Anti-magem
Surfista e mestre da videoarte, Gary Hill fala de sua mostra em SP e dos poderes do LSD
Gary Hill, hoje à beira dos 60 anos, atribui ao LSD a sua carreira de artista. Preocupado em lidar com a imagem (apesar de se dizer contra ela), Hill dedicou-se a criar instalações e projeções que lidam com a relação entre texto, vídeo e as diferenças entre as pessoas.
Começou a carreira esculpindo e se voltou ao vídeo nos anos 70. Nos anos 1980 deu início ao ensino de vídeo na Cornish College of Arts, em Seatlle (estado de Washington). Mesclando linguagens, fez parte de uma performance com Damaged Goods (companhia de dança da coreógrafa e dançarina americana Meg Stuart).
Em São Paulo, o MIS (Museu da Imagem e do Som) inaugura a exposição Circunstâncias, que apresenta cinco trabalhos de Gary Hill. Californiano de nascença e surfista por hobby, Hill começou a entrevista com a Trip falando sobre a exposição, mas acabou indo além: revelou seu lugar preferido para surfar e contou que ainda tem vontade de experimentar com LSD.
O que as obras apresentadas no MIS têm em comum? Por que você as escolheu para essa exposição?
Bom, tem a ver com otherness [diferença], o outro, o estranho espaço do outro, seja o de alguma outra pessoa, seja em mim, e o outro desconhecido.
Foi por isso que escolheu trazer a obra sobre os latinos, os mexicanos?
São quase todos latinos, dois afro-americanos. É mais sobre estranhos, algo que você experimenta quando está andando na rua e vem alguém na direção oposta e muitas coisas vêm à nossa mente. Sim, [a obra] tem uma implicação social, não estou tentando evitá-la, mas se fosse fazer hoje, e fossem sobre pessoas que trabalham em Wall Street, haveria uma certa violência nisso [risos]. A atualidade dela depende do que está acontecendo no mundo política e socialmente, mas a noção fundamental para mim é o confronto com o desconhecido.
Como esse tema, o outro, apareceu para você, como ele chamou sua atenção?
Veio com a experiência dentro de mim e a habilidade de verbalizar veio da leitura do filósofo e escritor [francês] Maurice Blanchot. Você já se olhou no espelho e houve uma separação entre tempo e espaço e parece que é outra pessoa [no reflexo]? Não é uma ideia tão estranha assim, eu penso.
Vivemos em um mundo com muitos estímulos visuais, vindos da internet, da rua. Qual é o papel que a videoarte ocupa nesse contexto onde existem tantas fontes de imagens?
Para deixar claro: eu não me associo à categoria de videoarte. Mas, do jeito que você descreve, penso que a situação é um fluxo sem mediação, de aumento exponencial de imagens que, para mim, soa como um vírus. A maioria dessa imagens, metade delas, eu imagino, servem para vender. Vender pessoas, produtos, o que seja. E há também pessoas que se reúnem em comunidades virtuais e usam ferramentas baratas para criar coisas e ideias. Diferenciar um do outro é o que é difícil. Eu tendo a fazer o oposto disso, simplificar, desacelerar, minimalizar, usar pouca tecnologia.É assim que intervenho no fluxo de imagens. Num certo sentido, muito do meu trabalho é contra a imagem.
O que significa ser contra a imagem?
Em muitas obras as imagens são interrompidas, elas não ficam paradas em um lugar, são cortadas pela linguagem. Numa obra específica, Unconditional surrender, um trabalho minimal, há momentos em que a imagem de uma roda genérica, quase ideal, desaparece por causa de luzes muito brilhantes. Nesse sentido, toda a construção de um alguém olhando para uma imagem projetada, todo esse processo, é interrompido violentamente.
Você acha que a internet tornou os artistas mais visíveis ou banalizou a ideia do que é arte?
Provavelmente as duas coisas. Eu vi algumas das minhas obras no Youtube. É interessante 100, 200 mil pessoas vendo seu trabalho, fora de contexto, sem necessariamente saber de onde vêm, as intenções; elas fazem comentários, assistem. Por outro lado, elas [as obras] podem estar ao lado de virtualmente qualquer coisa, alguém cozinhando ou algo do tipo, então o contexto é um pouco distorcido dependendo de como alguém chega ali [na obra]. Não é como ir ao museu ou outro espaço onde sua intenção é olhar para algo, você se prepara sua mente para aquilo. Não é a mesma experiência.
Qual é a função da internet, então? Vi que você tem um canal no Vimeo com seus trabalhos.
A razão para eu ter esse canal é que recentemente dois amigos terminaram um livro sobre a minha obra. É um lugar para colocar algumas coisas às quais o livro se refere. Vou usar enquanto não tenho meu próprio site. Não gosto da natureza do Vimeo, do jeito que ele se enquadra, não me interessa muito.
