Aprendendo a jogar

por Luiz Alberto Mendes em

 

Afinal de contas; nós mudamos o mundo ou o mundo que nos muda? Claro, sempre podemos seguir a idéia do meio; nós mudamos o mundo e o mundo nos muda, por sua vez. Mas o mundo é inanimado, não raciocina; parece que só tem memória. E memória para nos punir de cada um dos nosso pequenos ou grandes erros. Sem dívida que também memória para lembrar atitudes dignas, pensamentos elevados e o amor absoluto que temos por alguns semelhantes. E, se nos pusermos a pensar, todo ser humano é um herói quando vai contra a maré ou além da condição humana. Mas como bem poucos conseguem enxergar além de seu nariz, a memória não nos premia por atitudes que não tivemos. Então ela é quase sempre acusatória e fornece provas irrefutáveis de nossa estupidez.

Sim, mudamos o mundo. Tenho vivido prova viva do que acabo de afirmar. Fiquei 31 anos e 10 meses, por força das circunstâncias (para dizer o mínimo), afastado de quase tudo que havia no mundo. Ao sair notei tamanhas e tantas mudanças que até escrevi um livro (ainda não publicado), comparando como era e como é, 30 anos depois. São Paulo é quase outra cidade. No centro de São Paulo um quarteirão inteiro de prédios desapareceu para dar lugar à estação Sé do metrô; só para se ter uma idéia. Mas também soube dos desmatamentos, da destruição e da poluição do planeta. Não havia esse mar de carros, embora já se falasse em congestionamento de trânsito. São Paulo há 30 anos atrás era provinciana em comparação à São Paulo dos nossos tempos atuais.

Mas o mundo nos mudou também. Estamos mais individualistas, mais céticos, cínicos e desconfiados. Tudo parece estar em questão e constante transição: a História, a Geografia, as Ciências, o tempo, o espaço, a vida... A vida política deteriorou-se. Política que, em tese, seria a mais elevada das artes, a experiência dos sábios, uma dedicação abnegada ao bem comum, tornou-se símbolo de vergonha, corrupção e tudo que há de pior no ser humano. Estamos mais indiferentes à sorte dos outros; só nos interessa o próximo que esta mais próximo. Atitudes nobres são apenas para grandes homens, exceções que confirmam a regra geral. É só andar pela cidade de madrugada para perceber quando estamos indiferentes à dor do outro. Gente aos montes, famílias inteiras, dormindo no chão, ao relento. Pessoas apagadas socialmente que não enxergamos, tornaram-se invisíveis para nós. Sobrevivem drogados, bêbados, barbudos, sujos, fedendo, com fome e sono... Às vezes, as drogas, a bebida são uma resposta racional à irracionalidade a que os condenamos.

Parece mesmo que a terceira opção, aquela do meio, mais uma vez prevalece. Mudamos e somos mudados pelo mundo, vivemos em inteiração com a vida que nos cerca. Somos produtos e produtores do mundo em que vivemos. A flor, os espinhos, o caule e as raízes, a rosa completa somos nós mesmos. E vamos por ai, capengando e nos erguendo como podemos. "Nem sempre ganhando, mas aprendendo a jogar...", cantava a mui saudosa Elis Regina.

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Luiz Mendes

24/11/2013.  

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