quebrada.
Mas de onde veio essa mineradora? Quando me casei, acabei indo trabalhar no banco que era do pai da minha primeira mulher [o Banco Mineiro do Oeste, de João do Nascimento Pires, primeiro sogro de Bernardo]. Ele quebrou e perdeu tudo o que tinha. Eu já tinha saído para cuidar da mineração, que tinha sido dele, mas estava quebrada. Ele tinha perdido a cabeça. A história dele foi dramática, porque ele era um homem extraordinário que nos últimos anos da vida estava na macumba, cortava pescoço de carneiro para tomar sangue. Eu tinha que correr atrás para ele não ser roubado. Pus ele na mineração na época e foi uma tragédia, porque, na hora de pagar os transportadores e pessoal, ele pegava o dinheiro para pagar esses videntes. Então eu passei dez anos segurando greves, acordava às quatro da manhã, chegava em casa à meia-noite. Mas aí esse homem morreu, foi uma complicação.
"Não entendo de arte. Vou dizer uma coisa com toda a franqueza: eu não entendo do Picasso. Porque arte para mim tem um processo educativo"
Isso foi durante os anos 70, quando teve o milagre econômico? Para mim não teve. Eu vivia com duplicatas, dívidas, tinha mais de 2 mil cheques sem fundo. Eu não dormia. Às vezes pra dormir tinha que tomar uma garrafa de uísque, porque não tomava tranquilizante na época. Hoje tomo. Dormia 2 horas e acordava com dor de cabeça, mas ia trabalhar. Minha vida passou como uma ventania. Descobri uma fórmula de resolver esse problema, que era comprar outras empresas falidas, recuperá-las e fazer um monte maior pra sair lá na frente. Chegou um ponto em que a jazida não pertencia à mineração, era arrendada. Aí tive de fazer uma empresa às pressas, para fazer o arrendamento, continuar trabalhando, conseguir pagar toda a dívida e liberar todo o patrimônio. Foi o maior sufoco da minha vida. Minha mulher e eu nos separamos. Fiquei sem nada, criei uma holding e a partir daí eu vi que não tinha saída: a dívida era grande demais. Fui para a China e fiquei amigo de uns ministros chineses. Tive a primeira reunião com o Deng Xiaoping [secretário-geral do Partido Comunista Chinês]!
Você foi o primeiro empresário brasileiro a ir para a China comunista? Ninguém nunca tinha ido à China. Quando eu fui, só os judeus estavam lá. O Deng Xiaoping foi o motor dessa história toda, mas por trás tinha um grupo de pessoas brilhantes. Eles botaram US$ 10 milhões na siderurgia. Comprei outras minas também e virei uma empresa de 10 mil funcionários. Uma correria... Tinha que viajar 300 quilômetros por dia, indo e vindo, correndo atrás. Eu estava bêbado quando comprei a primeira usina siderúrgica. Fiz um discurso que ninguém entendeu. Lembrei de quando era criança e dormia num quarto com três irmãos, que dava pra um terreno baldio ao lado. Todo dia uma galinha cantava. Eu subia no muro e descobri que ela estava botando ovo. Aí comecei a pegar o ovo e guardar. Aquilo pra mim era uma coisa impressionante! Eu estava ganhando aqueles ovos que a galinha botava de lado. E naquilo acumulei 12, 13 ovos.
Mas foi nessa época que sua história de empresário melhorou. Não, o Brasil ficou uma loucura. Teve Plano Cruzado, Plano Collor, Plano Real, e depois o Meirelles [Henrique Meirelles, presidente do Banco Central entre 2003 e 2011], que acabou com as indústrias botando o câmbio lá embaixo.
E você estava onde nessa altura? Na mineração. O que aconteceu? O minério subiu de US$ 10 para US$ 180. Então, mesmo com o câmbio caindo 100%, o minério subiu 1.800%. Com isso consegui pagar a dívida de bancos, adequar a dívida fiscal, parcelar com o fisco. E consegui triplicar, quadruplicar a produção de minério.
Quer dizer, aí foi surgindo esse dinheirão. E você ainda vendeu uma mina para os alemães. Surgiu o dinheiro e construí Inhotim. A mina eu doei, é uma história longa. Mas acabou dando dinheiro e os alemães retribuíram botando dinheiro no Inhotim. Depois larguei tudo, porque tive um problema de saúde em Paris, em 95, que me fez pensar em fazer algo maior, para a comunidade.
Você teve um AVC, né? Sim, mas não deixou sequelas.
Você estava sozinho? Estava para casar com minha quarta mulher, a Titina. Era uma menina de família rica, conservadora, de Minas Gerais. Era muito mais nova que eu: eu tinha 44 e ela tinha 26 quando casamos. Ficamos 11 anos juntos. Não tivemos filhos, ela não podia. Antes eu tinha sido casado com a Cláudia, que me deu duas filhas maravilhosas.
