Antonio Guerreiro
Aos 61 anos, ele já clicou e namorou as mulheres mais deslumbrantes das décadas de 70 a 90
Repare como sorriem nas fotografias... Suas vidas eram assim tão felizes, borbulhantes, incríveis? Talvez não – mas é como nos lembraremos deles. Com esse olhar brilhante e essa confiança no futuro. Mas que fim levaram, quando o incalculável futuro chegou?
Incalculável é uma das palavras favoritas de Antonio Guerreiro – ao lado de espetacular, maravilhoso, deslumbrante. Faz sentido: sua vida foi espetacular, maravilhosa, deslumbrante, tudo de modo incalculável. Ele mal consegue registrar, por exemplo, a quantidade de imagens que arquiva na sala de estar de sua cobertura no Leme, Rio de Janeiro. Estima ter entre 300 e 600 mil negativos e cromos. Do mesmo modo, levando tudo numa buena, nem imagina o tamanho do tombo levado quando os compradores das fábricas de doces de seu pai não pagaram o que deviam. Divide o tempo de sua existência pelas mulheres com quem foi casado. E a imagem mais antiga de que se lembra é já fotógrafo com 20 anos, cabelos longos, dirigindo uma Honda 450 cc, várias câmeras na mochila – de encontro a uma parede. Antes, nada. “Se não tivesse fotografado tudo isso, minha cabeça seria um zero”, sorri.
Testemunhos de uma época gloriosa e esquisita, quando o pó e a purpurina das boates brilhavam no chumbo dos canhões militares, fim dos anos 60 e começo dos 80 – em que ele foi o maior fotógrafo do país, nos quesitos moda, personalidades e nus; mulheres, evidentemente (a famosa foto de Gilberto Braga peladão é exceção). Se fotografar é, como escreveu Susan Sontag em Sobre fotografia, “apropriar-se da coisa fotografada”, a fortuna de Guerreiro é mais difícil de somar que os prejuízos dos mercados financeiros em 2008. Entre artistas, modelos, músicos, cineastas, escritores, políticos, colunáveis e, sobretudo, mulheres sensacionais, não houve ser importante que não tivesse passado pelas lentes do fotógrafo. Seu arquivo é fundamental para entender a memória cultural do país.
Pode-se argumentar que os retratos de Guerreiro revelam um país alienado, só interessado em beleza, luxo e voluptuosidade. Enquanto os milicos vendiam a ilusão do Brasil Grande, as musas de Guerreiro expressavam sua alegria de viver. Mas também se pode ponderar que, diante do obscurantismo, nada mais revolucionário que a beleza – se viver bem for mesmo a melhor vingança. Apolítico, Guerreiro somente fez o melhor que alguém poderia fazer: ser um homem do seu tempo e buscar obsessivamente a beleza. Foi tanto testemunha quanto personagem.
SWINGIN’ IPANEMA
Nascido em Madri em 1947, viveu a infância no Marrocos e chegou aqui com 5 anos: o pai, um milionário industrial português (inventou as figurinhas de futebol nas balas e os chocolates em forma de guarda-chuva), estabeleceu-se em Juiz de Fora (MG). Aos 14, Guerreiro foi para o Rio, viver na mesma cobertura do Leme que é hoje seu lar. Em 1966, aos 19 anos, estudante de economia, namorou uma baiana herdeira de fazendas de cacau – registrando-a de brincadeira com uma Rolleiflex percebeu que tinha dom para o clic. Começou a fotografar o “antes” e o “depois” das patricinhas numa escola preparatória para o high society, depois as putas da Lapa – nisso conheceu Daniel Más, um dos colunistas mais ferinos de então. Blow up, de Antonioni, havia sido recém-lançado: o colunista Jacinto de Thormes escreveria mais tarde que era Guerreiro, não David Hemmings, quem deveria ter interpretado o fotógrafo de moda perseguido por beldades.
A dupla Más–Guerreiro ficou famosa pelos escandalosos textos e fotos sensacionais das socialites publicados numa coluna no jornal Correio da manhã, o que faz o fotógrafo David Drew Zingg convocá-los para a revista Setenta, da Abril. Em apenas seis números, a publicação marcou o nascimento da fotografia de moda brasileira. Com o fim da revista, Guerreiro abriu um estúdio no andar superior do bar Zeppelin – e na frente do fotógrafo cabeludo e bonitão desfilava toda a Swingin’ Ipanema. Já seria chique no último se um belo dia o playboy não recebesse um convite de Adolfo Bloch, dono da Manchete para ser o fotógrafo da editora em Paris por dois anos.
