Tenho uma pessoa muito amiga (aqui darei o nome de Maria), que ontem à tarde veio desabafar comigo. Eu sabia da triste história que ela protagonizara em sua juventude. A droga e a bebida a levaram a degraus abaixo no conceito social, chegando à prostituição, ao roubo e depois prisão por alguns anos. Tenho amigos que parecem um reloginho de tão corretos, e é da natureza deles, não têm escolha. Gosto deles, eu os frequento e até os amo, mas a vida certinha deles, politicamente correta, não me atrai para a convivência. Prefiro coexistir com pessoas que erraram muito, exatamente porque não dá para explicar sucessos sem estudar e entender fracassos. Há que haver uma substância, uma história e um passado em cada ser humano. A aventura de ser é imensa; não construir uma história é não viver. E para ser mais sincero: quanto pior, melhor para mim. Esses não têm o que me esconder; somos mais que semelhantes; somos iguais.
Ela tem um filho que agora lhe é muito caro. O rapaz foi criado aos trancos e barrancos. Os pais eram viciados; o pai morreu de overdose e a mãe ficou presa alguns anos por roubo e tráfico. Hoje, sofrida e amadurecida na marra, tornou-se uma super mãe e corre atrás de recuperar o tempo perdido com o filho. Conheço o Adriano (darei esse nome aqui) há algum tempo. Um garoto legal, inteligente, mas muito revoltado com sua história. Já esteve preso por porte de drogas e, sem ser um “nóia”, gosta de usar droga e beber nas festas aos fins de semana. O rapaz trabalha firme e vai muito bem como mecânico. Parece que tem o dom de lidar com motores, o patrão o ama e até que o adota um pouco. Vive mais na casa do patrão que em sua própria casa.
Mora com a mãe e tem uma relação complicada com Maria. Ao tempo que a ama e protege, a detesta e a ofende fortemente, quando discutem; só falta bater na mãe. Atira a prostituição e o roubo na cara dela como fosse uma pedra. Maria, que trabalha feito louca em dois empregos e chega morta de cansaço em casa, perde o contrôle, então a baixaria é pior ainda.
E fora isso que ocorrera com minha amiga na noite anterior. Ela estava muito ferida e magoada, desabafando comigo na fila do pão no supermercado. Escutava a amiga quando por nós passou a Dinah. Observei; estava vindo diretamente do puteiro, por baixo da jaqueta, o tecido reluzente e chamativo. Imediatamente espantei com a coincidência. Ela tinha um rapaz que, como Adriano, havia saído da prisão recente. No Centro de Detenção Provisória de Itapecerica da Serra tem um raio (divisão da prisão) com cerca de 200 moradores, de meu bairro. A maioria composta por jovens em primeira passagem pela prisão.
Cido já reage completamente diferente de Adriano com relação à prostituição da mãe. Dinah já é conhecida como prostituta de rua há muito tempo; Maria também, embora tenha parado há anos. Parece que todos têm o prazer de comentar, falar mal mesmo, da vida daquelas mulheres. Não perdoam Maria, mesmo que ela hoje frequente igreja, seja uma trabalhadora incansável e não se envolva com mais ninguém do bairro. As piores são as mulheres; elas não esquecem que aquelas são as mulheres que seus homens procuram, quando têm dinheiro. Os homens também porque acham que porque a mulher se vende lá nos seus pontos de prostituição, têm obrigação de ceder a eles porque são da “quebrada”, e quando não acontece, deitam falação.
Cido aceita tudo que a mãe lhe dá, anda todo “boyzinho” vestido de griffe e procurando ser a sensação das meninas da “quebrada”. O rapaz tem moto de 600 cilindradas que ronca alto pelas ruas da favela e parece uma árvore de Natal de tão enfeitado.
Adriano, quando era mais novo, na escola, sofreu da crueldade dos outros meninos. Eles jogavam em sua cara o fato de verem sua mãe no bar das “quengas” quando passavam para a escola de manhã cedo. Ele amava a mãe, mas já fora muito humilhado por causa dela e não conseguia esquecer. O garoto anda todo sujo de graxa e óleo, atira-se em seu trabalho com extrema dedicação, já é um profissional reconhecido. O mesmo constrangimento, com certeza, passou Cido na escola com os outros meninos. Mas ele os manipulava com o dinheiro que a mãe lhe dava. Um cresceu cheio de dignidade, brigando com a mãe e tudo, e o outro sem brigas, aceitando o que a vida lhe ofereceu, como aquele caso do limão e a limonada.
O que e quem é certo e o que e quem é errado nessa vida? Não jugo; não vou ganhar nada com isso, muito pelo contrário.
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