A louca do Routemaster
Conheça a única brasileira a pilotar os famosos ônibus vermelhos de Londres
Outro dia saiu uma matéria no jornal The Guardian sobre o routemaster, aquele ônibus vermelho de dois andares que é a cara de Londres. O melancólico jornalista compartilhava meu imenso pesar pelo gradual desaparecimento de uma verdadeira relíquia, um prodígio da engenharia, que está sendo substituída por um reles papa-fila que não tem cara de lugar nenhum.
Mais imóvel que automóvel, mais balsa que ônibus, o routemaster desafia a lei da gravidade e despreza todos os conceitos aerodinâmicos. Graças a seu genial design e a uma perfeita distribuição de peso, a geringonça se mantém em pé. Além dos dois andares, uma das características mais interessantes é a ausência de portas. Uma espécie de varandinha permite aos passageiros subirem e descerem no meio do trânsito, sem que o ônibus esteja parado no ponto.
Há cinco anos, os "fairways" e "metrocabs", tradicionais táxis londrinos, quase tiveram um final igualmente triste. Queriam substituir esta maravilhosa expressão automotiva da excentricidade britânica por táxis normais, mais econômicos. Os táxis foram salvos quando decidiram fabricar uma versão moderna do maravilhoso monstrengo, o TX1, tão feia e genial quanto a original. Por que, meu Deus, não desenharam um novo routemaster?
Inútil dizer que por trás dessa tragédia vicejam interesses políticos e econômicos. Ken Livingstone, prefeito de Londres, é um renomado idiota. Uma espécie de Jânio Quadros inglês. Pode parecer absurda minha nostalgia por um passado que não é meu. Eu deveria me limitar a ter saudades dos nossos dinossauros da Viação Cometa ou dos comanches do Expresso Brasileiro que desapareceram das nossas estradas sem deixar traços. Mas me irrita ver o quanto interesses estapafúrdios podem violentar a beleza, o charme e o interesse público.
"A Louca"
A matéria do Guardian me chamou atenção porque trazia o depoimento de Eleni da Silva, uma motorista de ônibus brasileira, nascida em São Bernardo do Campo e criada em Diamantina. Filha de garimpeiro, veio pra Londres há 17 anos para aprender inglês e acabou ficando. Vendeu amendoim, foi empregada doméstica e carteira. Há três anos, passou em um teste da companhia de transportes Metrolink e foi aceita no volante de um routemaster.
Eleni se orgulha de ser a única brasileira a dirigir um ônibus na Inglaterra. Ela tira um ordenado de US$ 2 200 por mês e completa o salário com mais US$ 300 revendendo tabaco que compra na França. O routemaster que Eleni dirigia até semana passada rodou Londres por 45 anos e ainda estava tinindo quando o aposentaram. Jogaram na sua mão um Double Decker com uma carroceria Plaxton vagabunda, câmbio automático e motor Volvo turbinado de 11 000 cc. Para Eleni, o novo ônibus não dura nem cinco anos no trânsito londrino. Encontrei-a na garagem de Archway, onde ela estaciona todas as noites. Ela parece ter um dom especial para alegrar o pedaço, com um sorriso contagiante e tirando uma com a cara dos seus colegas, entre os quais é conhecida como "A Louca". Enquanto os mecânicos azeitavam as bielas do seu buzum, ela bateu um papo com este colunista.
Qual a diferença entre o trânsito inglês e o brasileiro? Olha, motorista que é motorista, que tem gasolina no sangue como eu, dirige em qualquer lugar, sem grandes diferenças. Agora, brasileiro entende mais de volante. Aqui, ônibus não pode passar de 60 km por hora. No Brasil, tem motorista que dá 120 km por hora com ônibus lotado numa boa.
Como você se sentiu ao ver seu routemaster virando sucata? Fiquei mal, deu vontade de chorar. Foi como perder um parente. Fiquei pensando até em comprar meu ônibus e levá-lo pro Brasil. Ia fazer o maior auê.
Como são os homens ingleses na cama? O inglês pode até gostar da coisa, mas não sabe fazer. Não sabe trepar. Já o brasileiro beija, morde, abraça, namora e só quando a gente tá louca pra dar é que ele cai em cima.