A pátria que os pariu
Como pensa o movimento que defende o Gurgel, a tubaína e outros produtos 100% nacionais
A turma do MV-Brasil faria Aldo Rebelo, o deputado que quer abolir as palavras em inglês no país, parecer um colonizado. Saiba como pensam os integrantes do movimento que defende o Gurgel, a tubaína e outros produtos 100% nacionais e que espalha faixas de “Halloween é o cacete!” pelo Rio
Eles não compram lanche no drive-thru, não pedem delivery nem comem nada diet. Não acessam e-mail, não navegam em sites e não deletam nada. Estamos falando dos integrantes do MV-Brasil, “movimento pela valorização da cultura, do idioma e das riquezas do Brasil” – o último grupo de nacionalistas radicais do país e, provavelmente, os únicos a mexerem no computador usando um rato no lugar do mouse.
O movimento, com 14 mil membros cadastrados, nasceu no Rio de Janeiro há dez anos, de maneira emblemática. Era 2 de novembro e o New York City Center, um shopping com uma réplica da Estátua da Liberdade em sua fachada, havia sido inaugurado na Barra da Tijuca. Um pelotão verde-amarelo de 120 pessoas – entre estudantes, militares, professores e aposentados – fechou a avenida das Américas, uma das maiores da cidade, e mirou rojões na cabeça do ícone yankee. Foi o primeiro “arrastão cultural” (jargão da turma) do MV-Brasil.
Depois vieram cartazes nacionalistas, espalhados pela cidade. O da frase “Halloween é o cacete! Viva a cultura nacional!” se tornou mais famoso e, eles alegam, resultou numa redução no número dessas festas no Rio.
Outras campanhas, como Entregue sua Arma e Torne-se um Escravo (à época do plebiscito do desarmamento, que eles condenam em nome da defesa do território nacional), de apoio à PM e aos bombeiros, também ganharam as ruas. Essa propaganda e a manutenção do movimento são pagas com a colaboração mensal de alguns membros, que vai de R$ 5 a R$ 500, e com a venda de camisetas com mensagens anti-Estados Unidos a R$ 14.
Hoje, no entanto, o MV-Brasil não vai bem das pernas. Não possui mais seu antigo carro de som, e seus núcleos que tinham em Brasília e Porto Alegre tiveram de ser desativados. “Acreditávamos que a sociedade nos apoiaria espontaneamente. Valorizamos as questões da pátria, mas faltou nos preocupar com a captação de recursos”, lamenta Wagner Vasconcelos, um de seus 12 fundadores. Trajando seu uniforme tradicional – calça e colete cáqui, camiseta do movimento e boné com a bandeira nacional –, Wagner nos recebe na atual sede do grupo, improvisada nos fundos de um escritório do centro do Rio. “Estamos peticionando uma nova base, do governo estadual. Do governo federal não, porque a bandeira dele não é verde e amarela”, provoca. Na entrada, um pôster de Getúlio Vargas – “homem com inteligência acima da média, melhor presidente que já tivemos” – decora a parede. Perguntados sobre qual político recente admiram, a resposta foi unânime: Enéas.
Gurgel e Lima Barreto
Wagner, 44 anos, bacharel em direito, solteiro e sem filhos, dedica a vida à causa patriótica tal qual um contemporâneo Policarpo Quaresma, o personagem ultranacionalista de Lima Barreto. Seu carro é um Gurgel 100% nacional. Já o laptop made in China ele comprou usado de um amigo, alternativa a que recorre com frequência para não “financiar os inimigos”. Independentemente do assunto, suas falas vêm recheadas de termos como imperialismo, violação da soberania, submissão aos Estados Unidos e estelionato cultural. Globalização, para ele e seus companheiros, “é uma conspiração coordenada por quadrilhas internacionais, como os Bush e a família real britânica, para desmontar os Estados nacionais, eliminando os folclores e as riquezas culturais de cada país”. A salvação estaria na “microrrevolução pessoal”: aplicar no dia a dia atitudes que valorizem a nação, como evitar palavras, produtos e ideias estrangeiras.
É o que Caius Julius, bancário aposentado, segue à risca: “Quando vou ao supermercado, me preocupo com o que estou comprando. Nem tanto com o preço ou qualidade, mas com a origem do produto. Enquanto qualquer pessoa leva uma hora para fazer compras, eu levo três”. Fã de jovem guarda e MPB, Caius diz ter brigado feio com os filhos que escutavam rock na adolescência. “Por necessidade”, ele chegou a matriculá-los em um curso de inglês, “mas, graças a Deus, eles acabaram desistindo”.
Assentindo com a cabeça está a estudante Rafaela Serra, de 22 anos. Espécie de musa do movimento, ela está presente na maioria das fotos dos atos do MV-Brasil, carregando imensas bandeiras e vestindo uma boina estilo revolucionário. Deve ser dura a vida de uma jovem patriota em 2009: o inglês tornou-se idioma quase obrigatório, celulares e câmeras digitais não são feitos por aqui e, nas baladas, quase só toca música internacional.
Toby x Coca
“Tinha vergonha de colocar um Toby (o refrigerante Tubaína) na mesa, mas agora tenho orgulho”, diz René Santos Silva, que confecciona as camisas do movimento. “Deixei de comprar Coca-Cola e comer no Coca-Cola. Agora, prefiro comprar o hambúrguer e fazer em casa, do modo brasileiro.” Outra vida tocada pela unção nacionalista foi a de dona Maria Selvina, 74 anos, segunda integrante mais velha do grupo. “Eles estavam lutando contra o desarmamento, foi amor à primeira vista”, relembra a senhora, que adorava fazer festas de Halloween – antes, é claro, de descobrir que “isso é coisa de Satã”.
Atrás dela, na parede, um estandarte com a bandeira do Brasil e a frase “Nação do século 21”. Pergunto a Wagner se ele acredita nisso. Ele levanta e discursa algo que parecia já pronto para sair: “Sem dúvida. Surgirá a raça cósmica, postulada por Darcy Ribeiro, que é a fusão de todas as raças. Temos genética e cérebro para nos adaptarmos a todas as necessidades artísticas e científicas. Não há como acreditar que não estejamos fadados a ser a próxima nação dominante. Não é isso, gente?!”. Todos concordam e Wagner diz: “Já está tarde, vamos dispersar”.