PLANO DE DOMINAÇÃO
Na volta ao Rio, abriu um estúdio ao lado da TV Globo, o Zoom, que passou a ser o epicentro da fauna local. Fotografou para Manchete e Vogue, a Globo, as agências de publicidade e a indústria musical – enfileirou mais de 70 capas, como a clássica Índia, de Gal Costa – e cinematográfica – tipo o cartaz de Eu te amo, com Sônia Braga. A seguir abriu seu plano de dominação sobre as grandes mulheres dos anos 70. Viveu com a socialite Ionita Salles Pinto (ex-Jorginho Guinle) e na seqüência casou-se com Sônia Braga. Em seis horas de conversa, enquanto conta suas peripécias foto-sexo-forrestgumpianas à Trip, entre xícaras de Nescafé e copos de Ballantine’s e Jack Daniel’s, ao som de Chet Baker, Guerreiro acende um cigarro no outro. “Sempre fui fiel. Terminava um caso, voltava ao trabalho... e o trabalho me fazia conhecer essas mulheres sensacionais. Nunca corri atrás”, jura, emendando uma de suas retumbantes gargalhadas.
Mais tarde, inaugurou no Catete o lendário Studium, que funcionou de 1975 a 1990 e onde recebia as musas com champanhe. Cansado de as vestir nos editoriais de moda, o bon-vivant passou a despi-las para ensaios sensuais pioneiros, quando se tornou o principal fotógrafo da Playboy. Concebia produções espetaculares com musas como Sônia Braga, Maria Zilda, Vera Fischer, Bruna Lombardi, Denise Dumont (que namorou), Sandra Bréa (com quem foi casado logo depois de Sônia). “A única pessoa que eu gostaria de ter clicado e não consegui foi o Roberto Carlos”, lamenta.
Reclamar, porém, não é o forte de um bon-vivant. Guerreiro prefere reviver seus anos dourados com intensidade e humor. Sobre uma depressão que teve em fins dos 90 e início de 2000, quando os negócios do pai sofreram uma derrocada e ele teve de fechar o Studium, prefere olhar de lado. No máximo, refere-se ao período como um renascimento: é nessa época que reencontra Teresa, um flerte de 30 anos antes – sua mulher há sete anos.
Guerreiro chateia-se, não sem um ar de zoeira, que os amigos morreram ou sumiram, que quase ninguém o chama para ensaios, com o uso sem noção do Photoshop, da falta de glamour das atuais celebridades, com a breguice dos paparazzi, enquanto cita projetos de livros usando algumas de suas 600 mil imagens e do blog que colocou no ar recentemente (antonioguerreiro1.blogspot.com). “Sempre vivi da minha fotografia. Agora tenho de viver do meu passado, hein?”
A cobertura ilumina-se pelo sol que cai sobre Copacabana, derrama-se na garrafa de bourbon e nos olhos escuros do fotógrafo, cercado de imagens de um tempo que não mais existe... pessoas que já foram dessa para qualquer outra. Citando Mallarmé, Sontag escreveu que tudo no mundo existe para virar foto. Vendo as imagens de Guerreiro, parece que essas pessoas só viveram para serem suas personagens – onde surgem íntegras, estatuadas. “Se não tivesse fotografado, não me lembraria de nada. O que eu não cliquei, não me lembro. Vivi um dia depois do outro, só agora estou pensando em tudo o que aconteceu”, declara. Para onde foram todas essas pessoas? Passaram pelos olhos deste homem. Agora, estão na sua frente. Repare como sorriem.
ESTOU ESCOLHENDO ESSAS FOTOS PRA TRIP E MAIS DE 50% DAS PESSOAS JÁ MORRERAM, EM IDADES RIDÍCULAS, 40, 50 ANOS. ELAS SÃO TÃO FORTES QUE ATÉ HOJE QUEREM SABER DELAS, NÉ? PRECISAMOS DE GENTE, OS ÍDOLOS MORRERAM.
Você viveu esse época do desbunde e do glamour, mas ao mesmo tempo eram os anos de chumbo, né...
