O bê-a-bá já era

Os indicados ao Prêmio Trip Transformadores falam sobre educação na nossa edição especial

por Rodrigo Vergara em

Para transformar é preciso ser criativo, antes de tudo. É preciso enxergar uma maneira diferente de enfrentar os desafios que todos veem, mas não conseguem vencer. Os indicados ao Prêmio Trip Transformadores de 2011 são pessoas criativas. Mas não foi a escola que cultivou essa capacidade. Pelo contrário. Em suas histórias de vida, que você lê a seguir, a escola aparece, na maioria das vezes, como uma espécie de vilã que mata as ideias originais. No lugar dela, suas histórias revelam importantes contribuições da família, de pessoas iluminadas que cruzaram seus caminhos. De uma sorte. Hoje, eles querem proporcionar, aos outros, a oportunidade que tiveram na vida. Todos serão homenageados na entrega do prêmio, que ocorre no dia 26 de outubro, no Auditório do Ibirapuera.

O Prêmio Trip Transformadores é apoiado por marcas com princípios alinhados à iniciativa e a seus indicados. Este ano o prêmio é patrocinado por O Boticário, nosso parceiro desde 2008, e Itaú, e apoiado por Audi, Grupo Ink, Suzano Papel e Celulose, Instituto Ecofuturo, H2OH!, Timberland e almapp/bbdo. Transportadora oficial: Gol Linhas Aéreas Inteligentes. Rádio oficial: Eldorado Brasil 3000.

Para saber mais de Trip Transformadores acesse o site www.trip.com.br/transformadores

Na edição impressa, esse caderno foi publicado em papel reciclato suzano® branco 120 g/m², 100% reciclado, produzido pela suzano papel e celulose. Reciclato® é a marca da Suzano que tem uma atuação participativa, entendendo que todos nós precisamos nos sentir desafiados a fazer diferente e construir um futuro mais sustentável. Reciclato® é a primeira marca a levantar a bandeira do uso do papel 100% reciclado em grande escala, transformando resíduos urbanos em produtos de qualidade. Seu consumidor é consciente de suas atitudes e por isso busca produtos que reforcem sua preocupação socioambiental.
Cesare de La Roca Entre os fundadores do Projeto Axé em 2004]<p>“As pessoas se educam entre si”</p><p><strong>Cesare La Rocca </strong></p><p>Arte-educador e criador do Projeto Axé, transformou a vida de quase 15 mil jovens em situação de rua em Salvador, Bahia</p><p>“A educação via escola está totalmente falida. Ela destrói a dimensão do prazer. Ter prazer na escola é proibido, é pecado. A proposta do Projeto Axé é o oposto disso. Nossa pedagogia foi inspirada em duas frases que ouvimos das crianças. A primeira é o famoso ‘Não tenho nada a perder’. É trágico ouvir isso de uma criança de 10 anos. O que fizemos com ela para deixá-la assim? Como estimulá-la a sonhar e desejar novamente? A resposta a essa frase surgiu numa tarde depois de levarmos 50 meninos para assistir a um espetáculo de dança, O lago dos cisnes, no teatro Castro Alves, em Salvador. Estávamos apavorados com o que poderia acontecer quando eles entrassem naquela sala de espetáculos. Eram meninos e meninas de rua, tínhamos medo de que eles destruíssem tudo. Passei o tempo todo olhando para o grupo. E, para nossa surpresa, eles foram completamente absorvidos pelo que acontecia no palco. No fim, conversando na calçada, uma menina disse: “e por que não nós também?”. Pronto, havia nascido um desejo. Tudo o que sabemos sobre as crianças aprendemos com elas. É como diz Paulo Freire. Ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho. As pessoas se educam entre si.”</p><p><!-- pagebreak --></p><p><span >[IMAGE=https://revistatrip.uol.com.br/_lib/common/imgCrop.php?params=trip-203-transformadores-0025.jpg_._450_._600; CREDITS=; LEGEND= - Crédito: Arquivo Pesssoal

“A lição mais importante aprendi com meu pai"

Renato Sérgio de Lima 
Sociólogo, ajudou a fundar e hoje está à frente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um canal de diálogo para monitorar e aperfeiçoar o trabalho das polícias

