Antes mesmo de Angela Davis, a intelectual mineira falava sobre a interseccionalidade entre raça e gênero, ajudando a abrir caminho para mulheres e pessoas negras na academia e na política brasileira
Embora seu trabalho não seja tão difundido como o de outras intelectuais, a escritora, historiadora, filósofa, antropóloga e militante política Lélia Gonzales foi pioneira como pensadora da relação entre psicanálise, raça e gênero e deixou um legado que reverbera até hoje
Em uma visita ao Brasil para uma conferência em 2019, a celebrada ativista e intelectual norte-americana Angela Davis, que conheceu Lélia ainda na década de 80, questionou a falta de reconhecimento à mulher que a inspirava
“Por que vocês precisam buscar uma referência nos EUA? Eu aprendo mais com Lélia Gonzalez do que vocês comigo”, disse
Mineira de Belo Horizonte, Lélia nasceu em 1935, penúltima de 18 irmãos e filha de um operário negro e uma descendente de indígenas. Sua propriedade para falar também vinha de uma vivência que passou por diversos lugares sociais e geográficos sem romantizar sua trajetória de lutas
Ela começou a vida acadêmica na UFRJ, onde se graduou em História e Filosofia, e seguiu para um mestrado em Comunicação Social e um doutorado em antropologia política, pesquisando sobre gênero e etnia na sociedade brasileira em um período em que ninguém falava sobre isso
“A gente não nasce negro, a gente se torna negro. É uma conquista dura, cruel e que se desenvolve pela vida da gente afora”, disse em um de seus depoimentos mais célebres
Lélia também colaborou na criação de instituições políticas como o Movimento Negro Unificado (MNU), o Partido dos Trabalhadores (PT), o Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN) e o Colégio Freudiano do Rio de Janeiro, além de atuar nas discussões sobre a Constituição de 1988
Sua participação na construção e discussão da democracia brasileira ajudou a abrir caminhos para pessoas negras e mulheres tanto na academia quanto na política – ambientes em que até hoje esses grupos não são devidamente representados
“A mulher negra é responsável pela formação de um inconsciente cultural negro brasileiro. Ela passou os valores culturais negros, a cultura brasileira é eminentemente negra, esse foi seu principal papel desde o início”