Olha... passei quatro anos na faculdade levando porrada. Todo dia que chegava à porta da faculdade, milico vinha encher o saco. Nunca participei muito da vida política porque nem brasileiro eu sou, né? Me sinto de outro país, nunca votei, minha nacionalidade é portuguesa. Agora, a faculdade era o centro de toda manifestação: o Franklin Martins e o Vladimir Palmeira estavam todo dia no campus... Eu apanhava quando entrava e quando saía, era sempre a mesma merda quando dava polícia lá... Eu estava naquela célebre invasão da faculdade de medicina, fiquei trancado lá três dias... Entrei lá só pra dar uma olhada e de repente cercaram... 3 mil estudantes lá dentro, né? Lembro que entramos, estava na economia, a medicina embaixo, e um amigo disse: “Vamos lá, que tá cheio de mulher!” [risos]... Quando a gente ia sair, a polícia invadiu, nos encurralou e fez um corredor polonês... tomamos porrada com cassetete de madeira! Saí todo ensangüentado, fazendo uma poça pela rua...
Mas deu pra pegar alguém lá?
[Risos] Não, não... As meninas politizadas eram todas muito difíceis... [risos].
Complicado um cara hedonista como você se envolver com política, né?
Tive um envolvimento uma vez e foi uma tragédia, nem devia ter aceitado... Quando a Vogue me mandou fotografar o presidente Figueiredo e a mulher dele, a dona Dulce... Fiquei três dias na Granja do Torto. Almoçava com o presidente, que era muito divertido! Contava piadas, bebia pra caralho... Me dizia: “Você é um mágico, hein? Como é que você tá transformando essa bruxa aí numa coisa bonita? Ô sargento! Traz um Ballantine’s aqui...”. Quando voltei, fui muito criticado por isso. O engraçado é que depois fiz toda a campanha do PT, em 1993... fui o fotógrafo oficial do Lula. Tive que fazer uma foto do Lula com o Garotinho, a Rosinha – eles eram aliados – , o Saturnino Braga, a Benedita da Silva. Como o Lula é muito mais baixo que todos, tive que pôr uma lista telefônica pra ele subir... [risos].
Fez muito milagre?
Porra! Foi só o que fiz [risos]. A preocupação era deixar a mulher bonita... Conhece alguma mulher que não gosta de ficar bonita? E não havia Photoshop. Havia recursos de iluminação, de lentes... Trabalhei pra Playboy dez anos, né, cara... O que tirei de estrias e celulite foi um loucura! O que levantei de peito! Estrias e celulites tirava na iluminação. Peito caído, pedia pra levantar o braço...
As mulheres naquele tempo tinham outro senso de depilação, né?
É... nas minhas fotos a mata atlântica tá toda lá... O meio-termo achava bonito, mas não gosto desse negócio de bigodinho. Antes de fotografar, pedia pra ver o corpo antes. Tô falando das famosas, hein...? Mas, olha, tudo com o produtor do lado. Sempre pautei minha vida por uma coisa séria... isso em uma época de muita sacanagem... do teste de sofá na Globo [risos]... Esse negócio de comer a mulher que fotografava, nunca fiz.
Nunca?
Tive caso com algumas, que começaram depois dos ensaios... Nunca comi mulher no estúdio. Até porque tinha uma equipe tão grande do meu lado que não dava nem pra fazer isso. Clima nenhum. Nesse ponto, cara, sou um anjo... Esse negócio de dar pra mim pra rolar alguma coisa profissionalmente, isso nunca aconteceu.
Mas viu isso acontecer, lógico...
Muito! Fotógrafos que de repente comiam mesmo que não fossem fotografar. Mas não falo nomes nem morto! Briga com fotógrafo não quero. A única briga com fotógrafo que tive foi com o Tripoli, mas era uma briga criativa, éramos rivais. Ele é bom pra caralho, adoro o trabalho dele... A gente virou amigo depois.
TERMINOU O ENSAIO, A SÔNIA BRAGA DISSE: “NÃO TÁ AFIM DE TOMAR UM MATEUS ROSÉ COMIGO?”. AÍ COMEÇOU TUDO... NUNCA MAIS VOLTEI PRA CASA. NEM PEGUEI MINHAS CUECAS, ELA NÃO DEIXAVA
Você viveu a época do desbunde também na Europa, início dos 70...