“A lição mais importante aprendi com meu pai, que foi o respeito pelo diálogo. Ele é um homem conservador, com quem eu tinha muitos embates. Mas, mesmo com posições muito diferentes, aprendemos a respeitar a opinião um do outro. Minha mãe era a mediadora. O trabalho no Fórum Brasileiro de Segurança Pública mantém vivo esse conhecimento. Lá, aprendo a me colocar na posição do outro e a encontrar elementos que permitam o diálogo. Aprendo a ter disposição para conversar e compreender valores diferentes. Se defendo um ponto, tenho que saber que existem outros. Para isso, é preciso ter acesso à informação e ter capacidade de interpretá-la. Embora venha de uma família de classe média baixa de São Paulo, tínhamos uma biblioteca grande em casa, meu pai lia jornal. Tive uma professora de estudos sociais na 5ª série que fugiu da educação tradicional e trouxe para a sala de aula fatos do cotidiano para a gente discutir. Isso era ousado, porque era o período pós-ditadura. Anos mais tarde, um professor de história se propôs a contar a história a partir dos jornais, usando o mesmo método. Mas a turma não aceitou, achou que ele não estava ensinando história. Ainda bem que a primeira professora já tinha me influenciado a ter indignação.”

 

e pai e filho em casa, também no Rio, 1943 - Crédito: Arquivo Pesssoal/ Jean Manzon

“Aprendi pelo exemplo com meu pai”

João Cândido Portinari 
Reuniu e organizou o acervo relacionado à obra de seu pai, Cândido Portinari, para desvendar ao Brasil a arte brasileira

“Minhas andanças pelas escolas de outros países começaram quando eu tinha 7 anos. Minha primeira escola estrangeira foi na França, em uma escola pública, logo após a Segunda Guerra Mundial. Foi riquíssimo. Havia feridas da guerra, problemas de racionamento e uma grande desconfiança dos franceses, porque muitos conterrâneos haviam colaborado com os nazistas. Com a situação atual de violência no mundo, as pessoas novamente estão ansiando por mensagens paz, de amor e de fraternidade. A obra de meu pai, Cândido Portinari, foi feita para isso. Ele disse: ‘O homem merece uma vida mais digna. Minha arma é a pintura’. Meu pai, sem dúvida, foi a pessoa mais importante na minha educação, por ensinar-me pelo exemplo de vida, a maneira mais duradoura, mais forte e legítima de ensinar um filho. Muito mais didático e pedagógico do que ensinar pelas palavras.”

 

Garrido na formatura do 4º ano primário - Crédito: Arquivo Pesssoal

“O Esporte me ensinou que existe Solidariedade”

Nilson Garrido 
Ex-pugilista, ex-morador de rua, promove cidadania pelo esporte, em academias criadas sob viadutos na cidade de São Paulo

"Quando eu estava no 5º ano do ensino fundamental, soube de um grupo de teatro na escola e me inscrevi. O professor me deu um texto e pediu para eu decorar e interpretar. Quando eu comecei, ele me interrompeu, me chamou de incompetente e me mandou sair do palco. Ele estava destruindo o sonho de uma criança. A professora de matemática viu que eu fiquei magoado, percebeu que eu poderia ficar rebelde e não gostar mais da escola. Então, ela criou outro grupo de teatro, me ajudou a ensaiar, me deu força. Com aquela peça, vencemos o concurso da escola. Se eu tivesse esmorecido e me enquadrado no choque, não ia avançar. A professora foi fundamental na minha formação. Mas meu grande professor foi o mestre Erotildes Baltazar, que me iniciou no boxe. Não foi só com a porrada do que era a vida que ele me ensinou, foi com muito diálogo e senso de responsabilidade. O Baltazar mostrou que há solidariedade no mundo esportivo e isso foi o fator vital de todo o trabalho que fazemos hoje.”

 

Jean na volta a Alagoinhas (BA), após vencer o BBB 2005 - Crédito: Arquivo Pesssoal

“apesar do Bullying, eu adorava ir à escola”

Jean Wyllys 
Primeiro deputado homossexual a empunhar a bandeira do combate ao preconceito no Brasil

“Na infância sofri bullying por ser uma criança que fugia do papel de gênero que se espera do sexo masculino. Eu não jogava futebol, brincava com as meninas, gostava de livros, de desenho animado, era mais delicado. A violência simbólica vinha de colegas e professores. Mas eu amava aprender. Apesar do bullying e da fome em casa, a gente se arrumava cedo, vestia o uniforme de tergal e chegava bem antes de o portão abrir para sentar bem na frente da sala. Estudar era um prazer. Fora da escola, aprendi muito com minha mãe. Nós éramos paupérrimos e ela nos mostrou que o que era dos outros não era nosso. Muitas vezes, quando íamos junto com ela entregar a roupa que lavava em casa, as patroas nos davam doces. Ela nos olhava, querendo dizer: ‘Não aceite. Você é pobre, mas tem dignidade’.”

