Babu Santana: Não existe militante radical

por Carol Ito

O ator carioca fala sobre a carreira depois da participação no Big Brother Brasil e manda a real sobre militância e a onda de cancelamentos nesta edição do programa

Depois de viver personagens icônicos no cinema, como Tim Maia (no filme sobre a vida do cantor, lançado em 2014) e Bujiú (em Estômago, longa de 2007), e atuar em uma série de novelas globais, incluindo I love Paraisópolis e Novo Mundo, Alexandre da Silva Santana, mais conhecido como Babu, abraçou o desafio viver a si mesmo ao entrar na vigésima edição do Big Brother Brasil. “Eu não consegui notoriedade com a minha arte, consegui com um show de entretenimento, onde todo meu conhecimento não foi usado. Às vezes é frustrante viver da arte no país. Tô trabalhando isso na análise”, desabafa o ator, ao mesmo tempo em que celebra o alcance de seu trabalho proporcionado pela participação no reality: "Pela primeira vez na vida, tenho base para custear meus estudos. Foi uma guinada, tô muito feliz, mesmo". 

Babu Santana, 41, entrou no BBB em janeiro de 2020, antes da pandemia de Covid-19 estourar. Depois de enfrentar dez paredões e conquistar a quarta colocação, em uma edição que atingiu picos de audiência, o carioca teve que buscar novos caminhos: “Lembro que quando saí, pensei: caraca, vou rodar o Brasil fazendo teatro, vou fazer projeto de graça. Mas tive que me reinventar, a vida continua, independente de qual seja a catástrofe”, diz o ator, que se considera “viciado em trabalho”. Desde então, não parou mais: lançou “Fechado com o paizão”, programa de entrevistas em seu canal no YouTube, deu um upgrade nas redes sociais (seu perfil no Instagram soma mais de 6 milhões de inscritos), viralizou com “Morrão” (single gravado com o produtor musical Papatinho), além de fechar contratos publicitários e desenrolar vários outros projetos com sua produtora, a Bubu Filmes. 

De dentro da sede da produtora, que fica na Ilha da Gigoia, no Rio de Janeiro, Babu bateu um papo com a Trip e mandou a real sobre carreira, representatividade negra na dramaturgia e os cancelamentos que estão rolando no BBB21: “Não existe militante radical, radical é a desigualdade contra a qual ele luta”, dispara.

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Trip. Depois de participar do Big Brother Brasil, você mergulhou em várias frentes, da publicidade à influência digital, passando pela música. Como foi isso?

Babu Santana. Por que eu gostei tanto do Big Brother? Porque me possibilitou hoje estar realizando um sonho pleno de artista. Eu tenho um canal no YouTube e tudo o que me dá na telha eu consigo fazer, tô aprendendo a manusear a câmera, escrever roteiros. Era tudo que eu já vinha desenvolvendo, mas de forma mais precária. Agora, a gente tem um ótimo espaço para trabalhar [a sede produtora Bubu Filmes], lançamos um programa de entrevistas, o “Fechado com o Paizão”, em que pude falar sobre Novembro Azul [campanha de conscientização sobre o câncer de próstata], sobre minha descoberta recente da diabetes. Ser influenciador é uma onda que eu tô curtindo, é uma comunicação direta com as pessoas. Também tô ensaiando com a minha banda [Babu Santana e os Cabeças de Água-Viva]. A gente não vê a hora de acabar a pandemia para botar o bloco na rua, pipocar de novo na pista.

Como encara a profissão de artista dentro do contexto em que vivemos hoje? O Brasil destina 0,2% do orçamento para a cultura, é muito difícil. Tanto é que eu não consegui notoriedade com a minha arte, consegui com um show de entretenimento, onde todo meu conhecimento não foi usado, no sentido de construção de personagem. Às vezes é frustrante viver da arte no país. Tô trabalhando isso na análise. O que me deixa feliz é que ganhei notoriedade por ser eu mesmo. Além disso, o artista, o cara que tem senso crítico, que tem coragem de se expressar, apontar o que incomoda, vem sendo confundido com um inimigo público. Isso é muito grave, muito triste.