Tinha um lugar em Londres que chamavam o Covil dos brasileiros... era onde todos os brasileiros se encontravam, todos os doidões... porque era uma época muito doida, né? Maconha, cocaína, muito ácido... E uma noite dessas fui ao Covil, tinha umas 40 pessoas lá. Bateu a polícia lá, e tinha maconha pra tudo quanto é lado. Sei que os brasucas tinham roubado as máquinas de distribuição de leite que tinha na rua, só de onda, e botaram na parede. A Metropolitan Police entrou, viu que tinha maconha lá, mas só disse: “This machine belongs to the Queen” [risos]. “Vocês têm uma hora pra botar essa máquina no mesmo lugar, senão vão ser presos.” Os brasileiros fizeram isso e voltaram, bonitinhos, viajando no seu ácido. Mas os policiais voltaram e levaram todo mundo! Eu só fiquei sabendo tempos depois, porque resolvi sair fora nesse meio-tempo...
Nessa época, o Caetano, o Gil, o Macalé viviam em Londres, né? Eram seus amigos?
Razoavelmente... a Gal se tornou muito amiga... Fiz todas as capas dela, como Índia. Essa, aliás, foi vendida com um plástico preto... foi proibida no Rio de Janeiro... A coisa da calcinha vermelha era uma contradição com a própria coisa da índia, que não usava calcinha.
Teve problemas com a censura?
Lógico. Trabalhei no Pasquim muito tempo... fazia as musas, como a Leila Diniz, que também era muito amiga. Era amigo de todos, né, cara. No meu estúdio, todo mundo passava por lá, às vezes passava só pra tomar um drink... Uma vez meu pai chegou de terno e gravata, ele é meio gordão... [risos] tenho as fotos desse dia, foi maravilhoso: a Elke Maravilha sentada no colo dele, todas as bichas em volta... Mas voltando à censura: na Playboy as pessoas me atingiam por causa da história dos dois peitos e da xoxota...
Dois peitos?
É, só se podia mostrar um peito... não permitiam os dois juntos! E, xoxota, só meio de lado... [risos]. Meia bunda... na verdade, nunca fui de fotografar bunda, sempre gostei mais de peito. Outra coisa terrível é que o livro que fiz só de arquivo pessoal da Sônia Braga, que vendeu 100 mil cópias, foi proibido no Rio. Essa cidade tem um moralismo esquisito...
E pra dirigir as moças, deixá-las mais relax, algum esquema?
Exigia o máximo da equipe, era altamente profissional. Nem deixava trabalhar quem não estivesse de cara limpa: “O que, cara, você fumou um?... Vai tomar no cu!”. Logicamente, permitia tudo depois. Uma vez, em Paraty... a Betty Faria teve um ataque de estrelismo: “Não vou mais fotografar pra tua revista de punheteiro” [risos]. Puta merda! Pra quem ela foi falar isso? Na minha equipe só tinha veado! [Risos] Ficou dois dias trancada no quarto por causa desse chilique.
As produções eram mais caras, não?
Eram incalculáveis! Podia gastar o que quisesse. A gente sempre se instalava no the best of the best... Uma vez resolvi fazer foto em alto-mar, mandei construir um praticável pra clicar a mulher no meio do mar, com umas araras gigantescas em volta. Eu botava as mulheres em situações que qualquer leitor que visse, sonhava... Não são essas coisas que a gente vê, lamentavelmente, hoje em dia. O nível caiu muito... Todas as matérias tinham um toque de sonho.
Qual ensaio te deu mais tesão?
Foi um na Bahia. Essa história está até no livro do Ruy Castro, Ela é carioca. Descobri que tinha uma igreja de 1502 em Itaparica, cercada pelas águas. Disse: vamos iluminar essa merda toda, pra fazer uma foto noturna aqui. Puxei luz, geradores... e botei uma mulher tocando violino lá dentro... uma baiana com um corpo incalculável... Nessa época, o nu tinha que ter uma conotação de sonho. Sabe, não entendo essas revistas que você abre e tem uma bunda direto na sua cara. Fiz uma foto de xoxota aberta, a única da história que saiu na Playboy... da Sandra Bréa. Foto linda, não vê maldade nenhuma. A Sandra foi uma história inacreditável... eu era casado com a Sônia Braga... e a Sônia ficava o dia todo no estúdio ajudando, varrendo, dando ordens... E aí fiz uma matéria pra Playboy com mascaradas, que ganhou todos os prêmios de fotografia. Eram a Sandra, a Marina Montini, a Maria Claudia. A matéria era “Adivinha quem são!”: na primeira foto todas juntas de máscaras, e na última página da revista elas tiravam as máscaras... Essas doidas ficaram nuas lá dentro durante vários dias, tá entendendo? Aí a Sandra passou por mim e disse: “Logo depois que você largar a baixinha aí [era a Sônia], vou invadir a sua vida!”. Não deu outra, nos casamos logo depois que me separei da Sônia. E elas ficaram muito amigas...