Que tipo de equipamento você usa nas suas obras?
Geralmente, uso pequenas câmeras amadoras, algumas vezes semiprofissionais. Ocasionalmente uso alta definição, mas nunca profissionais. Eu gosto de coisas pequenas para poder executar as [obras] rapidamente. Gosto da habilidade de poder me mover rapidamente.
Então você deve gostar das câmeras menores, como a Flip
[Risos] Não é uma obsessão tentar ser low-tech! Não é uma questão de usar as melhores ou piores [câmeras]. Não se trata de resolução, de tecnologia. Trata-se de ideias.
A arte serve para alguma coisa?
Para a sobrevivência [risos]. Para a minha sobrevivência [risos]. Serve para as pessoas poderem brincar num campo de mistérios e coisas desconhecidas, com questões que talvez não possam ser respondidas. Acho que isso é a arte.
Alguma forma nova de arte vai surgir?
A forma da arte não é mais a questão. Desde a arte conceitual e da mistura entre performance e conceito que ocorreu nos anos 60, a ideia de arte de forma única e individual foi destruída. O que vai acontecer, basicamente é que vai haver mais interatividade, coisas com bio-nano-tecnologia, robôs... Acho que a tecnologia será mais usada como ferramenta para as ideias.
Você é um praticante de surf. Esse esporte serviu de inspiração para você?
Sim. Fiz dois trabalhos que foram baseados no surf [não estão na mostra do MIS]. Um se chamava Learning curve [Curva de aprendizado] e outro Learning curve (still point) [Curva de aprendizado (ponto estático)]. Fiz carteiras escolares, nas quais a mesa ficava a cinco metros da cadeira e e tinha quatro metros de largura, com uma leve inclinação. Num lado [da sala] havia uma tela de quase um metro, curvada, que projetava uma onda quebrando sem parar, uma onda perfeita. A ideia era opor prática e teoria. Mas também, o quão rápido se pode aprender algo, as curvas da onda, da cadeira. Na outra [Learning curve (still point)], era a mesma cadeira, mas para canhotos. Quando eu era jovem isso não existia porque tentavam fazer com que todos fossem destros. Nesta, a mesa ficava ainda mais longe da cadeira, seis ou sete metros e ao invés de ser larga, ela terminava em um monitor de quatro polegadas que tinha a foto de uma onda quebrando de lado. Eu também costumava fazer esculturas há muito tempo com tela de arame, e fiz duas que eram ondas quebrando. Chamava-se Point Conception, que é o nome de um lugar de surf famoso no norte da Califórnia.
Você ainda surfa?
Sim.
Com que frequência?
Depende. De cinco a dez vezes por ano. Gosto de ir a um lugar, Hobock, uma reserva indígena no norte do estado de Washington. Lá, acampamos na praia. Também vou à Costa Rica ou México uma ou duas vezes ao ano. Na Califórnia, vou a Santa Barbara.
Qual seu lugar favorito para surfar?
Se pudesse ser só meu, Rincon [em Santa Barbara].
Você disse que a revista para a qual você trabalha se chama Trip?
Isso, como em "trip de surf". O eco-surfing também teve muita influência no meu trabalho, assim como o LSD. Se a revista se chama Trip [que em inglês quer dizer "viagem" também]...
Bom, como o LSD influenciou sua arte?
Eu provavelmente não seria artista se eu não tivesse tomado quando era bem jovem, com 15 anos. Comecei a pensar de uma maneira diferente. Algumas complexidades das coisas, padrões e temas... Quem toma, sabe [risos]! Mesmo nas questões das diferenças que mencionei antes, onde sua mente começa e termina... Isso ainda está bem vivo. Alguém pode dizer que o LSD é uma muleta, mas por outro lado, ele te dá uma uma experiência fenomenológica da mente. Ele realmente expande... [risos] Não sei explicar de outro jeito.
Você ainda usa?
Faz alguns anos que não, mas estou pensando em usar de novo.
Por diversão?
Não. Para fazer um inventário da minha mente. Eu adoraria ter um suprimento de LSD líquido que eu soubesse o quanto forte é e experimentar controladamente.
Exposição Circunstâncias
Quando: de terça a sábado, das 12h às 19h; domingo e feriado, das 11h às 18h (até 20/03/2010)
Onde: Museu da Imagem e do Som - MIS (Avenida Europa, 158, Jardim Europa, São Paulo; telefone: 11 2117-4777)
Quanto: R$4 e R$2 (estudantes); gratuito para maiores de 65 anos e aos domingos. Estacionamento R$ 7