 

Zélia na porta da estação de pesquisa do Atol - Crédito: Arquivo Pesssoal

“aprendi com a natureza a ter humildade"

Maurizélia da Silva Brito 
Chefe da Reserva Marinha do Atol das Rocas, luta pela preservação da reserva, verdadeiro berçário do Atlântico Sul

“Um dia, no atol, vi uma ave migratória com a asa quebrada, sem conseguir voar, tentando vencer o mar. De repente, outras aves começaram a voar sobre ela, gritando, fazendo barulho, enquanto a coitada surfava as ondas. Parecia que estavam dando força para ela chegar na areia viva, para não morrer no mar afogada. Era como se eu visse a mim mesma, no passado. Quando eu comecei a trabalhar no Ibama, eu estava perdida. Era dependente química do álcool, logo quiseram me demitir. A Zezé [Maria José Brito Zaqui], engenheira florestal, segurou minha mão e apostou em mim, conhecia a mim e a minha família. Ela me deu três meses pra entrar no eixo e eu renasci. No atol, também aprendi a ter humildade e simplicidade, porque lá a natureza é de uma simplicidade absurda. Essa é uma lição que todos deveríamos aprender. Por isso eu acho que, no futuro, desde muito pequenas as crianças terão aulas de campo. Vejo um programa de educação ambiental com mais prática de campo, porque é pelo tato, pelo cheiro e pelo olhar que se absorve conhecimento ambiental. Para destruir não precisa de testemunha, mas para preservar precisa de todas as classes, de todas as gerações.”

 

Pablo na Casa Fora do Eixo de São Paulo - Crédito: trip 203, Transformadores, premio trip transformadores, escola, aprendizagem

"na era digital não tem quem ensina e quem aprende"

Pablo Santiago Capilé 
Criador do Circuito Fora do Eixo, rede independente de produção cultural que promove 5 mil eventos por ano

“Para mim, só se aprende brincando. Hoje em dia a gente não precisa mais acreditar que só vamos ser felizes em parte do nosso tempo, o que se costumava chamar de tempo livre. Não tem tempo livre. Escola, trabalho e lazer estão todos misturados. Primeiro, porque só dá para trabalhar em rede e colaborar se você estiver muito estimulado, se divertindo. E em segundo lugar porque na era digital não tem quem ensina e quem aprende. Não tem intermediários, aquele que te formata. A rede não tem centro, só tem ponta. E todo mundo está nas pontas, contribuindo para fortalecer as outras pontas. Todo mundo ensina e todo mundo aprende. Por isso, eu acredito que a escola do futuro é a não escola. É uma escola capaz de entender que as respostas estão em uma mistura de vivência, autoformação e construção colaborativa. As soluções da educação do futuro estão sendo construídas nas redes.”

 

O estilista em 3x4 aos 17 anos - Crédito: Arquivo Pesssoal

"Quero ver filho de políticos em escola pública"

Ronaldo Fraga 
Estilista, reconta a história do Brasil em suas coleções e mantém vivas as técnicas artesanais de costura

“Meu pai era descendente de escravos de Tiradentes [MG] e seus avós e bisavós nasceram na fazenda do comendador Bragança, que, segundo consta, estava à frente de seu tempo, já tinha alforriado antes da abolição. Ele criou uma escola para seus filhos que também oferecia aulas para os filhos dos colonos, descendentes de escravos. Todos os dias meu pai era lembrado por sua mãe que ele tinha que louvar a oportunidade de estudar naquela escola. Cresci com esse ensinamento, de que você tem que fazer por merecer, o que você recebe, tem que fazer circular. Minha formação se deu numa época em que o abismo social não era tão oceânico, a escola pública tinha qualidade, tinha mistura entre os filhos do gerente, da empregada, do médico. O Brasil perdeu muito e perde muito com esse rombo entre os grupos sociais. Quero ver sair do papel esse projeto de lei que obriga filho de político a estudar em escola pública. Pensar no filho dos outros como você pensa nos seus próprios filhos será o primeiro passo para melhorar a qualidade do ensino.”

 

Flávio e as crianças do Instituto Reação - Crédito: Divulgação

“Aprendi com o código do Samurai”

Flávio Canto 
Ensina a crianças e jovens carentes tudo o que aprendeu em sua carreira como judoca medalhista olímpico

“O judô me ensinou muito mais do que a escola. Desde cedo, o judoca estuda o código do samurai, que diz que o sujeito só é premiado quando treina com sacrifício, disciplina, buscando a perfeição. Além disso, competir, ganhar e perder coloca nossos pés no chão, ensina a respeitar o adversário e ver nele um professor, alguém que te permite avaliar a si mesmo. Na verdade, o judô continua me ensinando até hoje. No Instituto Reação, eu vejo como há injustiça e como a sorte define as nossas vidas. Isso é duro de aprender, porque exige humildade para reconhecer que uma parte do que você acha que conquistou foi a vida que te deu. Ao mesmo tempo, mostra como você pode ser essa ajuda na vida dos outros. Quando começamos o projeto, o desenho inicial era levar educação formal, alfabetização. Só depois resolvi dar aula de judô. Fiquei surpreso com o poder de transformação do esporte, com a resposta de alunos e pais, a melhora deles nos relacionamentos pessoais era visível. Percebi que eu tinha encontrado uma ferramenta muito poderosa.”

