A evolução do emosapiens
Arthur Veríssimo encontra os garotos do Restart, a banda mais amada e odiada do Brasil
Nosso repórter fluorescente encarna o quinto elemento do Restart para uma conversa franca sobre música, preconceito, homossexualidade e paudurescência com os garotos da banda mais amada e odiada do Brasil
“Por que o Lobão implica tanto com a gente se ele já foi da Blitz, que usava roupas coloridas como as nossas?”, manda Pe Lanza, 18, quando pergunto se ele já leu a biografia do roqueiro cinquentão. “O que o Lobão detona é que vocês, juntamente com Fiuk e Luan Santana, não possuem paudurescência nenhuma”, retruco. Pe Lanza, Pe Lu, Koba e Thomas ficam alvoroçados e falam um por cima do outro. Como na maioria das perguntas, Pe Lanza assume a função de porta-voz: “Cara, nós estamos de pau duro para falar de rock, cair na estrada e fazer a galera se divertir. Esse é o motivo de estarmos aqui, fazemos o que gostamos, tá ligado?”. Se vira então para a câmera do nosso site, que acompanha o encontro, e emenda: “Lobão, eu sou o lobo mau, fica esperto. O lance é o seguinte: conforme você vai ficando mais bem-sucedido, as cobranças são maiores. Somos disciplinados, correspondemos à vibração da galera nos shows... por que certos ritmos brasileiros são tão ‘ruins’ e mesmo assim têm esse megassucesso?”.
Na análise fria dos números, a rapaziada colorida tem razão. Seus clipes somam mais de 46 milhões de views na internet e cada um tem mais de 500 mil seguidores no Twitter. O primeiro CD bateu as 110 mil cópias vendidas, fazem mais de dez shows por mês e agora no fim de abril sai um livro sobre a saga da banda, juntamente com o segundo DVD (o primeiro, de karaoke, vendeu mais de 20 mil cópias). O quarteto acumula ainda 25 contratos de licenciamento, ganhou todos os principais prêmios do último VMB (decidido por votação popular), está gravando em espanhol e prepara um longa-metragem em 3-D produzido por Vera Egyto e dirigido por Heitor Dhalia. Mas não interessa. Desde que os garotos estouraram, cardeais e menestréis do rock tupiniquim (Lobão à frente) têm descido a vara no Restart.
“A sociedade tá muito escrachada. Tem garota perdendo a virgindade aos 13. Nossa rebeldia é contra a violência, a maldade, a promiscuidade. Somos ligados à nossa família e contra qualquer preconceito. Se alguém quer usar tênis colorido e calça oncinha, o problema é dele”
A causa? Dor de cotovelo, preconceito, intolerância? Ou seriam eles apenas filhotes tardios de bandas como Blitz, Kid Abelha, Metro, Tokyo e Biquíni Cavadão? Sim, porque os tempos são outros, mas os cabelos, a indumentária, as letras e a postura de palco continuam muito parecidos. Foi por esse caminho que enveredou minha conversa com a trupe do Restart, em um sabadão grudento no camarim do espaço Lux, nos cafundós de São Bernardo do Campo.
Os carinhas estão chegando só agora aos 20 anos, e a exposição brutal acabou revelando opiniões estapafúrdias sobre placas tectônicas, Bin Laden e Amazônia. O baterista Thomas, em entrevista recente, disse querer muito tocar no Amazonas. “Imagina tocar no meio do mato, não sei nem se tem gente lá, civilização.” Os demais integrantes a seu lado nada disseram – vale lembrar que Manaus, a sétima maior cidade brasileira, tem quase 2 milhões de habitantes. Por outro lado, há muito marmanjo de 30, 40 ou 50 anos que não consegue articular três frases e faz parte da matilha que escolheu Pe Lanza e seus camaradas para a guilhotina. Não estou aqui para defender o Restart. Lobão é a única personalidade que fala, espreme, xinga e dá a cara para bater neste cenário de bom-mocismo e bunda-molismo que vigora no entretenimento nacional. Ele pode falar o que bem entender, pois sobreviveu ao tsunami de uma geração vida loka, fez e aconteceu. Lobão se garante.
“SOMOS HÉTEROS”
No tempo escasso que conquistamos no camarim da banda, com o tumulto, a gritaria e a histeria de fãs adolescentes ao fundo, o papo foi adiante. Meu visual é motivo de gargalhadas da equipe. Já fui de tudo nesta vida, cromagnon, hippie, rajneesh, beatnik, neandertal, protopunk e agora um tardio emosapiens. Pe Lu (guitarra) se anima com a primeira pergunta: Quais são as referências musicais de vocês? “Cara, sou ligadíssimo na postura do John Mayer e a minha vida toda escutei Steve Ray Vaughan, Jimi Hendrix e bebi os conhecimentos na fonte do blues. Estudei guitarra por quatro anos e continuo na pesquisa.” Pe Lanza (baixo e vocal) chega junto com seu cabelo mezzo emo/mezzo Snoop Dogg Dogg: “Peguei a rebarba do meu pai, que era conectado no Aerosmith e em bandas de hard rock. Nem tinha nascido quando eles apareceram, mas gosto muito do Sex Pistols. E Guns’n’Roses é a banda da minha vida”. Koba (guitarra) define o Pink Floyd como “seminal” e afirma que sua fonte de inspiração foi o avassalador John Bonham (o Bonzo do Led Zeppelin). Já o coruscante Thomas curte Bob Marley, Skank e Guns’n’Roses.
Não há como passar incólume pelo carisma dos garotos. A conversatina aprofunda-se para o que a rapaziada anda lendo. Novamente Pe Lu sai na frente e comenta que leu recentemente as biografias de Eric Clapton, Slash e a fascinante bio de Keith Richards. Os outros ficam caladinhos diante da atividade intelectiva do colega. Aproveito a deixa e lanço se algum deles já leu a bio do Lobão. Foi a deixa para algumas risadas seguidas do repique de Pe Lanza que abre este texto.
Aproveitando um momento em que Koba disserta sobre sua geração, dizendo que eles falam de tudo numa boa – “da vida, de sexualidade, das drogas, do mundo, do tsunami no Japão” –, pergunto se algum deles é gay. De primeira e na maior naturalidade, Pe Lanza responde: “Somos héteros”. E desbaratina: “Temos consciência de muita coisa, não somos alienados”. Quero saber então sobre o tal movimento happy rock. Novamente é Pe Lanza quem responde, revelando uma faceta bem mais comportada da que usou para desafiar Lobão: “Criamos esta onda porque a sociedade está muito escrachada. Tem garota perdendo a virgindade aos 12, 13 anos. Nossa rebeldia é contra a violência, a maldade e a promiscuidade. Somos ligados na nossa família, nos amigos e contra qualquer tipo de preconceito. Se alguém quer usar tênis colorido e calça de oncinha, o problema é dele”.