Fernando Meirelles
Diretor de Cidade de Deus detona: "É burrice impor uma visão pior só porque ela é sua"
Fernando Meirelles é o mais importante e celebrado diretor do cinema brasileiro da atualidade. Arquiteto formado pela FAU, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, fundou nos anos 80 a Olhar Eletrônico, produtora que sacudiu e arejou de forma criativa e definitiva o jeito de se fazer televisão no país. Depois de uma década criando conteúdo para programas televisivos, nos anos 90 migrou para a publicidade, fundando a O2 Filmes, atualmente uma das a maiores produtoras do pais.
Sua estreia no cinema aconteceu em 2001, com o filme Domésticas. No ano seguinte caiu nas graças do público, da crítica e ganhou notoriedade internacional com o filme Cidade de Deus, uma das mais importantes obras cinematográficas já feitas no Brasil. Depois, além de produzir diversos outros trabalhos, dirigiu os filmes O Jardineiro Fiel e Ensaio Sobre a Cegueira.
"A crítica, quando dura, violenta e até muitas vezes perversa, tira toda a razão do jornalista, por mais que ele esteja certo"
O papo desta semana no Trip FM é com o cineasta que se prepara para lançar no próximo dia 17 de agosto sua mais recente obra, o filme 360, com Antonhy Hopkins e Jude Law no elenco. No estúdio da Trip, Meirelles falou sobre os novos projetos, a longa carreira dedicada ao filme e sobre a crítica cinematográfica internacional, assunto que abriu os trabalhos do programa.
"A crítica, quando dura, violenta e até muitas vezes perversa, tira toda a razão do jornalista, por mais que ele esteja certo", refletiu o diretor. "Essa não é a maneira certa de se fazer isso. Quando eu cheguei a essa conclusão eu até parei de ler qualquer crítica ao meu trabalho. Já passei semanas respondendo a crítica na minha cabeça e isso tirava um pouco minha vontade de continuar filmando. Então desisti. Há anos que eu não leio uma crítica. Se a crítica ruim é chata para o diretor, a boa é pior ainda. É mais perigosa e mais destrutiva."
Sobre trabalhar no exterior e as relações entre diretores brasileiros com equipes estrangeiras de filmagem, Fernando comentou as facilidades e dificuldades de se envolver em grandes processos cinematográficos hollywoodianos.
"Eu recebo convites e roteiros para filmar em estúdios americanos, mas eu nunca quis. A vida é curta demais e o processo deles é muito longo [risos]"
"Eu nunca fiz um filme de estúdio americano propriamente dito. Todos os filmes que eu faço, inclusive o 360, são filmes independentes nos quais eu sou co-produtor. Assim, minha relação com os outros produtores passa a ser de parceiro e não de funcionário. Isso muda tudo", explicou. "Eu recebo convites e roteiros para filmar em estúdios americanos, mas eu nunca quis. A vida é curta demais e o processo deles é muito longo [risos]."
"Tanto lá nos EUA quanto aqui tem muito colega que acredita que ator é gado, como diria o Fellini [risos]. Mas eu acho que não", continuou Meirelles. "Não usar a sensibilidade que os atores têm é uma estupidez. Antes de começar qualquer trabalho eu quero ouvir exatamente como o ator vê o personagem. E não só com ator: fotógrafos e montadores também. Se você chama pessoas talentosas para trabalhar, o mínimo que você tem que fazer é aproveitar o que você tem na mão. É burrice impor uma visão pior só porque ela é sua."
O diretor também comentou a performance de Maria Flor ao lado de atores consagrados na gravação do filme 360. E para tal não poupou elogios.
"A Maria Flor foi muito valente. Ela foi de igual pra igual com o Anthony Hopkins. Ele era sempre muito generoso com ela, mas depois ela reclamou e disse que, em cena, se sentiu muito sozinha. Dizia que ele era tão experiente que não dava nada pra ela trabalhar. Mas ela enfrentou. E depois ela teve um problema mais complicado com o Ben Foster, que faz um estuprador. Eles se cruzam em um aeroporto por acaso e ela acaba convidando ele para ir para um hotel. E o próprio Ben pediu pra não conhecer a Maria Flor antes da cena em que eles se encontram, tudo para dar mais realismo. Então eles se conheceram realmente naquela cena. Ela enfrentou isso também sem o menor problema. Ela não vacila. A menina é um monstro."