Assassinos

por Luiz Alberto Mendes em

                                    ASSASSINOS

 

Quem nunca pensou em matar alguém, nem vivo esta. O homem é capaz de ódios mortais, mas criou contensores poderosos que o impedem. Firma-se nos ideais de igualdade e justiça para controlar seus impulsos.

Vontade é coisa que dá e passa. Os pensamentos atravessam a mente sem precisar mostrar bilhete de entrada. São o que são. Multiformes, para serem aceitos ou repelidos, de acordo com sintonias. O cérebro funciona por ondas eletro-magnéticas que processam informações interativas. Tudo interage de forma concêntrica. Como se tudo se originasse de uma onda primária que vai e vem, sobrepondo-se camada a camada.

Na raiva, a fúria pode nos cegar. Ou então, friamente, vidas humanas podem ser desconsideradas para que se privilegiem outras. Sempre justificamos os meios pelos fins. O problema é que os meios desvirtuam os fins. Talvez porque estão indissoluvelmente ligados e o meio seja a justificativa para qualquer fim.

Pessoas educadas de quem jamais se esperaria qualquer hostilidade, afirmam que não estão a salvo de serem presas. Isso porque se julgam plenamente capazes de até matar. No fundo, sabemos bem quem somos. Podemos enganar aos outros, por vezes até a nós próprios, mas não sempre. Como tudo nesse mundo, até para a estupidez há limites, embora pareça que a imbecilidade humana não tenha fim.     

Reconheço o perigo que represento para mim mesmo. Não mais para os outros: sou violento comigo mesmo para não ser com os outros. Em entrevista, Mickey Rourke afirmou que andava escoltado. Nenhuma novidade até ai, se ele não complementasse afirmando que a segurança era para os outros, e não para ele. Sentia-se tão agressivo que pagava para um especialista defender as pessoas dele. Era sua maneira de ser violento consigo mesmo.

Agressividade tem a ver com insegurança. Sempre fui pequeno (1,66 metros) onde a lei era a dos mais fortes. Sempre armado e pronto a reagir ferozmente. Não é o tamanho do homem que vale. Antes vale o tamanho da briga desse homem. Aprendi a lutar boxe e tornei-me menos agressivo. Sabia que poderia  enfrentar o que viesse que não me sairia tão mal. Tornei-me capaz de me defender. Isso me tranqüilizou.

Conheci pessoas cuja violência me pareciam gratuitas. Faziam por prazer, sadismo puro mesmo. Psicopatas. Não eram normais. Se bem que o que é ser normal? Os padrões estão cada vez mais elásticos. Provavelmente para abranger as paranóias e neuroses que a existência nas grandes metrópoles produz.

Chico Picadinho tem personalidade psicopática. É um grande pesquisador, leu tudo o que há de mais avançado no campo das pesquisas psicológicas. Esta consciente de sua patologia. Esse infeliz companheiro de tantas décadas de sofrimento é a pessoa mais doce que pode existir. Possui cultura invejável e é extremamente interessante. Pinta quadros e faz máscaras com a sensibilidade fina do grande artista que mora dentro dele.

Não é um psicopata. Tem sentimentos e é um bom amigo. Desenvolve-se bem na convivência prisional. É vendedor profissional bem sucedido dada sua simpatia natural. Esta preso a trocentos anos. Provavelmente não deixarão que saia mais. Morrerá na prisão. Nenhum médico assinaria um laudo de liberação. Em passado remoto, depois de cumprir 10 anos de prisão por assassinato de uma mulher, picada (daí o apelido) em pedaços pequenos e colocada dentro de uma mala (o famoso “crime da mala”), ele foi solto. Trabalhava no setor de Biotipologia onde, antigamente, se emitia laudos de caráter psicológico e psiquiátrico sobre os presos do Estado.

Conquistou a confiança dos médicos e psicólogos. Acreditaram nele e resolveram dar-lhe uma chance. Emitiram parecer favorável à sua liberação em livramento condicional. Após chefiar enorme equipe de vendedores por um período, Francisco tornou a cometer o mesmo tipo de crime.

Levou uma prostituta ao hotel e, durante o ato sexual, a estrangulou. Cortou o corpo para acomodar os pedaços dentro de uma mala. Perguntado, respondeu-me que não era por prazer ou paranóia que picava as vítimas. O objetivo era prático; adequar o corpo ao tamanho da mala para poder dar fim.

Isso caracteriza psicopatia. Não havia sentimentos com relação às vítimas. Eram apenas corpos que ele se desfazia. Mas ele não faz sempre isso. É algo que, segundo ele, pegou em algumas vezes em que bebeu. No mais das vezes é pacato chefe de equipe de vendas. Deve, neste instante, estar atirado no fundo da Casa de Tratamento e Custódia, sem esperanças de ser solto, a acerca de 40 anos.

O que fazer com esse homem? Creio que ultrapassou os 70 anos de idade. Deixá-lo preso até que morra? Nenhum de nós deixou de ser atingido pela sanha assassina. Felizmente, a maioria conseguiu se conter. Minhas homenagens sinceras a esses heróis existenciais.

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Composto em 18/04/2006 e revisado em 21/12/2009.

Luiz Mendes.    

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