Você tem amizade com suas ex?
Não, corto geral... E, depois que saí dessa página de celebridades, casei com pessoas que ninguém conhece... Casei com uma menina deslumbrante, a Kimi, em 86, depois da Sandra. Não agüentava mais essas famosas. Depois da Kimi, foram quatro anos, casei com a Angelita [Feijó, atriz, modelo e socialite], mãe da minha filha, Maria Antônia, ficamos quatro anos... aí as celebridades foram embora...
E a Teresa?
Eu a conheci há 30 anos: a gente teve um flerte quando ela fotografou no meu estúdio, mas nunca mais a vi. Trinta anos depois, ela reapareceu por um acaso do destino, a gente se encontrou um dia e nunca mais se separou. Estamos há sete anos juntos...
Você organiza sua vida através das mulheres?
Sim, é a única forma de lembrar da vida [risos], porque tem umas horas que dá uma certa embaralhada... Ionita [Guinle, ex-Jorge Guinle, musa do filme Todas as mulheres do mundo e mãe de Georgiana Guinle] foi uma história extraordinária, porque era a minha melhor cliente... Ela me arrumava as modelos, era superamiga, me convidava pra todos os lugares. Tinha uma casa em Teresópolis, a famosa Granja Comary... Amiga, nunca encostei um dedo nela! Mas um dia toca o telefone: “É Ionita. Tô no Galeão... o Jorge está indo para a entrega do Oscar e resolvi não ir... Tô indo pra sua casa agora... Porque hoje vai começar o nosso caso!”. O que estou te dizendo é que sempre fui uma vítima das mulheres [risos].
São sempre as mulheres que escolhem, né?
Com a Sônia também, foi a mesma coisa... Lembro que uma vez cheguei em casa e a Ionita estava na cama. Sentei e ela disse: “Você está me traindo!”. E eu não estava! Ficou aquela discussão. Me encheu tanto o saco que, quando me perguntou quem era, apontei a TV: “Com essa aí”. E estava passando Gabriela Cravo e Canela [novela em que Sônia Braga estourou]... Acredita? Nem conhecia a Sônia [risos]. Passou-se um mês e a Fiat me liga: “Vem aqui” – era uma série de fotos da Sônia deitada numa cama com os lençóis nas cores dos carros que iam ser lançados. Terminou o ensaio, ela disse: “Não tá afim de tomar um Mateus Rosé comigo?”. Aí começou tudo... nunca mais voltei pra casa da Ionita. Nem peguei minhas cuecas, ela não deixava [risos]. Sabe o que foi? Minhas coisas sempre aconteceram dentro do mundo da fotografia, no meu estúdio... não conhecia as pessoas na rua, entende?
Nunca foi atrás da mulherada?
Nunca! Sou péssimo nisso. Não sei cantar ninguém, acho ridículo. Sempre saía de um casamento e entrava em outro.
Que acha de silicone?
Tá por fora, não gosto... Conheço diversos casos que a mulher de peito lindo botou silicone e fodeu com o peito. Igual botox, não tem nada pra fazer, bota e fica com a boca parecida com uma alcachofra... [risos]. A Globo proibiu, né?
Você pegou uma época em que as mulheres tinham outro padrão de beleza...
Hoje essas meninas de 13 anos, magérrimas, chupadas... isso favorece a indústria da moda, é mais fácil desenhar. Mas não deveria ser um padrão. O Brasil é tão absurdo... Cara, agora as mulheres melancia, banana, morango, filé... São horrorosas! O divisor de águas foi a Rosinery Fogueteira, né [mocréia que ficou famosa ao disparar um morteiro no Maracanã, quase atingindo o goleiro chileno Rojas, em jogo pelas eliminatórias da Copa]? A Playboy começou a dar atenção pra vendagem, pegar mulher que tinha feito uma merda qualquer. Saí da Playboy por causa disso... Era uma época em que recusava tudo, umas mulheres horrorosas. Felizmente, nunca teve retoque em foto minha.
