A sutil arte de educar meninas e meninos
O trabalho do pai de dois filhos e duas filhas: para eles, a importância do respeito; para elas, o combate ao tratamento desigual
Yasmin, Luana, Vitor e Lucca. Como pai de meninos e meninas é impossível não pensar em como educar minhas filhas em uma sociedade na qual o preconceito não é óbvio ou posto às claras. Diante disso, eu tenho feito um esforço consciente em trazer mais referências de protagonismo feminino via, por exemplo, livros com histórias de mulheres empreendedoras e pioneiras em diferentes áreas do conhecimento; mulheres que fizeram história e deixaram legados inspiradores.
Além da literatura, o cinema também está muito presente nessa jornada educacional. Juntos, assistimos ao filme Estrelas além do tempo (Hidden Figures), sobre três matemáticas negras que, além de provarem sua competência todos os dias, precisam superar o preconceito para conseguir ascender na hierarquia da NASA em plena guerra fria. De maneira orgânica, trazemos esses temas para conversas em família, geralmente à mesa de jantar, fazendo uma conexão com o que chamamos de "objeto de aprendizagem", e abordando os fatos alinhados a valores que quero transmitir.
No entanto, ao pensar em como educar meninos e meninas, me rendo a um conceito maior, que independe de gênero. Para os pais, embora o caminho mais fácil e eficiente seja o da padronização – ou seja, tratar os nossos filhos de forma equânime –, penso e me norteio pela sutileza das demandas de cada criança e do momento de vida delas.
Yasmin tem 11 anos e é dotada de um senso crítico e profundidade que já revelam a entrada na pré-adolescência. Há uma clara influência do grupo na decisão individual. Esse é um momento no qual nitidamente a minha presença se faz mais necessária. Luana, aos 9 anos, é mais criança, e as demandas estão associadas ao brincar. Há, nela, uma leveza própria da idade. Yasmin é das letras e do sentimento. Luana da matemática, e tem uma comunicação mais circular. São formas diferentes de ver e interagir com o mundo.
Aos 4 anos, Vitor é muito comunicativo e tem muita clareza dos sentimentos, apesar da pouca idade; e Lucca ainda é muito pequeno e tem a forma de comunicação própria dos bebês. Tenho, em casa, quatro universos distintos em momentos diferentes de crescimento e descoberta. Pequenas pessoas que se encontram e trocam experiências no que chamo Projeto Jantar em Família.
Hoje, toda a tecnologia e informação disponíveis – seja no celular ou no computador – impactam nas relações, sobretudo familiares. Se não houver um filtro de valores da família, os filhos vão adotar outros critérios e formas de enxergar o mundo. Nesse jantar, adotamos o ritual de dividir a vida de cada um de nós. Menos o "como foi o seu dia?" e mais as questões profundas que são abordadas com muita autenticidade. As crianças percebem essa verdade e se abrem de maneira transparente.
É um esforço diário criar esse ambiente de confiança, algo a ser feito agora. Não é quando os filhos chegarem aos 15 anos que essa conversa deve se estabelecer. É um hábito, uma cultura, um valor da família que deve ser nutrido desde sempre. Cabe aos pais estar com o olhar atento para essas sutilezas. É uma construção diária – não é algo que se cria do nada.
“Gostaria que minhas filhas estivessem em um lugar no qual as oportunidades não sejam limitadas ao fato de serem mulheres”
Ao mesmo tempo, esse olhar antecede o gênero e o incorpora de maneira muito particular. E, quando penso nessa questão, meu sonho é que as minhas filhas tenham igualdade de condições. Eu não sei o que cada uma quer fazer da vida, mas eu gostaria que elas estivessem em um lugar no qual as oportunidades não sejam limitadas ao fato de serem mulheres. Existe desigualdade, existe um preconceito velado que tem por alicerce um modelo educacional no qual meninos e meninas são tratados de maneiras diferentes. E temos que romper esse ciclo de desigualdade porque, no ritmo atual, homens e mulheres terão oportunidades, participação e salários iguais daqui a 170 anos – de acordo com estimativa do Fórum Econômico Mundial.
Quero que elas tenham poder de escolha! Que o gênero não seja uma limitação. Óbvio que o meu olhar se volta para o sonho desse lugar, mas faço um questionamento forte sobre a contribuição de cada um de nós para a criação desse ambiente, de conseguir ajudar na construção de maneira ativa e cotidiana.
Não ouso – ou pretendo – me apoderar do lugar de fala feminino. Mas me ocorre que a construção dessa sociedade mais igualitária passa por um questionamento diário de todos nós. Das reflexões mais óbvias, mas que continuam necessárias como, por exemplo, o ato de dar bonecas para meninas e lego para meninos, até atos mais inconscientes como elogiar as meninas por serem "lindas" e os meninos por serem "corajosos".
A minha principal preocupação é que a falta de conscientização leve as minhas filhas a aceitar passivamente essa condição desigual. Ou que acreditem que é assim mesmo: que os líderes de uma organização sejam mais homens do que mulheres, que é natural ter um salário menor do que os homens, que em uma reunião é normal serem menos ouvidas.
Se um homem fala mais forte no ambiente corporativo é porque é confiante, se uma mulher usar o mesmo tom assertivo... é mal-amada.
Como pai de meninos e meninas vejo os dois lados – e tenho dois trabalhos. De um lado, alertar as meninas a respeito dessas questões e entender como se sentem a respeito disso, além de dialogar e prepará-las para combater qualquer tratamento desigual. E, com os meninos, disseminar valores, sobretudo, sobre o respeito.
Claudio Sassaki foi homenageado pelo Trip Transformadores de 2014. Assista aqui sua história.
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