Transformadores 2013: Daniela Mercury
A cantora experiente que se tornou revelação
Desde o dia 3 de abril de 2013, a vida de Daniela Mercury passou por uma revolução. Acostumada à exposição pública de uma longa carreira sobre os palcos e à frente de multidões atrás de seu trio elétrico, a cantora baiana teve a coragem de vestir um novo figurino: a de ícone da diversidade, desde que publicou uma série de fotos que anunciavam seu casamento com a jornalista Malu Verçosa.
Depois de dois casamentos heteroafetivos e cinco filhos, Daniela botou o pé na porta do armário em que uma parcela da sociedade ainda quer guardar aquilo que é diferente dela, mesmo que diga respeito a questões que não interessam a mais ninguém, como o amor entre duas pessoas. Trazida a público no momento em que a homofobia ganhava espaço na Comissão de Direitos Humanos e Minorias do Congresso Nacional, sua declaração de amor tornou-se um ato político imprescindível.
Embaixadora da Unicef há 18 anos e responsável pelo acolhimento de crianças e adolescentes em seu Instituto Sol da Liberdade, Daniela subiu o tom em direção ao respeito ao próximo e às mudanças de comportamento sem desafinar. Em meados da década de 90, sua voz era o canto de Salvador. Hoje, ela fala por mulheres e homens de todo o país que querem garantir seu direito de amar.
Coragem para dizer o que tem que ser dito
Aliás, falar é uma das paixões de Daniela. Tanto que admite não saber dar entrevista de um jeito formal. “Não sou burocrata”, ela diz. Gosta de falar o que vem de sua intuição, do sentimento do momento.
Ela também não gosta de ficar sentada, admite enquanto conta sobre os shows recentes e mais intimistas onde ela teve que se segurar para não fugir do combinado, apesar de no quarto show desta série não ter resistido e dançado um pouco. Aproveita a deixa do assunto para comentar sobre o seu improviso no palco, na dança. “Tenho essa coisa de ser criadora. É fácil ser pautado pelo que tá aí, mas se arriscar é o que transforma. Se não tiver coragem para por a cara a bater o tempo todo da vida, você não muda as coisas”.
E esse é o jeito de Daniela. Sabe se impor e dominar o assunto. Sabe que tem propriedade para falar de muitas coisas. Comenta sobre bebês com a mesa desenvoltura que conta como modificou o carnaval de Salvador para um modelo mais profissional e que sustentasse a carreira dos músicos. Alguém tem que fazer o que precisa ser feito. “Sou muito múltipla e tenho muita energia. Por que as pessoas se impendem de fazer as coisas?”, ela questiona para afirmar que vai fazer tudo que achar necessário enquanto ri da dificuldade que sua equipe empresários tem para defini-la ou administrar tantas ideias ao mesmo tempo.
Engana-se quem considera essa última reviravolta na vida de Daniela seu gancho para um vida atenta ao mundo. Lembra-se da infância e responsabiliza os pais por ter sempre um pensamento sensível. De acordo com ela, sua casa era quase um centro para ajudar quem precisava. Ela é filha do meio em uma família de cinco filhos. Família que ensinou a ela ter paciência, tolerância e amor.
“Se a gente for mais forte tiver mais caráter talvez nosso políticos melhorem. A sociedade precisa antes de tudo repensar sua atitude cotidiana, a flexibilização de valores em algumas circunstâncias”
Diante disso, Daniela teve a capacidade de transformar seu talento em um canal para dizer o que pensa e sente, além de divertir é claro. “Me traduzi com o que me tornei publicamente. Canto para transformar. Sou eu de classe média, branca. Aprendi a ser baiana no Pelourinho dançando desde os sete, oito anos”, diz considerando que sua vida não existiria sem isso. Ela tem origem europeia, mas também é africana.
Quando ela virou embaixadora da Unicef depois de estoura como cantora no Brasil todo, ela já era um militante. “Me sinto socióloga. Lia Simone de Beauvoir com 15 anos”, ela comenta. Ela não o artista que estampa um campanha social porque é algo bacana de se fazer. Ela gosta de estudar as questões que defende e entender o que está fazendo com exatidão. Se diz funcionária e até brinca que a Unicef usa pouco ela. “Tenho alma política”, ela diz antes de revelar que já foi convidada para ser deputada, posição que ela negou por acreditar já exercer de alguma forma com o que fala em entrevistas. E tem razão. Num analogia podemos chamar o palco de Daniela de palanque. Ela gosta de discursar e revela até uma consequência divertida do tanto que fala. No Youtube basta procurar pelos termos “Daniela Mercury discurso” para encontrar vários vídeos de Daniela fazendo considerações sobre vários temas - discurso contra a violência, contra homofobia, contra o racismo.
Ela tem coragem para dizer o que precisa ser dito. Foi firme em se posicionar em 2012 diante de uma greve da polícia militar baiana que teve como consequência uma onda de homicídios e manchou o Carnaval daquele ano. Mas ela não culpa os policiais, sabe que o problema é mais grave.
“Se a gente for mais forte tiver mais caráter talvez nosso políticos melhorem. A sociedade precisa antes de tudo repensar sua atitude cotidiana, a flexibilização de valores em algumas circunstâncias”. Ela cobra também um maior conhecimento das leis. “O brasileiro tem pouca noção das leis”, ela diz reclamando um pouco de como a constituição muitas vezes é preterida em função de leis religiosas, por exemplo.
Daniela acredita que é preciso transgredir quando necessário. A imaginação, por exemplo, é uma arma de transgressão, uma liberdade. “O mundo é uma grande ficção cada um interpreta a vida quer”.
Dona de uma sensibilidade que a deixa facilmente triste quando vê situações ruins, Daniela procurar pensar que a humanidade está melhor do que já foi. Ela sabe que sua indignação com o machismo, desrespeito e intolerância que ela via ainda criança no ônibus e ainda viu muitas vezes na vida não pode ser uma força que a deixe para baixo, mas sejam energia constante para ela ajudar quem estiver por perto. Seja com ações, seja com sua voz.