A era da delicadeza

Para Alê Youssef é preciso entender as tranformações socias para entrar na esfera pública

por Alê Youssef em

Já passou o tempo em que o capitalismo selvagem, a busca pelo acúmulo de capitais a todo custo e a lógica do mercado ditavam toda a nossa vida em sociedade. A crise econômica mundial colocou em xeque esse modelo e ajudou na percepção de que vivemos a necessidade de uma total transformação.

 

O ponto de mutação teorizado pelo grande físico Fritjof Capra vai além da escassez de recursos naturais e das mudanças climáticas. O ser humano parece mergulhar numa transformação radical: cada vez mais as pessoas estão em busca de um sentido para a vida, querendo deixar um legado, pensando em construir um mundo melhor, não se contentando apenas com seu próprio bem-estar. É cada vez mais comum encontrarmos ricos infelizes ou pessoas que sempre foram arredias à política buscando algum engajamento e preocupadas com o futuro do mundo que seus filhos habitarão.

Talvez seja por isso que filosofias orientais que pregam a tolerância e o equilíbrio, estudos que levam em conta uma visão holística do mundo e ações em defesa de um mundo sustentável estejam em voga e se alastrem por toda parte, gerando cada vez mais interesse e participação.

Esse refluxo em busca de uma nova vida e identidade do século 21 pode ser considerado um efeito colateral provocado pelo sistema agressivo do século passado. Voltando a Capra, quase um novo ciclo se inicia em contraponto ao movimento anterior. A ideia de ter cada vez mais, do ponto de vista material, parece não ser mais suficiente para nossa felicidade.

A própria revista Trip é um exemplo de transformação. A ideia de discutir a fundo os pilares de uma vida feliz mudou não só a revista, como o mercado em que ela estava inserida. Vieram com isso uma função social mais ativa, o prêmio Trip Transformadores e o Festival de Política.

Acredito que a palavra que melhor simboliza esse novo momento que descrevo aqui é delicadeza. Precisamos dela em todas as áreas, e na política não é diferente. Em ano eleitoral, isso fica mais evidente com discursos repetidos e promessas presas ao passado e que não representam esse anseio crescente nos corações das pessoas. Esse mergulho quase espiritual deveria estar em pauta na agenda de todos os candidatos na eleição deste ano. A sensibilidade de compreender antes transformações sociais desse nível deve ser uma das mais importantes qualidades de um homem ou de uma mulher que se dispõe a entrar na esfera pública.

PÓS-LULA

No atual processo político brasileiro, acredito que, por enquanto, apenas Marina Silva tem demonstrado a compreensão desse novo momento.

Ela tem se diferenciado justamente por sua delicadeza. Sua insistência na luta por um mundo sustentável, a busca por novos valores na política que simbolizem o rompimento com o modelo do passado e a crença na união nacional são marcas importantes.

Precisamos que todos os candidatos para todos os cargos em disputa entendam o que está acontecendo com nosso mundo. Necessitamos de outras ideias, outras propostas, outras prioridades. Esse é o salto de qualidade que falta para nosso país e talvez seja o ponto fundamental da reconciliação de tantas excelentes cabeças com a política real e a esfera pública. Vamos preparar o Brasil para o futuro. Que o pós-Lula seja a era da delicadeza.

*Alê Youssef, 35 é sócio do Studio SP e foi um dos idealizadores do site www.overmundo.com.br. Seu e-mail é ayoussef@trip.com.br

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