E você continua fotografando?
Menos, né? Até mudei para câmera digital. As pessoas podem ter me esquecido um pouco, e outra: o Rio de Janeiro morreu. Os grandes clientes, que eram as gravadoras, fecharam. Trabalhava muito pra TV Globo também... para as empresas de publicidade, que sumiram do Rio. E as editoras, como a Manchete, mesmo que não pagassem bem, nos deixavam em atividade. Todas acabaram! Quando isso começou, na década de 90, fechei o Studium, no Catete. Hoje clico pra Revista Joyce Pascovitch, RGVogue, vendo fotos de arquivo...
Sente falta daquela atividade?
Porra, tô desesperado, cara! Não consigo ficar parado, estou passando uma fase de enlouquecer porque fico sem fazer nada.^^~-_- Mas tenho uns projetos... a Cosac Naify quer um livro meu... outra editora, chamada Magma Cultural, também quer um... Tô mandando material pro livro do Farkas, a Enciclopédia da moda, mandei também pro livro do Giovanni Bianco. Vivo dos arquivos... porque dependo da fotografia pra viver. Tive pai milionário, mas que se perdeu... [risos]. Falo pra minha irmã: “Você não sabe o número das contas? O pai tinha dinheiro espalhado no mundo todo, como é que morre sem avisar?!”.
Como é sua rotina?
Acordo seis da manhã, vou pro computador ver jornais, notícias, e-mail... Atrás de você, nesses armários aí, tem meus arquivos... tudo catalogado, 600 mil negativos. É a história do Brasil, cara.
Você também viveu uma época pré-Aids...
O primeiro contato que tive com a Aids foi quando meu maquiador morreu, tive que começar a substituir minha equipe. O segundo grande baque foi quando a Sandra Bréa morreu, né? Fiquei arrasado... ela era muito doida, não agüentou a história, era uma estrela em altíssimo grau. Uma mulher completa: dançava, sapateava, cantava. Começou a ter problema na Globo por causa disso: só queria chofer, todas as regalias possíveis. Aí ela começou a ser tirada de escanteio, ficou na geladeira. A gente tinha uma relação boa, mas contaminada por esse ego dela. Vejo as pessoas falarem “a Sandra era uma devassa”. Porra... era a mulher mais pura e certa do mundo. Muito tempo depois da nossa separação, ela teve um caso com um fotógrafo, e ele passou Aids pra ela. Ela era incrível [silencia]... Uma vez a gente foi pra Bolívia, onde ela era superfamosa por conta d’O Bem Amado, e fomos convidados para um almoço em homenagem a ela, uma mesa enorme, os generais todos. Uma hora ela vira pro presidente: “Mi general, afinal: donde está la coca?” [risos]. E o general responde: “No la tenemos, señora Sandra, porque la exportamos toda al Brasil!”. E ela: “Porra, mi general, tanta folha de coca aqui e nada pra gente cheirar...” [risos].
Sua vida foi uma festa só...
Posso encarar assim. Logicamente, sou um cara de 61 anos que só agora está parando e pensando na vida.
Sente falta desses amigos todos?
No Rio de Janeiro você não tem amigos [risos], deve saber disso. Aqui você tem pessoas que dizem “meu amigo querido” e só te viram uma vez na vida. Já em São Paulo as pessoas recebem as outras, se freqüentam; no Rio não existe isso. É uma cidade onde você bate no vizinho ali embaixo sem ser avisado e não entra de jeito nenhum. Ninguém bate na sua casa se não combinar com você três dias antes. Me lembro que a casa do David Zingg, em São Paulo, era uma festa, tinha a porta aberta, chegava quem quisesse, Tânia Caldas, Raul Cortez, Elke, Bruna Lombardi – que eu namorei, por um tempinho... No Rio, isso não existe, pra encontrar um amigo tem que mandar e-mail!
E você é um cara que gosta de receber?
