As Mulheres na Vida dos Homens

por Luiz Alberto Mendes em

                        MULHERES II                    

 

Quando fui preso, mulher para mim era “mina”. Fora minha mãe, não respeitava nenhuma delas. Fazia parte da cultura criminal sob a qual eu havia sido educado. “Coração de malandro é na sola do pé”. O machismo era um dos mais fortes componentes dessa cultura. Mulher era somente para o uso.

Mesmo não as respeitando, a convivência me fazia suspeitar que algo ai não estivesse certo. Quando minha mãe começou a trabalhar fora de casa, fiquei putíssimo. Ofendi meu pai por ele não ser homem capaz de sustentar sua companheira. Mulher era para ficar em casa. As que trabalhavam fora nessa essa época, eram consideradas putas e seus maridos, cornos acomodados.

Quando, mesmo estando preso, amei uma mulher de verdade, fui obrigado a fazer uma nova leitura de mundo. Aquele mundo antigo havia acabado definitivamente. Tudo o que não fazia sentido veio à tona. O exercício de viver encarregou-se de escolher as melhores opções. Os livros, esses salvadores da alma, vieram em meu socorro e me adotaram por filho e discípulo. 

Preso não tem depressão. Tem neurose. Cada qual lida com suas neuroses como pode. Alguns jogavam bola. Outros, cartas. Os mais espertos traficavam. Eu queria muito mais que isso. Queria ser inteligente. Então, estudava e lia o tempo todo. Jamais perdi por isso.  

Amava e colocava o ser amado acima de mim. Seu lucro na relação era mais importante que o meu. O que entendia sobre mulheres provou-se absurdo, destituído de sentido. Comecei a questionar e formatar um conhecimento mais substancial. Foi duro. Dor de não ser aquilo que dentro de mim exigia que fosse.

Amava e me sacudia de pura ternura. Meu estômago doía ao pensá-la. Ficava em febre e não dava para abreviar. Não podia buscar o que os outros buscavam. Tudo que estivesse ao alcance das mãos era impossível para mim. Aceso, aberto e sem formato, eu estava efervescência pura.

Não conhecia mulheres. Elas sempre foram confusão em minha mente e fogo no sexo. Um amigo afirmava que a loucura dos homens era a mulher. Não estava condicionado a elas. Só tive mãe, e assim mesmo por muito pouco tempo. Não tive irmãs; sequer namorei. Nunca tivera oportunidade de conversar muito com elas.

Os livros trouxeram informações espantosas sobre elas. Fiquei apaixonado pela literatura de Françoise Sagan; Raquel de Queiroz; Oriana Falacci; Clarissa Lispector; Cecília Meireles; Adélia Prado; Gertrude Stein; a grande Hannah Arendt e, particularmente, Simone de Beauvoir. Amei essa gentil senhora, me apaixonei por sua visão de mundo.

 Hoje leio Lia Luft; Marta Medeiros; Annie Cohen-Solal; Dominique Lecourt; e, naturalmente, Susan Sotang. Adoro essas grandes pensadoras.  

Aos poucos, foi despertando dentro de mim com um sol de pontas doloridas. As mulheres eram vitais. Aquilo intimidava; era a soma de tudo que jamais esperei. E porque desconhecia, agora doía.

Passei duras horas querendo entender, embora tudo parecesse além do meu entendimento. Depois que começou a trabalhar, minha mãe mudou. Deixou de ser aquela coisa chorosa e submissa à disposição de meu pai. A vida profissional a tornou forte, segura e independente. Mudou e me fez mudar para entendê-la, já que a amava.

Hoje entendo um pouquinho da milenar cultura feminina. Uma cultura única, impossível para outro gênero (por mais tentem os travestis). Rica em sutilidades e nuances.  Uma riqueza, um autêntico patrimônio da humanidade.

São educadas desde meninas para agradar. No pequeno grande mundo flutuante em que deslizam, tudo parece vazar luz. Seus sorrisos estão na ponta dos lábios, sempre mais cheios e belos, como que nos iluminando com suas presenças.

Podem ser exóticas (lindas, surpreendentes!) e mesmo sem atrativos aparentes, mas sempre graciosas. um olhar adocicado ou um leve pestanejar de malícia e sugestão. Elas sempre têm um modo diferente de encantar. São donas dessa magia tão necessária à vida, com seus elementos de fantasia e sonho.

Sei quanto podem ser cruéis. Uma mulher pode acentuar o vazio existencial de um homem. Já existem diretoras de presídio com corações de ferro. Outro dia me espantei ao vê-las nas tropas de choque com enormes cassetetes nas mãos. Mas, aquelas que conheci, me emociono em dizer; compensam largamente.

Vivi minha vida em meio a brutalidades e ignorâncias; mas sempre ansiando poder misturar-me a essa exuberância que é a existência feminina. Hoje, se como dizia meu amigo, a mulher é a loucura do homem, considero-me insano. É dessa loucura que me alimento.

                          **

Luiz Mendes

Em 06/06/2006

Revisado em 09/03/2011.  

Arquivado em: Trip