 

Nicolelis em sessão de fotos para a Trip de agosto - Crédito: Lucas Lima

"Minha avó dizia: ‘esquece o que viu na escola'"

Miguel Nicolelis 
Neurocientista, defende o uso democrático da ciência para a transformação social e econômica do Brasil

“Minha avó me dizia para esquecer tudo o que eu ouvia na escola. A casa dela, para onde eu ia de tarde, foi minha verdadeira escola, onde realizei, com liberdade, os maiores experimentos intelectuais da minha vida. Foi ela quem introduziu a riqueza de sons, me contava a história do mundo pela música, a história da Itália por meio da ópera. Tentamos reproduzir essa riqueza nos projetos pedagógicos do instituto [Internacional de Neurociências de Natal], na periferia de Natal [RN]. Lá, as crianças estudam conceitos científicos e a história de Galileu ao mesmo tempo em que fazem repentes, a tradição poética nordestina que exige um exercício de lógica e raciocínio impressionantes. Os estudantes adoram essa liberdade. Essa abertura de expressar um projeto de educação científica pela arte só poderia acontecer no Brasil. Não vejo isso em nenhum outro lugar. Com nosso projeto, queremos envergonhar o poder público brasileiro, mostrando como podem evoluir crianças consideradas violentas.”

 

Alcione e sua mãe, Guiomar, em desfile das crianças atendidas na entidade, em 2003 - Crédito: Arquivo Pesssoal

“minha mãe me ensinou tudo”

Alcione de Albanesi 
Presidente da ONG Amigos do Bem, que cria vilas inteiras onde não há nem água e ajuda 60 mil pessoas no sertão nordestino

“Nada se transforma sem amor. Amor dos pais, dos professores, dos amigos. Se eu amar mais, vou ser melhor em tudo. Amor é um desenvolvimento, a gente aprende a amar mais. Amar a família é fácil. Difícil é amar o estranho, sair da sua casa na chuva e no frio para ajudar quem você não conhece. E, no entanto, a gente encontra esse amor onde a gente menos espera. Certa vez, fomos entregar cesta básica a um povoado do sertão onde todas as casas eram de taipa. A miséria era tão absoluta que igualava tudo aos nossos olhos. Não tínhamos cesta para todo mundo, então fomos dando sem critério. Foi quando uma família, miserável, nos pediu para entregar em outra casa a cesta que estávamos oferecendo a eles. É que na outra casa havia mais bocas para alimentar. Dar o que nos sobra é fácil, mas e dar o que nos falta? Essa capacidade de amar eu busco no exemplo da minha mãe, que me ensinou tudo, das tarefas escolares até meu comportamento. A calculadora faz todas as contas. Mas como lidar com justiça na vida? Ela é minha árvore, eu sou uma frutinha.”

 

Sakamoto com a equipe da Repórter Brasil - Crédito: Arquivo Pesssoal

“A educação tem que ser subversiva”

Leonardo Sakamoto 
Jornalista e professor universitário, é fundador da ONG Repórter Brasil, que denuncia violações dos direitos humanos e da legislação ambiental

“Quanto mais eu aprendo, mais percebo que não sei. A gente estuda muito e fica desesperado porque não sabe tudo. Eu sou tarado por conhecimento, informação, notícia e acho que uma vida só é pouco para aprender tudo o que eu quero. Jornalista é pedante, sabe um pouco de tudo e acha que sabe tudo. Mas, quando vai se especializando, vê que não sabe nada. Mas nem sempre esse aprendizado é agradável ou edificante. No meu trabalho eu aprendo que as desigualdades, a canalhice e a idiotice humanas são muito maiores do que eu imaginava. O único jeito de mudar essa realidade é por meio da educação. Mas não a educação tradicional. A educação deve ensinar para a vida. Gosto de levar a turma de estudantes de jornalismo para o hospital, para o parque, para o assentamento do MST [Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra]. Uma educação transformadora tem que ser subversiva, justa, gerar liberdade e igualdade e produzir revolucionários. Ninguém tem que aceitar os lugares impostos e ser uma engrenagem da máquina.”

Arquivado em: Trip Transformadores / Educação / Ativismo