A arte de perder

por Luiz Alberto Mendes em

Perder

 

Viver é perder. É vivendo que se vai perdendo. Perdemos os sonhos, as ilusões e até os medos. Perdemos nossos avôs, nossos pais e às vezes nossos filhos. Vivemos perdendo vida afora. Nossa cultura, ao contrário, nos ensina a ganhar, se queremos ter sucesso. Toda glória é só para quem ganha. O segundo lugar é para deixar claro quem perdeu. O problema é que são poucos primeiros lugares, não cabemos todos neles. O que resta é frustração para a maioria.

Na pegada que vai a vida, a gente devia aprender a perder e não a ganhar. Assim como não temos cursos que nos ensine a sofrer, também não sabemos de que maneira ensinar a perder. Sofrer e perder figura até como sinônimos do tanto que se associam na vida da gente.

Perder sem sofrer é uma arte. As culturas orientais já têm uma milenar caminhada nesse sentido. O desapego dá até para concluir com os budistas, é a única saída para quem não quer sofrer. Mas sofrer esta na cultura judaico-cristã como meio de vencer o pecado e atingir a salvação. Os cilícios e os aparelhos de tortura da idade média demonstram isso claramente.

No Oriente a Kundaline é o caminho da realização através da prática sexual. Aqui no Ocidente a abstinência sexual voluntária também tem esse mesmo sentido. São muitos caminhos e alguns que se cruzam e até antagonizam.

Dizem que sou despojado, talvez. Perdi muito, quase tudo. Conservei a vida por teimosia, então:

 

Perder

 

Gosto de me perder

Por algum tempo

Antes de voltar

Para o perigo que consisto.

Pesado de chumbo

Vivo a cair sem nunca

Chegar ao fundo.

Sinto que me ajudaria mais

Se estivesse mais distante

De mim.

Amigo e inimigo

Tolo e estranho de mim mesmo

Vago sob a superfície

Querendo saber o que acontece

Sem saber o que acontece

De fato.

                         

Talvez devêssemos fazer exercícios de perder. Perder algo propositalmente todos os dias. Uma caneta, um livro, até chegarmos a uma carteira, documentos, dinheiro... Devíamos nos exercitar, caso fosse possível, também em perder pessoas. Começar por aquelas mais distantes até chegar nas mais queridas. Parece que essa parte do curso torna-se inviável. A não ser que nós nos perdêssemos delas. Mas então, seríamos misantropos. Daqueles yoguins ou sadus que vão viver lá no Himaláia. Ou perder apenas o apego, a possessividade e o domínio, talvez. Mas ai é mais difícil, quase impossível para nós, herdeiros da civilização ocidental. 

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Luiz Mendes

18/08/2010. 

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