Muitas vezes normalizados, os relacionamentos abusivos por parte de familiares podem ter consequências psicológicas e comportamentais
Vamos falar sobre família tóxica?
A carioca Lilian Boaventura teve um bom relacionamento com sua mãe durante a infância, mas na adolescência essa situação mudou completamente
“Eram muitas chantagens emocionais. Se eu fazia alguma coisa que não atendia à expectativa dela, ela dizia que ia se matar, que eu estava a matando. E eu achava que não podia falar nada”, conta
Mesmo vivendo situações como essa, Lilian só se deu conta de que havia algo errado em sua relação com a mãe quando viu um psicólogo falando sobre o assunto na TV
“Foi libertador entender o que estava acontecendo, tirar a angústia de não poder contrariar. Mas enfrento problemas até hoje, após anos morando sem ela e fazendo terapia”, afirma
Embora as discussões sobre relacionamentos tóxicos tenham se popularizado nos últimos anos, ainda parece difícil entender que esse comportamento também pode partir de pais, mães, tios e outros parentes
“Além dos laços familiares serem mais difíceis de se desfazer, temos uma consciência católica de que se deve suportar tudo pela família”, afirma o psicanalista Lucas Liedke
Mas como reconhecer se o relacionamento com alguém da sua família é tóxico ou se é apenas uma dificuldade de convivência?
Lucas explica que o comportamento tóxico parte de uma relação assimétrica, em que um indivíduo tem um tipo de poder a mais que o outro
“Por meio desse poder, a pessoa acaba censurando, aprisionando, enfraquecendo o outro”, diz. “Além disso, a relação passa por um lugar de não existir diálogo, de não aceitar conversar”
Para a psicóloga Vívian Loietes, um sinal importante para quem vive esse tipo de relacionamento é se sentir exausto e desgastado emocionalmente em um ambiente familiar
“É comum sentir que é necessário ter muita cautela na hora de falar, de agir, de ser você. Porque se isso acontece de uma forma espontânea, tem sempre aquela pessoa para fazer a crítica”, diz
As consequências psicológicas de um relacionamento tóxico familiar, ainda que eles sejam vividos mais intensamente no período da infância, se estendem para a vida adulta
“Por causa da relação com minha mãe, até hoje tenho dificuldade para me impor”, conta Lilian. “No trabalho, demorei para entender um comportamento tóxico porque certos abusos eram normalizados por mim”
“O resultado de uma relação tóxica pode ser um eu mais fragilizado, uma dificuldade de ter autonomia. A pessoa fica a mercê do que o outro vai ou não dizer, fazer, aprovar”, explica Lucas
Mas como lidar com o problema? Para Vívian, é preciso entender seus limites, mas nem sempre isso significa cortar o contato definitivamente – uma decisão complexa quando se tratam de laços familiares
“Primeiro, fale com calma para a pessoa como o comportamento dela afeta você. É importante dizer que se sente invalidado quando alguém, por exemplo, diz como você deveria ser”, explica a psicóloga
“Elaborar como você está sendo afetado é sempre uma tentativa de saída importante. E se existir um espaço para o diálogo e para a escuta, nem tudo está perdido”, completa Lucas
“Além disso, não se empenhe e coloque expectativas em consertar o outro, isso só nos desgasta e frustra ainda mais. Ninguém muda ninguém, a única pessoa que podemos mudar somos nós mesmos”, diz Vívian
Procurar a ajuda de um profissional pode ser um caminho importante nesse percurso. Mas o primeiro passo, sem dúvida, é identificar e não se deixar normalizar as relações abusivas
“Reconhecer que o comportamento da pessoa é tóxicO te ajuda a entender que é sobre ela, e não sobre você”, completa Vívian