Amor e lucro
Onde, em que parte exatamente, o lucro vira abuso e crime?
Creio que viver, antes de tudo, é ter uma alma. Não apenas um monte de recordações e um destino. Mas um futuro verdadeiro, que não seja nem um pouco parecido com o presente e muito menos com o passado. Uma criação pessoal, nossa participação na invenção e no desenvolvimento do futuro. Nós somos um imenso reservatório de futuro, uma tarefa a se realizar. Cada qual tem sua forma de enfrentar a insuficiência que o permeia. Sentir que não podemos ir além sozinhos, e que somente com os outros conseguiremos avançar, creio, é a melhor forma de encarar.
Às vezes penso que talvez fosse muito mais interessante divulgar que milhões de pessoas que buscam lucro nas loterias perderam e que apenas meia dúzia ganhou alguma coisa. Que solidariedade se poderá ter por quem ganha? Aos perdedores, a nossa solidariedade, a certeza de estarmos juntos na derrota.
A oportunidade faz o ladrão ou o ladrão faz a oportunidade? A velha questão. Onde exatamente o lucro vira abuso e crime? Para se ter uma ideia prática desse limite, entre em um mercado comum. Super ou hiper. Veja os preços: um absurdo! Muito lucro indevido. Os impostos todos estão embutidos nos preços. O certo é que fossem deduzidos dos lucros dos produtores. Ao fim e ao cabo, quem paga os impostos das empresas somos nós, que compramos seus produtos.
Mas agora vá ao Mercado Municipal de São Paulo. Por ser do município, é de se pensar que as margens sejam mais razoáveis, ou estou errado? Ao comparar preços não fique tão indignado. Pode lhe fazer mal. É uma exploração, quase criminosa. O pastel custa R$ 15! O quilo da ameixa, dessas pequenas que você compra na feira por R$ 4, lá é R$ 29. Dá para ficar triste só de ver.
Escroques e políticos
Tudo isso empobrece os relacionamentos. Bertold Brecht, célebre teatrólogo alemão, afirmava que “a miséria e a desgraça não vêm como a chuva que cai do céu, e sim através de quem tira lucro com isso”. É um pensamento muito duro, mas não menos verdadeiro.
Na prisão torcíamos para que os grandes escroques e políticos viessem nos fazer companhia. Eles melhoravam a prisão em que habitavam e podiam nos ensinar muitas coisas. Criavam espaços e direitos até então inexistentes, facilitavam a vida para nós. Era bom tê-los conosco. Foram os presos da Lei de Segurança Nacional (quase todos burgueses) que incutiram nos presos comuns a ideia de que a união faz a força. As organizações e facções criminosas nascem desse princípio básico.
Não nasci para lucrar. Talvez até me acostumasse ao conforto, mas não ao lucro. Não consigo vender nada. Nem a mim mesmo. Não sei negociar. Comigo, chorou ou pechinchou, leva tudo. Não consigo ver a outra pessoa como meu limite. Geralmente é só contar uma história bem contada que eu me compadeço.
A liberdade das outras pessoas nunca foi o limite da minha. É antes o porquê de minha liberdade. A outra pessoa não é meu concorrente porque tenho consciência de que não é melhor nem pior que eu. Todos usamos o banheiro; estamos limitados à condição humana.
Para viver é preciso produzir qualquer coisa para sustentar a vida material. Optei por me tornar escritor. Vivo duro, a ponto de não sair de casa por não poder gastar. Mas não participo de concursos e não gosto de jogo algum, nem futebol. Gasto o que ganho; nunca deu para guardar nada. Não tenho lucro algum. Na minha idade prefiro a elegância ao lucro.
Quero construir um futuro junto com as pessoas. A resposta à pergunta sobre como obter qualidade de vida passa pelo empenho que temos na relação com as outras pessoas. O objetivo é chegar ao que considero o ápice do amor: que a outra pessoa leve mais lucro que a gente na relação e que nós não saiamos no prejuízo.
*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de Um Sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com