Marcello Airoldi: O Brasil pode afundar ainda mais

Dramaturgo fala sobre chegada tardia à televisão, política e o momento do teatro brasileiro

por Redação em

Quando estreou na televisão no papel do cafajeste Gustavo, na novela da Globo "Viver a Vida", Marcello Airoldi tinha 39 anos. “As pessoas perguntavam onde é que eu estava antes." A resposta é fácil: fazendo teatro já há vinte anos. Difícil mesmo é encontrar Airoldi fora dos palcos; o normal é vê-lo equilibrar duas ou três peças simultaneamente. Mesmo na pandemia o dramaturgo correu atrás e lançou espetáculo on-line, além de um canal no YouTube que já teve Cacá Carvalho, Renato Borghi e Eriberto Leão em leitura de textos clássicos. "O teatro online está em desenvolvimento e nós vamos ficar com ele ainda muito tempo", afirma.

Um estudioso das artes, formado na Escola de Arte Dramática da USP, o ator não se furta a pensar a realidade, que invariavelmente acaba retratada com olhar crítico em suas obras. Sobre o que o Brasil passa hoje, ele dispara: "Eu acho que ainda tem como piorar; mas vai existir um limite, um ponto máximo que possa gerar uma revolução social".  

Em entrevista ao Trip FM, Marcello Airoldi ainda falou sobre envelhecimento e lembrou um teste de elenco desastroso. Ouça o programa no Spotify, no play abaixo ou leia um trecho da entrevista a seguir. 

Trip. Você estourou do dia para noite. Veio de uma longa jornada no teatro, mas de repente, aos 39 anos, chega na maior vitrine do país, com a novela "Viver a Vida". Vamos começar com esse momento. Foi um grande marco para você?

Marcello Airoldi. Eu costumo dizer que cheguei na televisão velho. Tem muitos atores que começam a carreira cedo nas novelas. Tinha muita gente que me perguntava onde eu estava. Como assim? Eu estava fazendo teatro, tocando o departamento de cultura da minha cidade Natal, Barueri. Escrevendo. Muita gente, inclusive da própria família, passa a considerar você como artista só depois que você faz uma novela. É engraçado. Eu não procurei televisão na minha formação. Meu objetivo sempre foi o teatro: queria dirigir, escrever. Tudo isso não é tão fácil na televisão. Por esse motivo eu cheguei muito tarde, mas cheguei pela porta da frente. Talvez até por ser coroa. Eu comecei algumas coisas muito tarde, meu primeiro filho nasceu quando eu tinha 43 anos.

Na época da novela, em entrevista, você fala uma coisa que naquele tempo era normal, mas talvez hoje não caísse bem. Se referindo ao seu personagem, diz que mulher gosta mesmo é de homem cafajeste. Como você vê isso hoje? A gente não pode falar tudo o que quer, do jeito que quer. Corremos o risco de invadir uma seara que você não conhece e aí se torna apenas um palpiteiro. Hoje eu jamais falaria essa frase do cafajeste. A nossa relação com a formação social do machismo ficou mais clara, mudou a medida em que a gente tem mais acesso a informação e que começa a discutir com pessoas que conhecem. O meu personagem era muito ruim: traía a mulher, era de fato um cafajeste, mas o núcleo cômico que ele fazia parte acabava aliviando essas características.

Olhando qualquer indicador, estamos em um momento muito ruim. Piorando índices que já eram péssimos. Você acha que a gente dá uma virada nesse jogo ou ainda afunda mais nesse poço? Eu acho que nós temos o risco de afundar mais. Nós precisamos enxergar que uma geração pode ir mudando outra. Nós tínhamos conseguido, de alguma forma, dialogar um pouco melhor com racismo e homofobia, em algum momento do Brasil. Começou a gerar um incômodo aquela voz preconceituosa no caminho que o mundo começou a tomar. Agora temos pessoas vociferando esses absurdos novamente, dando apoio ao que já vinha se extinguindo. Meus filhos precisam estar em uma escola legal, com pensamento progressista. São coisas que levam tempo. Esse buraco que a gente entrou vai dar condições para que a gente consiga sair dessa situação: as pessoas vão ter que mudar, caso contrário vão morrer. Tem um limite que virá com uma possível revolução social

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