A música mudou

Antes os responsáveis pelo sucesso das bandas eram os empresários, hoje não é bem assim

por Alê Youssef em

 

Saí de casa rumo ao Studio SP em meio a uma frente fria absurda – gélidos 15 graus em começo de abril, chuva fina e clima borocoxô pela eliminação do Corinthians no Paulistão. Tudo insinuava uma noite fraca na Augusta. Mas, ao entrar no Studio, percebi que seria produtivo o mergulho na rua mais famosa da cidade. A casa estava lotada para a primeira atração: o jovem e talentosíssimo Thiago Pethit, que apresentava seu álbum de estreia. O cantor fazia ali muito mais que um simples show. Thiago dava mais um passo na formação de público que artistas devem buscar para se enquadrar no novo modelo do mercado musical. Um caminho já traçado naquele mesmo palco por outros artistas da nova geração. O tripé formado por casas de shows e clubes, artistas criativos e divulgação via internet garante uma cadeia econômica independente que gera empregos e faz o músico viver da sua arte, o que no passado recente era exclusividade dos queridinhos das gravadoras.

O fenômeno acontece no mundo todo em cidades cosmopolitas e é reflexo da nova ordem musical, pós falência do mercado fonográfico. Com certeza, na mesma madrugada, outros Thiagos tocavam em clubes de Lower East Side, em Nova York, Shoreditch, em Londres, ou no Mitte, em Berlim.

A segunda atração da noite era o festival Fora do Eixo. A casa continuou lotada para assistir ao rock da banda Macaco Bong, de Mato Grosso, uma das atrações mais vibrantes do rock nacional em anos. O festival representa o que há de mais engajado na música brasileira: a expansão do mercado musical para além de Rio-São Paulo. O festival abriu frentes importantes, a ponto de fazer o caminho inverso e trazer para São Paulo bandas de outras localidades, que terão a oportunidade que Thiago teve minutos atrás.

Elefante branco
O movimento político da música foi revitalizado por esses atores, que, entendendo a brecha da fragilidade do mercado, iniciaram a discussão sobre que políticas públicas queremos para a arte mais popular do Brasil.

Em dezembro passado participei de um debate na Feira Música Brasil em Recife sobre o mercado de shows no Brasil, com o empresário Paulo Amorim – do grupo Tom Brasil, que reúne casas como HSBC e Tom Jazz em São Paulo e Vivo Rio. Ele insistiu que o mercado musical estava parado, sem criatividade, demonstrando desconhecimento e certo pouco caso sobre o que acontece nas noites das grande cidades.

Existem no Brasil diferentes olhares para o processo cultural. O olhar do Paulo é aquele de cima pra baixo, que se acostumou a fazer grandes números, amparado por uma indústria que monopolizava produção e distribuição de conteúdo, vendia discos, comprava as mídias, fazia o sucesso acontecer.

Os cantores que formam seu público e vivem de música, cantando suas próprias composições para o universo de fãs formados pelo MySpace e pelo Facebook, e movimentos musicais de descentralização e ocupação de espaços têm outro olhar sobre o processo cultural: aquele de baixo pra cima, que percebe a vitalidade e a capilaridade de um novo modelo, de uma nova cadeia produtiva.

Está na hora de o poder público, grandes patrocinadores de eventos e os empresários do setor mudarem de ótica. Fica o convite para secretários de Cultura, diretores de marketing e interessados: venham passear numa noite fria dessas no Baixo Augusta. O caminho fica evidente nesse admirável mundo novo.

Está na hora de o poder público, os grandes patrocinadores de megaeventos e os empresários do setor também mudarem

*Alê Youssef, 35 é sócio do Studio SP e foi um dos idealizadores do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é ayoussef@trip.com.br

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