20 POEMETOS
20 POEMETOS
1) Queria, a cada novo dia escancarar a janela
Enxergar o dia antes que ele abrisse os olhos
Do rumoroso deserto de sonhos
Em que ainda se encerra...
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2) Será que sonhar é bom
Depois de ter um por um
De seus sonhos esmagados?
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3) Sou desses loucos por viver
E queimo imóvel
No centro dessa fogueira.
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4) Uma leve folha ao vento
É enfeite no ar, sorriso na água
E ligeiro ressonar de um amor suspirado.
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5) Se perguntarem,
Digam que roubei, que até matei
Mas não esqueçam também de dizer
Que tive minha infância massacrada
Que fui torturado e espancado de todas as formas
Que vivi a vida toda preso como bicho
Em jaulas de concreto cercadas por muralhas
Que também me assaltaram
E me mataram de muitas mortes.
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6) Sofrer de repente, sem ter porque
Apenas sofrer desumanamente
Como pedras que caladas se tornam limosas
Sofrer por outros, dores repetidas, internitentes
Ondeantes, num suspiro...
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7) Pássaro desassossegado revoava
Além da possibilidade de paz
Os pensamentos ecoavam em estranhos ruídos
Os olhos se embebedavam de neblina
O ar estava prenhe de segundos
Cego e aceso como morcego
Vazio como espelho, refletindo sem guardar
E minhas mãos, hostes de bárbaros que se moviam
Inventando flores em teu rosto...
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8) Precisava ser desfeito para ser refeito
A gravidade da vida me conservava vivo
Mas sem prumo, sem contrapeso existencial
Protegia a liberdade das vontades submersas
Engolia idéias inteiras pelas hastes
Tentando expropriar os últimos resíduos do sol
Que o dia deixara.
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9) Depois da janela chovia e ventava
Na guia da rua, mais que duramente
A enxurrada arrastava margaridas apodrecidas
Da esquina mágica dos despachos
O ar de chumbo ameaçava a gravidade das coisas
Bêbada de tragédia e significados
A vida expressava uma beleza penosa.
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10) Quieta a luz macia e mole suspendia
Como o verde vivo das primeiras folhas
O sol exagerando de amarelo.
A sombra e o vento passavam
Como roupa lavada, cheirando a luz...
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11) Aquelas belezas seriam extintas
Aqueles seres se findariam em breve
Nunca mais existiriam
No fundo é tudo chuva que orvalha folhas caídas
Que um dia irão secar.
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12) Que palavras inventarei agora
Para te dizer que te amarei a vida inteira?
Com quantas palavras sentir
E em qual delas persistir?
Roteiros itinerantes para destinos inexplicáveis.
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13) O que tenho a te dar
É como se desse eu mesmo e ficasse eu
Mais que qualquer acontecimento ou palavra
Teu, na primeira visão de teus olhos.
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14) Aquela súbita escuridão
Lembrava água fétida
De vaso encharcados e flores mortas
Azeda e nauseabunda
Cheirava os piores pesadelos
Mas porque, se me libertei
De meu destino de perder-me?
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14) O aço polido do desejo
Despe da roupa o corpo
E planta o corpo em outro corpo.
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15) Deixo de mim o mundo
Porque reconheço meus caminhos de pedra
Nos passos que ecoam duros
No calçamento.
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16) Eu era diferente da lembrança
Que possuía de mim
Parecia impossível haver sido eu mesmo.
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17) O sol coagulava vermelho
No horizonte inatingível
A tarde ia chegando mastigando vestígios do dia
Com seus dentes afiados
O vento decepava flores com pesadas lâminas
Luzes indecisas rolavam a esmo
A noite descia pálpebras sobre os olhos
Lembranças antigas como a lua e o céu
A orientar nossos rumos incontíveis.
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18) Enquando o ultimo fiapo de sonho se extinguia
Eu era um trem a se fundir com as sombras
Mergulhado naquele silencio de sal grosso
Como um livro fechado, sentia-me inútil
As estrelas vibravam, solenes
Mais uma bofetada do destino
Um grito mudo esparramava cada pouco de mim
Pelas calçadas sujas de lama.
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19) A vida avança para dentro de nós
Como um soco
O que mais podemos sentir
Por dentro dos rolos de arame farpado
Que envolvem a vida da gente?
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20) A cortina de chuva transpassada pela luz
A brilhar na janela
Me faz humano da cabeça aos pés
E todas as coisas ao redor se fazem próximas
O sempre e o nunca se misturam
Como o doce e o salgado
No agridoce.
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Luiz Mendes
17/06/2009.