Admiração: alimento da alma

por Luiz Alberto Mendes em

A ADMIRADORA

Não a percebi. Mas logo seus olhos já me atraiam, imantados. Sei que há muito que se pensar, mas que sempre haverá mais a se carecer. Talvez apenas um sorriso, um afago, ou num olhar rápido cujo flash nos focalize inteiramente. E ela tinha isso para mim. Às pessoas sempre estiveram além do alcance de meus dedos. Ela sempre se fez presente. Recebi seus bilhetes, cartões e lembranças desde antes de ser libertado. Depois que descobriu meu e-mail, sempre havia algum recado. Ela seguia esse apaixonado admirador de sua admiração.

Não sei como, ela descobre onde vou estar sempre. Eu a procurava e nunca encontrava. Mas quando abria minha fala, seu olhar me atingia em cheio. Esta sempre a confirmar, veementemente, tudo que digo. Cresço e inflo a partir de sua admiração. Torno-me mais exigente com relação à minha manifestação no mundo. Caso já não fosse metido a perfeccionista, com a admiração dela, extrapolaria.

Quando abro a caixa de comentários a meus textos publicados no site da Revista Trip, posso contar com sua análise profunda e pertinente ao que escrevo. Muitas vezes me fez enxergar, sutilmente, várias contradições no que escrevo. Formou até uma família no Orkut com meu nome. E, para minha surpresa, havia muitas pessoas que participavam. É quase impossível acreditar, mas existiam pessoas que me admiravam. Jamais imaginei que algo assim pudesse me acontecer.

Estive com meu PC com problemas no HD, cheio de medo de perder o que tenho ali registrado. São vários livros, projetos, poesias, contos e centenas de textos. Anos dedicados de trabalho. Não pude acessar e-mails a mim endereçados. Ao abrir minha caixa de mensagens em uma lan house, não me surpreendi ao encontrar recados dela.

Ela me avisava, assim desesperadamente: lera em um jornal, que meu terceiro livro, “Às Cegas”, fora indicado, em meio a cerca de cinco mil títulos, entre os dez que concorreriam ao prêmio Jaboti daquele ano. É a maior premiação da literatura brasileira, conferida pela Câmara Nacional do Livro.

Se fosse outra pessoa a me avisar, não seria tão emocionante. Mas senti, a partir de suas frágeis e rápidas palavras, toda pujança de seu prazer por minha vitória. Sim, era uma vitória. Estava sendo reconhecido como escritor. Já não era mais o preso que escrevia. Agora admitiam que não também não era o egresso da prisão que escrevia. Ela, mais que sabia, sentia a força dessa realização em minha existência: “Luiz: você conseguiu!!!” Vibrava suas palavras em minha mente. Claro, não havia esperanças de ganhar nada. Lá estarão dinossauros da literatura nacional. Como disputar com gente tão talentosa? Mas a indicação já valeu. Havia um reconhecimento ao meu esforço.

Em programas de entrevista ela sempre foi uma das primeiras a acessar. Suas perguntas me ajudaram a discorrer sobre coisas que precisava dizer. Na última vez, fez a pergunta que sempre quis responder: se eu estava ganhando muito dinheiro como escritor.

Ela sabe: sou mais um carregador de livros que escritor propriamente dito. Vivo carregando minha mochila (pesada) com meus livros para vendê-los em palestras ou eventos que participo como escritor. Pego com desconto nas editoras. É dai, basicamente, que tiro o sustento do meu povo. E publico em uma das maiores editoras do país: a Companhia das Letras.

Não é novidade dizer que de livros, no Brasil, não se vive. Não mesmo. Claro, há exceções, algumas não tão gloriosas assim. É a maior batalha para sobreviver com alguma dignidade. Dizem até que sou multimídia. Tenho trabalhado com teatro, cinema, televisão e tudo o que couber. E não tenho sequer um carro velho e moro na periferia de São Paulo.

Outro dia fui convidado para participar de mesa de debates sobre a violência em uma Universidade de São Paulo. Eu seria o último a falar, depois ocorreria o debate. No intervalo, uma moça de olhos rasgados, morena, de uma beleza suave, me interpelou. Sua voz estava embargada. Estranhei e tive pouca sensibilidade no momento para perceber.

Ela estava no auge da emoção. Havia vindo só para me ouvir falar. Assistira a todas minhas entrevistas na televisão. Estava com um álbum azul cheio de recortes de entrevistas e textos que publiquei na mídia. Possuía todas as revistas Trip que continham minha coluna (e olha que tenho 11 anos de coluna). Lera meus livros várias vezes. Trouxera-me uma revista “Caros Amigos” em que a professora de Teoria Literária e Literatura Comparada da USP, Dra. Andréa Saad Hossne, afirma que meu primeiro livro, “Memórias de um Sobrevivente”, é um dos mais importantes da década passada e que precisava ser levado a sério.

Perguntava, ansiosa, quando seria minha fala. Queria só me ouvir falar e partir. A moça me atropelou com recortes de jornal e revista, fotos, textos, críticas de meus livros e um monte de outras coisas. Seus olhos eram febris, tremeluziam. Havia paixão, estremecimento e realização. Estava feliz, embora assim impactada pela minha presença. Dizia sorridente que eu não poderia imaginar sua alegria em estar comigo.

Era ela, enfim, a admiradora.

(25/07/2012)

Arquivado em: Trip / Livros / Comportamento