Adoro, minha mulher também, ela cozinha, mas convidar é difícil, viu? Outra coisa... tem muita gente chata, sabia? Já bloqueei uns 20 aqui [risos]. No interfone, como o cara bate em casa assim? É o tal negócio: o cara não avisa que vai, você corta ele pro resto da vida [gargalhadas]. Agora, sério, o Rio tinha uma vida noturna legal, você ia ao Antonio’s, encontrava todos. Hoje, vai a qualquer lugar e não conhece ninguém! A prova é que hoje caminho de manhã de ponta a ponta na praia... obrigado! [risos] e a única pessoa que encontro é o [ex-modelo] Pedrinho Aguinaga. Dá raiva, ele tá igualzinho! E só come merda: bacon, presunto, ovo, pizza, nunca botou alface ou brócolis na boca, fuma, bebe e continua um magrelo incalculável.
Mesmo não tão assediado quanto antes, você não me parece um cara que ficou amargo...
Se você não enxergar a vida daqui pra frente, tá mal. A gente viveu um época gloriosa. Estou escolhendo essas fotos pra Trip e mais de 50% das pessoas já morreram, em idades ridículas, 40, 50 anos, Tarso de Castro, o pessoal do Pasquim, maquiadores, cabeleireiros, jornalistas, mulheres, todo mundo morreu, estupidamente. Elas são tão fortes que até hoje as pessoas querem saber delas, né? Não conheci mais ninguém interessante. Precisamos de gente, os ídolos morreram. Hoje se dá atenção demais a essas babaquices do dia-a-dia. Antes, as pessoas se interessavam por gente com personalidade.
A fotografia se banalizou?
Hoje é fácil fotografar, antes tinha que ter conhecimento de fotografia. Você não via o resultado na hora, tinha que calcular tudo na cabeça. O mundo continua dividido em amadores e profissionais: só se criou a categoria dos amadores avançados. Antes o cara tinha a mesma máquina que você, mas dava perda total no estúdio. Hoje é só apertar o botão.
Como define a beleza?
Vivi a vida inteira buscando a beleza, só a beleza me interessou. Defino como a coisa máxima que se pode alcançar na vida. Sou um fotógrafo que busca o lado bom das pessoas. O fotógrafo não tem que dar porrada nas modelos, não tem que mostrar sua visão pessoal, não precisa bater com o guarda-chuva na cabeça da modelo, como o Tripoli fazia: tem que buscar o que a pessoa tem de melhor.
Qual a melhor foto que você já fez?
Um trabalho da Luiza Brunet, que ninguém viu, foi bloqueado pelo ex-marido dela. Tenho milhares de trabalhos não publicados, mas tem que pedir autorização, dá trabalho...
Quando se sente sozinho e pergunta: “Quem é o Antonio Guerreiro?”, o que responde?
Pegou pesado agora [risos]. Tô muito, muito solitário, muito sozinho. Gostaria de continuar fazendo o que sempre fiz, mas não dá: para os fotógrafos que havia aqui hoje, tem 500 batalhando pelo mesmo lugar. E sabe o que é pior? Estou fotografando melhor do que antes! Não sei como é o mercado mais. E não adianta mudar: nunca fui fotógrafo de rua, todos os meus trabalhos foram em estúdio. Uma vez tava em São Paulo, me ligaram: “Guerreiro, onde você está?”; falei: “Porra, tô aqui no meio de um incêndio”; perguntaram: “Tá com a máquina?”; e eu: “Lógico que não, nunca andei com máquina! Que merda...” [risos].
Acredita em sorte?
Sem dúvida, fui sortudo na vida. As coisas me aconteceram de uma forma... incalculável. Um dia meu pai me ligou: “Vamos para Fátima”; e eu: “Por quê?”. Aí ele me diz que, no dia da história dos três pastores, no dia 13 de maio de 1917, ele estava lá. “Quarenta mil portugueses vimos o sol rodar, desde esse dia nunca mais deixei de vir aqui”, disse. Fui e senti que existia alguma relação... Tem pessoas que são sortudas; outras que, não adianta, a sorte não as favorece.
Qual a imagem mais antiga de que você se lembra?
Me lembro bem de uma imagem minha andando de motocicleta, as câmeras todas dentro de umas bolsas atrás... Eu era assim, independente, tinha uma Honda 450 cc e 20 e poucos anos... uma noite dei uma porrada, me arrebentei, chovia pra caralho e me fodi todo, aí disse: chega de moto. Mas, mais antiga, é difícil... se você perguntar de qualquer foto que tem aqui, lembro. Mas de uma porrada de coisas não lembro absolutamente nada. Se não tivesse essas fotos, seria um zero na minha cabeça [risos]