A Copa do mundo não é nossa
O futebol aproxima as pessoas, pena que seja explorado por governos e investidores
Caro Paulo,
A viagem para o Butão aconteceu muito além da minha melhor imaginação. Obrigado pela dica. Vamos jantar para trocar figurinhas e matar a saudade.
Levamos dez camisas da seleção canarinho que ficaram por lá como previsto. Inclusive a minha inseparável e valiosíssima mochila Vivo/CBF, que era o meu abre-alas e sorrisos, ficou por lá, com o nosso querido guia Chuencho. Incrível! Butaneses e cambojanos de todas as idades quando me viam com a mochila se dirigiam a nós em tom cúmplice e amigo, como se tivéssemos algo muito legal em comum: "Ronaldo, Ronaldo!". Ninguém falava: "Brasil, Brasil!". Conclusão: o futebol é uma linguagem universal que aproxima as pessoas.
Pena que ele seja relacionado a nacionalidades e explorado por governos que têm interesses muito aquém do potencial pacificador e integrador desse esporte. Não menos lamentável são os investidores sem amor ao time que exploram seu potencial comercial, cafetinando a fidelidade de suas torcidas e distorcendo o propósito do clube.
Felizmente a comunicação globalizada tem facilitado para os fãs acompanharem seus ídolos além-fronteiras e começarem a torcer por um Manchester United ou um Barcelona, mesmo sendo brasileiros morando no interior de Minas. Times e torcidas são pessoas: identidades e emoções. O resto é interesse. Inverter essa ordem é perigoso.
IDENTIDADE MÚLTIPLA
Gosto dessa confusão de time, país e ídolo. O ser humano não é simples e essa é a graça. A nossa identidade é feita de características e escolhas como time, religião, valores, nacionalidade, política, alimentação, sexo, estilo, família etc. Essa diversidade de escolhas nos ajuda a nos expor ao mundo como únicos e a nos integrar à diversidade que caracteriza a humanidade. Com um a gente discorda no time, mas concorda na religião. Com outro a gente se encontra na opção sexual, mas não se cruza no partido político. É essa complexidade que faz a convivência rica, interessante e com grande chance de ser pacífica e promotora da nossa evolução.
Por isso, é brutal e violentamente empobrecedor simplificar e reduzir uma pessoa a apenas uma de suas características ou escolhas: "Ele é corintiano!" ou "Ele é muçulmano!" ou "Ele é argentino!". O Nobel Amartya Sen diz que essa atitude promove a "miniaturização do ser humano" e é a razão do fracasso de todos os planos de paz que fazem essa redução. Confira no seu lindíssimo Identity and violence - The illusion of destiny (Identidade e violência - A ilusão do destino).
Não fosse a exacerbação desse nacionalismo fragmentador de um planeta carente de integração, a Copa do Mundo seria uma festa perfeita para promover a paz. Até uma Brahma que tem uma proposta tão legal e cordial, como a do brasileiro brahmeiro, caiu na ideia fácil da torcida violenta nacionalista. Ainda bem que mudaram a campanha.
Te ligo para marcar o jantar Butão.
Abraço forte,
Ricardo
*Ricardo Guimarães, 61, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é rguimaraes@trip.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus