A Pseudo Guerra do Rio

Há uma cumplicidade na apatia e desinteresse com que observamos os fatos sociais evoluírem

por Luiz Alberto Mendes em

Prometi a mim mesmo não escrever sobre os fatos que estão acontecendo no Rio de Janeiro. Mas, ao ver a retórica triunfalista do discurso oficial comemorando vitória por haver vencido o Tráfico no Complexo do Alemão, não deu mais para segurar. Amarga “vitória”. As revelações posteriores nos fazem questionar sobre como foi permitido que tudo chegasse onde chegou.

 

O tráfico no Rio só chegou ao que é hoje, assim territorializado, dominante e dando as caras, porque sempre contou com a conivência e até participação da polícia. As armas são negociadas por policiais; há grupos de policiais assalariados do Tráfico; e policiais associados a grupos de domínio visando os rendimentos que antes era do Tráfico (as milícias). Em todas atividades criminosas do Rio, há sempre policiais envolvidos.

 

Claro que há policiais corretos e honestos que arriscam heroicamente suas vidas pela população. Por esse motivo qualquer atitude contra o tráfico devia começar pelo expurgo dos policiais da tal “banda podre” e reforma ampla da polícia. Porque, caso contrário é tirar o Tráfico e permitir as Milícias. As máfias da polícia já esfregam as mãos porque vai sobrar território para ser explorado.

 

Há uma cumplicidade na apatia e desinteresse com que observamos os fatos sociais evoluírem. Estamos acovardados. Cheios de que fazeres delegamos poderes sem fiscalizar como são aplicados. Estamos preguiçosos quanto à sociedade onde coexistimos. As medidas extremas agora usadas combatem o que negligenciamos e fomos condescendentes. Ou será que alguém ainda pode considerar que aquelas pessoas ali envolvidas no Tráfico apareceram tipo de uma geração espontânea?

 

Foi no Governo de Rodrigues Alves que se iniciou a construção da cidade do Rio de Janeiro tal como a conhecemos hoje. As pessoas que habitavam cortiços, casebres e casas no centro do Rio foram expulsas para os morros. E não puderam mais voltar porque o Prefeito Pereira Passos instituiu lei proibindo andar sem sapatos nas ruas da capital do país. E o povo pobre é obvio, não tinha sapatos.

 

Ao morro não se levou emprego, salário digno, escola, hospital, recreação, cursos profissionalizantes, assistência social, nada. O que se podia esperar? Agora levam tanques de guerra com canhões e metralhadoras ponto 50 para derrubar avião. “Caveirões”, helicópteros, fuzis, exército, marinha, soldados, polícia civil, BOPE. Uma força-tarefa de quase 3 mil homens. Um monte de gente armada e perigosa, loucos para atirar no que se mover, consciente da impunidade.

 

Quase nada nesse país é tratado com a profundidade e seriedade necessárias e sim e tão somente, para produzir efeitos imediatos. Por conta disso estamos condenados à crises cada vez mais dramáticas. As soluções, como a desastrada operação no Complexo do Alemão, terão, mais uma vez, que buscar resultados imediatos para atender o clamor público incitado pela mídia.

 

Dizem que onde o Estado abandona vira barbárie. Foi o que vimos após a “tomada” do Complexo do Alemão. Mas não é só Estado. Somos todos nós que temos que fiscalizar como é gasto o dinheiro que pagamos de imposto. Não basta pagar, é preciso questionar, contestar, protestar e estar atentos para que tais palhaçadas não se repitam.

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Luiz Mendes

02/12/2010.

 

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