Não tem uma história que você se separou e, no mesmo dia, foi a um bar e conheceu uma moça? Sim, uma austríaca de 22 anos, minha segunda mulher. Também foi uma que me viu bebendo no bar, se aproximou e eu casei. Tivemos um filho, o Bernardo, que hoje vive em Stanford.
Você gosta das moças mais novas? A questão não é essa. É que... sou um cara de poucos prazeres na vida. E um dos poucos prazeres era sexo. Era difícil fazer sexo com uma mulher mais velha. Ou casar com uma mulher de 50 anos, quando eu tinha essa idade, e ainda ter apetite sexual [risos].
A beleza então é importante para tudo? Hoje eu consigo encarar a beleza da inteligência, da sabedoria. Aí tanto faz a idade. Consigo me apaixonar por uma pessoa sem me preocupar com o sexo, desde que ela seja brilhante.
Mas você não me respondeu uma coisa: você se interessava por arte? Já pensei muito isso, mas nunca quis entender de arte. Não entendo de arte. Vou dizer uma coisa com toda a franqueza: eu não entendo Picasso. Porque arte para mim tem um processo educativo, elucidativo. Anterior a Picasso, a arte era anterior à fotografia. Então a arte traduzia a visibilidade de uma determinada coisa que você não conhecia, ela tinha esse papel.
A arte era figurativa. Já na arte moderna... Quando veio a fotografia, os artistas passaram a fugir da fotografia, do realismo. Alguns artistas conseguiam isso com beleza, como Monet, Matisse e outros mais. Picasso pintou o ciclo azul de forma clássica, de uma beleza extraordinária, afinal era um gênio. Depois passou a distorcer tudo e deixou de ser uma pessoa admirável. Os quadros deixaram de ser admirados para ser invejados por ricos e colecionadores.
Falando nisso, a arte brasileira está cada vez mais valorizada. Uma obra da Adriana Varejão, sua ex-mulher, já passa de R$ 1 milhão. A obra da Adriana, por coincidência, ou por qualquer outra coisa, teve um salto de valor após o pavilhão dela aqui, que é o mais bonito de Inhotim. Comprei todas as obras para o pavilhão por US$ 180 mil – e lá tem 70 obras. Hoje custa US$ 1 milhão cada uma. Mas isso não acontece de uma hora pra outra. Ela tem um valor enorme como pesquisadora, vai fundo em suas pesquisas. E, de uns tempos para cá, os ricos brasileiros começaram a reconhecer nossos artistas e a comprar por uns preços absurdos.
"Preciso de R$2 milhões todo mês. Pego dinheiro emprestado sempre. Estou devendo R$12 milhões, mas mês que vem eu pago"
A Beatriz Milhazes passa fácil de R$ 1 milhão. Isso é loucura! A Milhazes tenta ser pintora, mas o que ela faz é cortina inglesa.
Qual é o seu parâmetro de boa arte? O meu parâmetro é a educação. Arte contemporânea é a única arte crítica, interativa, que mexe com as pessoas. As crianças adoram, mais do que os pais. A arte aqui em Inhotim está envolta na beleza da natureza. Esse é o segredo. Toca as pessoas. A Adriana tem por trás uma curiosidade, o Ernesto Neto tem uma diversão e uma alegria que se traduzem para a criança, o Cildo Meireles tem a perspectiva da morte.
A Adriana foi sua única esposa famosa. Incomodava você ser conhecido como “o marido da Adriana Varejão”? Nunca me preocupei com a fama da Adriana. Me importava com o que ela fazia, com o trabalho dela, enxertado de vontade e víscera. Me apaixonei por ela, casamos, tivemos a Catarina, linda, e continuei levando a minha vida. Depois surgiu um problema: a Adriana, como todo artista de uma forma geral, tem a característica de olhar muito pro seu próprio interior. Isso é um vício de quem constrói pra si mesmo, não quer dizer que seja um erro. Ela não reconhecia suas ambições de ganhar dinheiro com arte. Queria ser uma pessoa da arte pela arte. Mas, por outro lado, precisava do dinheiro. Não para viver, mas para ser importante – o mundo capitalista exige isso. E ela era artista, devia brilhar, mas eu estava crescendo como pessoa e isso foi criando um abismo entre nós. Ela queria envelhecer comigo. Acho que ainda me ama, mas isso [reatar] é impossível. Separamos e acabou.
Você tem inimigos? Não que eu saiba. Meus inimigos não têm nome, mas tentam me prejudicar. São pessoas que têm ciúmes. A vida inteira eu tentei solucionar problemas e buscar caminhos pras pessoas. No primeiro momento eu consigo muita coisa, porque tenho uma facilidade imensa de ligar pontos, entendo a pessoa sem ela perceber. Em um primeiro momento, ela me julga um gênio. Em um segundo momento, ela tem medo. No terceiro momento, ela tem raiva. E, no quarto, parte para a vingança.
