A revolução do ano

Cineastas brasileiros preparam road movie sobre a Primavera Árabe egípcia de 2011

por Luiz Filipe Tavares em

O diretor de cinema Diogo Faggiano e uma equipe da produtora Massa Real Filmes (de São Paulo) vão pegar a estrada. No final do ano, uma equipe capitaneada pelo paulista vai percorrer milhares de quilômetros pelo interior do Egito para produzir o road movie The Revolution of The Year, sobre a revolução de 2011 que depôs o ditador Rosni Mubarak depois de meses de ocupação das ruas na cidade do Cairo. O fato iniciou o que será apenas o segundo período democrático do país em uma história de mais de cinco mil anos.

O filme procura financiamento de US$ 25 mil através de uma campanha de crowdfunding no site IndieGoGo que já mobilizou ativistas em diversos países, incluindo o mundo árabe. O filme vai ao encontro dos revolucionários do país nas universidades, sindicatos, mercados, templos, pontos turísticos e na própria Praça Tahir, palco dos mais violentos confrontos da revolução e marco zero da batalha pelos direitos políticos no Cairo. Mas não é só isso. O filme vai levar os jovens revolucionários da capital para explorar o interior do país, fazendo uma reflexão sobre a importância do movimento hoje e nos tempos futuros.

“Toda essa efervescência social do ano passado surgiu do norte da África e de lá foi se espalhando, passando pela Líbia, pela Grécia e chegando até a Espanha e os Estados Unidos”, comentou o diretor Diogo Faggiano em entrevista à Trip. “Todos esses movimentos têm algo em comum: nenhum deles têm uma formação ideológica. São movimentos de pura revolta. O mais impressionante pra mim é que todo jovem egípcio nascido nos anos 80 nunca havia vivido um dia sem um regime ditatorial em seu país. Então a importância desse momento é incalculável." 

 

"Queremos fazer uma obra mais humana que trate da forma como esses jovens que participaram dos confrontos estão tentando tocar suas vidas”

 

Mais do que contar a história do movimento revolucionário, o filme vai confrontar o urbano e o inóspito, usando o deserto da Península do Sinai como uma metáfora para escapar das análises frias da sociologia e do jornalismo. “Decidimos fazer um filme menos tradicional porque gostamos de trabalhar com uma linguagem mais subjetiva e menos jornalística. Queremos fazer uma obra mais humana que trate da forma como esses jovens que participaram dos confrontos estão tentando tocar suas vidas”, continuou Diogo. “Essas pessoas vão deixar o Cairo e se aventurar pelo deserto do Sinai, que é imenso e tem uma história importantíssima para quase todas as grandes civilizações do planeta.”

“Durante os confrontos do ano passado em Tahir, as cidades em volta do Canal de Suez tiveram uma participação importante nos protestos. Ainda não tivemos a chance de explorar o Egito mais amplamente, mas até a periferia do Cairo, a população toda está com vontade de participar ativamente do processo político. A Revolução se expandiu e houve confrontos em várias cidades do interior do Egito”, explicou.

Jovens pobres, jovens revolucionários

Por três mil anos, o Egito foi o centro da cultura africana e um dos maiores impérios da Terra. Sua proximidade com a Europa e suas raízes culturais vindas das grandes tribos neolíticas africanas tornaram o reino unificado pelo rei Menes em 3150 A.C o centro do mistério e do conhecimento humano. Ali, contruções gigantescas e séculos de uma das mais ricas histórias de toda a humanidade floresceram às margens do rio Nilo. Depois, conquistador após conquistador, o Egito foi se tornado um imenso anexo arqueológico que foi dominado por gregos, romanos, bizantinos, persas e finalmente otomanos, que só foram espulsos em 1882, quando começou o protetorado britânico sobre o país.

Quando os ingleses chegaram, o Egito havia passado de grande berço cultural humano a grande latifúndio monocultor de algodão. Essa transformação trouxe profundas mudanças sociais, com estrangeiros ganhando controle sobre as terras e aumentando exponencialmente o descontentamento da população local. E assim, em apenas 60 anos, o Egito deixou de ser a mais rica nação africana para se tornar mais um país capitalista em desenvolvimento no continente.

 

“Se essa revolução não se organizar, o Egito vai continuar sendo apenas mais um país pobre. E aqueles jovens que enfrentaram a polícia na praça não serão mais meninos revolucionários. Serão apenas meninos pobres"

 

“O que acontece hoje no Egito é fruto de uma ditadura que se manteve no poder por pelo menos três décadas. Se você for mais para trás na história e contar os anos de Califado, de Protetorado Britânico e de colonialismo em geral, você vê que houve uma desmobilização do pensamento democrático”, refletiu o diretor. “Ao mesmo tempo que há muita euforia, é preciso ter um certo cuidado. Em todos esses anos, o pensamento político de esquerda foi perseguido violentamente no Egito. Existe hoje ali uma inocência geracional que criou um movimento de massa e de pressão. Foi uma guerra de trincheiras que conseguiu derrubar um ditador da estatura do Mubarak, que estava enraizado no governo egípcio. Então isso é muito importante.”

Mas a maior preocupação da equipe de Revolution of The Year é com o futuro do movimento revolucionário e com o futuro do país. Uma questão que Diogo definiu de forma muito eloquente: “Se essa revolução não se organizar, o Egito vai continuar sendo apenas mais um país pobre entre tantos outros. E aqueles jovens que enfrentaram a polícia na praça não serão mais meninos revolucionários. Serão apenas meninos pobres." 

Vai lá: www.indiegogo.com/therevolutionoftheyear // www.facebook.com/therevolutionoftheyear

Crédito: Divulgação/The Revolution of The Year
Crédito: Divulgação/The Revolution of The Year
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Crédito: Divulgação/The Revolution of The Year
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