Apple, Ecad e Internet
Lemos: "quando alguém se encastela em um lugar e tenta resistir a transformações"
O termo “hold-up” é empregado quando alguém conquista uma posição e muda sua forma de agir para conservá-la a qualquer custo. É só pensar na empresa fundada por Steve Jobs, que foi líder em inovação nos últimos dez anos e passou a adotar medidas de contenção
De vez em quando aparece um conceito que ajuda a organizar o pensamento sobre a sociedade. Um exemplo é o pequeno livro La Société du Hold-up (algo como A Sociedade da Preservação), do ensaísta francês Paul Vacca. Ele descreve uma transformação recente do capitalismo, em que a inovação (representada pela ideia de “criação destrutiva”) dá lugar a um movimento generalizado de contenção e preservação de posições.
É fácil entender. O termo “hold-up” é empregado quando alguém se encastela em um lugar e tenta resistir a transformações. É só pensar em filmes clássicos de faroeste, em que um grupo de bandoleiros constrói uma fortificação e resiste a qualquer investida externa.
O que Paul Vacca diz é que entramos em um momento em que grande parte dos agentes sociais está se organizando em torno do “hold-up”. Alguém conquista uma posição e logo a seguir muda sua forma de agir para conservá-la a qualquer custo. É só pensar no caso da Apple. A empresa, que foi líder em inovação nos últimos dez anos, ao menor sinal de esgotamento, passa a adotar uma agressiva estratégia de “hold-up”. O processo contra a Samsung é um exemplo.
Além disso, a Apple passou a registrar agressivamente patentes sobre itens triviais dos seus produtos. Por exemplo, os cantos arredondados do iPhone, ou ainda um pedido de patente sobre o gesto de “virar a página” em um tablet ou e-book reader. Com isso, a empresa quer “chutar a escada”: evitar que outras possam dar continuidade à evolução de seus conceitos, mantendo o máximo de controle possível sobre tudo.
O mesmo raciocínio aplica-se às mais diversas áreas, impedindo mudanças sociais muitas vezes necessárias. É só pensar em como o lobby transformou-se em uma das forças mais importantes para a tomada de decisão política nos EUA e no Brasil. Grande parte dele comprometido em proteger posições sociais contra transformações estruturais, muitas delas necessárias ou inevitáveis.
Batalha na rede
Pense nas batalhas em torno do Marco Civil da Internet, em que as empresas de telecomunicações lutam contra a chamada “neutralidade da rede” e buscam fazer com que ela deixe de ser aberta e passe a se tornar próxima a uma TV a cabo. Ou na forma como o Ecad luta contra qualquer possibilidade de regulação ou supervisão do seu monopólio, diferentemente de outros países, onde os “Ecads” são sempre regulados e fiscalizados. Ou em como certos temas essenciais para o país, como a reforma política, não andam de jeito nenhum.
É claro que o hold-up reage a um outro problema social importante: a precariedade. Só que, em vez de melhorar, piora a situação. A sociedade passa a se dividir entre aqueles que habitam círculos de hold-up, protegidos por mecanismos de defesa cada vez mais violentos, e aqueles que habitam as praias amplas, abertas e descentralizadas, de onde surge boa parte da inovação, e que se tornam cada vez mais instáveis.
*Ronaldo Lemos, 36, é diretor do Centro de Tecnologia da FGV-RJ e fundador do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é rlemos@trip.com.br