Não posso deixar de perguntar sobre todas as acusações de lavagem de dinheiro envolvendo o nome do seu irmão (Cristiano Paz) com Marcos Valério e ligando você a políticos. O que você tem a dizer? Eu digo que meu irmão é inocente. Ele é brilhante, tem uma agência de publicidade que talvez seja a melhor do Brasil. Nunca procurou dinheiro; nasceu artista. Quando começou em publicidade, aos 16 anos, fez um filme e todos em casa choraram de emoção. Eu tenho pena dele. Ajudo no que posso. Porque ele foi envolvido nesse processo pelo Marcos Valério, mas o banco deu dinheiro observando algum favor – e depois quebrou. Todos perderam e meu irmão foi o único que se manteve de pé nessa história. Quanto a mim, nunca fui amigo de político nenhum.
Seus outros dois irmãos trabalham com o quê? A Virgínia, coitada, é inteligentíssima, mas é uma sonhadora também. Ela montou um escritório pra filha dela, que é uma arquiteta genial, mas não ganha dinheiro. Tenho sempre que dar dinheiro pra ela. O André é brilhante também, mexe com comércio. Mas é doido: xinga, briga, berra. Uma coisa tem de ficar clara: eu nunca fui rico, não sou rico, não tenho um tostão no banco. Todo o meu dinheiro está envolvido com a população de uma forma geral.
Mas você tem uma vida bem confortável... Preciso de R$ 2 milhões todo mês. Pego dinheiro emprestado sempre. Estou devendo R$ 12 milhões, mas mês que vem eu pago, vendi um troço por R$ 250 milhões. Tudo que ganho boto no Inhotim [na imprensa já saiu que ele bota US$ 70 milhões por ano; há dois anos, Bernardo vendeu sua Itaminas para um grupo chinês por US$ 1,2 bilhão].
E agora você está com a sexta esposa, a Arystela, que lhe deu o sétimo filho. Ela é designer, veio criar a iluminação de uns restaurantes meus. Essa moça sofreu absurdamente. O marido teve esquizofrenia, quis matá-la e acabou morrendo assassinado. É uma menina que veio do interior, na dela, extremamente correta, e lindíssima. Temos o Achiles, um menino lindo. Dei a ele o nome do meu pai. Tenho o maior respeito pelo que meu pai foi, apesar de ele ter me crucificado a vida inteira.
"Eu vou criar aqui uma Disney World pós-contemporânea cultural, que faça com que as pessoas cresçam"
Ele faleceu há pouco tempo. Faleceu há dois anos, dizendo que tinha orgulho de mim.
Que é o que você sempre desejou. Exato. Me deu um prazer muito grande saber disso. Quando ele morreu, eu não tinha que provar nada mais pra ninguém. A vida inteira o meu foco é a sociedade.
Quando você morrer, o que deve acontecer com Inhotim? Sou pragmático. Estou pensando lá na frente e penso grande. Eu vou criar aqui – se Deus quiser, e não que eu acredite em Deus – uma Disney World pós-contemporânea cultural, que faça com que as pessoas cresçam e que atenda a sociedade de uma forma geral – miseráveis, pobres, médios e ricos. E que todos sejam considerados iguais aqui dentro, como são atualmente. Hoje eu recebo cerca de 100 mil pessoas de comunidades extremamente carentes, recebo 80 mil crianças por ano, extremamente pobres. Tenho 140 professores, monitores, educadores, tem as comunidades quilombolas que eu trouxe pra trabalhar aqui... Nós atendemos essas comunidades.
Muitos ricos não investem em nada para a comunidade. O que você acha da elite brasileira? A elite brasileira não difere de nenhuma elite. A pior elite é a aristocracia europeia, porque não admite até hoje que perdeu poder. As elites são feitas por pessoas que lutaram para crescer, que têm medo de perder. Todo rico é assim. Toda pessoa que cresce não quer dar um passo para trás. O que eu estou fazendo é uma renúncia absoluta da vida.
Mas seu nome estará ligado a um legado. Meu nome está ligado a isso, mas está sendo alvo de muitos [mísseis] Exocet. Nunca fui amigo de político, nunca me liguei nisso. Condeno a corrupção, que prejudica o pobre, que atrapalha a saúde, que vende remédio mais caro, que manipula o dinheiro. Agora, eu, por mim, não estou nem aí pra minha vida. Se eu morrer amanhã, já morri. Agora estou com uma arritmia cardíaca, tenho de ir ao [hospital] Einstein na segunda. Acho uma chatice, detesto sair daqui.
Você teve um AVC, fuma à beça e diz que toma tranquilizantes toda noite. Mas tem sete filhos. Não tem a preocupação de viver mais? Não. Nunca fiz esporte. Faço tudo o que você disse, e os sete filhos gostam de mim. Tenho 1.400 funcionários. Se você sair e falar mal de mim, eles te matam. As pessoas que estão próximas a mim estão muito, muito próximas.
O que emociona você? Meus filhos me emocionam. E as pessoas que estão comigo no Inhotim também. Encontrei um negro quilombola revoltado com sua condição e querendo matar os brancos. Esse negro hoje é o melhor condutor de visitantes que temos. Todos os negros que tenho aqui são quilombolas. E são pessoas extraordinárias.