POR: dandara fonseca
ilustração: mariane ayrosa

Muitas vezes normalizados,
os relacionamentos abusivos
por parte de familiares podem
ter consequências psicológicas
e comportamentais

Vamos
falar sobre
família tóxica?

A carioca Lilian Boaventura
teve um bom relacionamento com
sua mãe durante a infância,
mas na adolescência essa
situação mudou completamente 
Eram muitas chantagens
emocionais. Se eu fazia
alguma coisa que não
atendia à expectativa dela,
ela dizia que ia se matar,
que eu estava a matando.
E eu achava que não
podia falar nada, conta
Mesmo vivendo situações
como essa, Lilian só se
deu conta de que havia algo
errado em sua relação com a
mãe quando viu um psicólogo
falando sobre o assunto na TV
Foi libertador entender
o que estava acontecendo,
tirar a angústia de não
poder contrariar. Mas
enfrento problemas até
hoje, após anos morando
sem ela e fazendo
terapia, afirma
Embora as discussões sobre
relacionamentos tóxicos tenham
se popularizado nos últimos
anos, ainda parece difícil
entender que esse comportamento
também pode partir de pais,
mães, tios e outros parentes 
“Além dos laços familiares
serem mais difíceis de
se desfazer, temos uma
consciência católica de
que se deve suportar tudo
pela família”, afirma o
psicanalista Lucas Liedke
Mas como reconhecer se o
relacionamento com alguém
da sua família é tóxico ou
se é apenas uma dificuldade
de convivência? 
Lucas explica que o
comportamento tóxico parte
de uma relação assimétrica,
em que um indivíduo tem
um tipo de poder a mais
que o outro 
“Por meio desse poder,
a pessoa acaba censurando,
aprisionando, enfraquecendo
o outro, diz. Além disso,
a relação passa por um lugar
de não existir diálogo,
de não aceitar conversar”
Para a psicóloga Vívian
Loietes, um sinal importante
para quem vive esse tipo
de relacionamento é se
sentir exausto e desgastado
emocionalmente em um
ambiente familiar
É comum sentir que
é necessário ter muita
cautela na hora de falar,
de agir, de ser você.
Porque se isso acontece
de uma forma espontânea,
tem sempre aquela pessoa
para fazer a crítica, diz
As consequências psicológicas
de um relacionamento tóxico
familiar, ainda que eles sejam
vividos mais intensamente
no período da infância, se
estendem para a vida adulta
Por causa da relação
com minha mãe, até hoje tenho
dificuldade para me impor”,
conta Lilian. “No trabalho,
demorei para entender
um comportamento tóxico
porque certos abusos eram
normalizados por mim”
O resultado de uma relação
tóxica pode ser um eu mais
fragilizado, uma dificuldade
de ter autonomia. A pessoa
fica a mercê do que o outro
vai ou não dizer, fazer,
aprovar, explica Lucas
Mas como lidar com o problema?
Para Vívian, é preciso entender
seus limites, mas nem sempre
isso significa cortar o contato
definitivamente – uma decisão
complexa quando se tratam
de laços familiares 
“Primeiro, fale com calma
para a pessoa como o
comportamento dela afeta
você. É importante dizer
que se sente invalidado
quando alguém, por exemplo,
diz como você deveria ser,
explica a psicóloga
“Elaborar como você está
sendo afetado é sempre
uma tentativa de saída
importante. E se existir um
espaço para o diálogo e para
a escuta, nem tudo está
perdido, completa Lucas
“Além disso, não se empenhe
e coloque expectativas em
consertar o outro, isso
só nos desgasta e frustra
ainda mais. Ninguém muda
ninguém, a única pessoa que
podemos mudar somos nós
mesmos”, diz Vívian
Procurar a ajuda de um
profissional pode ser
um caminho importante nesse
percurso. Mas o primeiro passo,
sem dúvida, é identificar e
não se deixar normalizar
as relações abusivas
“Reconhecer que o
comportamento da pessoa é
tóxicO te ajuda a entender
que é sobre ela, e não sobre
você”, completa Vívian

é outra
conversa.