Amostras de uma vida
Livro com o mais verdadeiro lado do skate sob a ótica da fotografia de Heverton Ribeiro
Ele colabora com marcas e revistas de skate literalmente desde o dia em que comprou sua primeira câmera fotográfica, na rua Sete de Abril, centro de São Paulo. Na ocasião, um campeonato de vertical patrocinado por uma marca de bebidas energéticas no Vale do Anhangabaú, Heverton Ribeiro nem fazia ideia de que sua vida estaria para mudar graças ao recém-descoberto interesse, que logo se tornou recém-descoberto talento.
Seu terceiro livro, Sample, será lançado em setembro de forma totalmente independente, com o apoio de alguns velhos amigos. Com acabamento invejável, o livro traz retratos de lendas do skate do calibre de Daewon Song, Danny Way, Bob Burnquist, Erik Koston e o pai da matéria, Tony Alva, além do multicampeão Sandro Dias, da revelação Pedro Barros, Rodrigo TX, Lincoln Ueda, Brian Summer e muitos outros. Com pósfácio escrito por Cecília Mãe, uma das mais respeitadas jornalistas de skate do país, Heverton está lançando uma incrível coleção de imagens em altíssima qualidade que não pode faltar nas estantes de aficcionados por fotografia em geral, especialmente para aqueles que tem um carinho especial pelo carrinho.
Recebemos Heverton aqui na redação da Trip para uma conversa sobre skate e falar da fotografia sobre rodinhas. Feliz com o resultado final da edição de Sample, Heverton Ribeiro percorreu um longo caminho até aqui. Apaixonou-se pelo skate aos 10 anos, começou a andar "sério" aos 14 e entrou de cabeça na fotografia aos 23, não sem antes passar três anos dividido entre as funções de fotógrafo de skate e de ajudante no depósito de material de construção de seu pai. E para dar seu primeiro clique, seguiu o conselho de um velho amigo, muito conhecido no meio do skate nacional.
"Desde moleque eu já trabalhava no depósito com meu pai e era muito estressante. Muito cansativo também. Aí um dia eu estava conversando com o Fábio Sleiman, que até está fotografado no livro e é meu amigo há um tempão, e ele disse: 'Pô, você só tá trampando aqui com seu pai, nem tá andando de skate. Porque você não compra uma câmera e começa a fotografar? A gente tá aí, podemos te ajudar e tal...' E esse foi o empurrão que faltava", ri lembrando do começo da carreira. "No mesmo dia eu já saí mais cedo do trabalho pra ir atrás de uma câmera."
"Eu tive muita sorte na fotografia, porque minha primeira publicação veio muito rápido", continuou Heverton. "Quando eu fui pra Sete de Abril com o Sleiman para procurar a câmera, por destino, sei lá, tava rolando um campeonato de vertical ali no Vale do Anhangabaú. Na hora que eu cheguei na rampa encontrei o Paulinho Davi, que é locutor de campeonato. Aí eu falei que ia comprar uma câmera e ele logo prometeu uma credencial. Eu pude fotografar do Half Pipe logo no meu primeiro dia clicando. Quando eu voltei com a câmera, não sabia nem usar ainda e já tinha uma credencial. Aí o Jorge Kuge, dono da Urgh, veio me falar que precisava de umas fotos e assim rolou minha primeira publicação, em um anúncio da marca dele. Então foi perfeito."
A sorte de principiante disparou um gatilho de trabalhos que possibilitou a ida de Heverton Ribeiro para viagens internacionais ao lado dos melhores skatistas do mundo. Desde esse dia no Vale do Anhangabaú, ele já trabalhou com as maiores marcas do país, teve fotos em praticamente todas as publicações nacionais de skate, viveu um bom período nos Estados Unidos fotografando para a imprensa local e para marcas americanas e rodou o mundo em turnês das mais diversas marcas gringas.
Estilo, mistura e desapego
Seu método, explica, varia de acordo com a necessidade. A preferência é pelo filme tradicional, como a imensa maioria dos fotógrafos, mas as parcerias com mídias eletrônicas muitas vezes obrigam os profissionais a trabalharem com câmeras digitais. Mas para Heverton, o importante mesmo é ficar atrás do obturador e procurar sempre o melhor resultado. "Se dependesse de mim, fotografava sempre de analógica. Mas a rapidez de hoje precisa de uma digital. Não dá tempo de revelar, marcar e copiar. Eu tenho até uma tatuagem de uma câmera médio formato nas costas. É uma coisa que eu uso menos, mas que ainda tenho paixão absoluta."
O segundo livro de Heverton, lançado no ano passado, também merece destaque pela inventividade do projeto. Intercâmbio Cultural foi uma iniciativa que reuniu doze artistas plásticos brasileiros ligados à street art para ilustrar as fotos do próprio Heverton, gerando um resultado ifinal incrível. participaram do projeto os artistas Daniel Barcellos, Danka Umbert, Douglas Augusto, Driin, Fábio ‘binho’ Nunes, Kadu ‘Pifo’ Doy, Marcelo Barnero, Marcelo Xuê, Maria Inês, Paulo Govêa, Tai Tai e Tato Araújo. As ilustrações do super-time do grafitti também virou uma exposição, que chegou até a circular nos Estados Unidos.
"Eu gosto bastante de pintura. Quando eu voltei dos EUA e fui morar em Florianópolis, onde a cena de arte é muito forte. Foi lá que eu conheci o Binho, que me ajudou a viabilizar o projeto, e tivemos a ideia de fazer o livro desse jeito. Eu queria dar oportunidade pra aquela galera, que todo mundo vê que tem talento, pinta muito e é ligado no skate e no surf. Mas eles estão em uma ilha, onde não rola muito espaço para crescer, então quis colaborar com o Intercâmbio Cultural."
E com três livros editados na raça em seu currículo, Heverton já está virando mestre em escolha de fotos, tarefa sempre complicadíssima para quem tem muito material em mãos. Nessa hora, só mesmo praticando o desapego para desencanar de colocar essa ou aquela foto que parece tão boa, mas que infelizmente não vai ter espaço entre as escolhidas. Sobre a escolha e a paciência quase oriental para selecionar a nata de seu trabalho, o fotógrafo ri e conta dos dias e dias seguidos selecionando fotos em seu acervo.
"No começo até que é fácil. Eu começo com umas 300 fotos. Aí vou escolhendo umas e eliminando outras até que o livro comece a tomar uma forma. Com certeza, as primeiras escolhas que você faz já vão mudar seu projeto inicial. Então ele vai tomando forma com cada escolha. E na primeira rapa que você dá e tira as fotos que não quer, ele já vai para um lado. Depois de 50% de edição, o livro já tem um formato. Então tem foto que, apesar de muito boa, não encaixa com o resto da seleção. Isso facilita bastante o desapego. Aí sempre tem aquela que você queria muito que entrasse no livro, mas no fim não rola."
"Fotografia é muito assim. O Shin Shikuma (veterano da fotografia de skate nacional) foi um grande professor pra mim, me ensinou muita coisa. Foi ele quem me disse que não existe fotografia quase boa. Não tem fotografia quase no foco. Ou ela está, ou não está. Você tem que ficar na linha do sim/não. Por causa de dois centímetros não tem foco? Então não tem, não serve. Não existe meio termo", pondera Heverton. "Então em edição de livro também é assim. Não tem espaço pra mais ou menos e você não pode ter dó nem piedade. Se acha que não está 100%, melhor jogar fora."
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