Por muito tempo, a maioria dos papéis reservados para atores e atrizes negras estavam ligados à criminalidade ou à subalternidade. Isso vem mudando? Os resultados estão aquém do que é justo, mas você começa a ver figuras pretas surgindo em todos os segmentos da sociedade. Isso é fruto da militância, não se pode banalizar quem não tem medo de lutar. As pessoas dizem coisas do tipo “a fulana é muito radical”. Radical foi o processo de escravidão, que forçou um monte de gente a ir de um país para outro. Mais radical que isso, nem a Lumena [participante do BBB21] nem qualquer pessoa vai conseguir ser. Para mim, não existe militante radical, radical é desigualdade contra qual ele luta. 

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E na publicidade, existe mais diversidade? Eu fiquei muito feliz quando saí do Big Brother e percebi que muitas ações publicitárias estão com pensamento diferente. Você vê que as marcas estão preocupadas em fazer com que o público se identifique. Então, nós temos que estar presentes nesse segmento também. 

Você não costuma se posicionar muito nas redes sobre as tretas do BBB21. Está acompanhando o reality? Eu tô acompanhando. As pessoas perguntam por que eu não falo mais sobre o BBB, mas penso que já tá todo mundo falando disso. Eu vou ser mais um? Vou botar mais lenha na fogueira? Essa briga é minha? Nas primeiras semanas, o jogo deu uma acelerada e quero entender melhor para onde vai levar. Percebi que, na minha edição, a gente entrou num mundo e saiu com ele virado. Quando eles entraram [na edição atual], o mundo já tava virado, as pessoas estão num estado de carência, muitas estão presas em casas pequenas, não têm um lugar espaçoso para arejar a cabeça, como eu. É uma apreensão coletiva inédita para a humanidade.

Você acha que os ânimos estão mais exaltados porque os participantes já entraram em meio à pandemia? Acho que sim. Não só quem entrou na casa, como nós, que estamos julgando também. O mundo virtual passou a ser uma coisa mais cotidiana. É muito louco porque estamos separados por uma placa eletrônica, que incentiva a ver e a falar muitas coisas. Você se sente protegido, tá dentro de uma caixinha, ninguém vai te agredir. Por exemplo, a Karol Conká saiu, então, chega de atacar? Chega, né? Me pergunto: até que ponto isso é brincadeira, até que ponto é sério? É o caso de ela buscar um tratamento? Até então, era muito óbvio que ela estava equivocada e a resposta ao comportamento foi dada nas redes. Eu não queria falar de coisas óbvias, os questionamentos que isso tá trazendo à tona é que me interessam. Além disso, o fato de não concordar com ela não dá o direito de endossar nenhum comentário racista. 

Os julgamentos e as ondas de ódio que estão rolando na internet sobre a conduta dos participantes negros têm a ver com racismo? O principal tempero é o racismo, sim. As pessoas se equivocaram, sim, e, coincidentemente, elas são pretas. Somos pessoas normais. Tem pessoas pequenas, altas, magras, gordas, carinhosas, nervosas, mal caráter, bom caráter. O erro de um ou de outro não pode fazer com que se perca toda uma luta. No caso da Karol Conká, que saiu com 99,17% de rejeição, a gente começa a debater uma coisa interessante para a sociedade: o povo que consegue se unir para tirar uma pessoa do BBB não pode se unir para ajudar o Acre, que tá sofrendo com as enchentes? Se unir para escolher melhor nossos líderes? É importante gerar esses debates e estar aberto para ouvir a opinião do outro, mesmo que ela seja absurda. Dá tempo de mudar a forma de enxergar as coisas ou de tratar o outro. Nesses debates, a gente coloca as cartas na mesa e toma um susto, mas faz parte do game. 

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Você tem medo de ser cancelado? Eu calculo tudo o que vou fazer agora, mas tento canalizar isso para um lado bom, de ver falhas na minha conduta e corrigi-las, antes que se tornem um cancelamento. Não dá para negar que esse movimento existe e que traz prejuízos para quem trabalha na internet, comercialmente. Mas vou cuidar da minha vida para não cometer um crime, uma injustiça. Perto disso, o cancelamento é uma coisa meio banal. Eu sei quem eu sou, vou seguir com as minhas convicções e a educação que recebi da minha família. Se você não gosta da pessoa, simplesmente não segue, não precisa ficar xingando o tempo todo, até porque isso gera engajamento para ela. A maior arma de cancelamento para mim é o desprezo, ser esquecido, ignorado, não a disseminação do ódio. 

Créditos

Imagem principal: Divulgação/Bubu Filmes

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