“Teus beijos absorvi-os, esgotei-os: Guardo-os nas mãos, nos lábios e nos seios, numa volúpia imorredoura e louca. Em teus momentos de lubricidade, beijarias outros lábios, com saudade dos beijos que roubei de tua boca“
Numa época em que mulheres eram ofuscadas no espaço literário brasileiro, Gilka Machado escandalizava a sociedade ao escrever versos sensuais como esses do poema “Embora dos teus lábios afastada”, publicado em 1928, no livro “Meu Glorioso Pecado“
A escritora carioca, pioneira na poesia erótica feminina, fez sua estreia pública com apenas 14 anos, ao vencer um concurso de poesia organizado pelo jornal A Imprensa, em 1907
“Sinto pelos no vento... É a volúpia que passa, flexuosa, a se roçar por sobre as coisas todas, como uma gata errando em seu eterno cio“
Os versos destemidos da menina não só ganharam o 1º lugar, mas o 2º e 3º também, assinados com pseudônimos. Para o ensaísta Afrânio Peixoto, no primeiro de tantos ataques que a poeta viria a receber, aquilo só poderia ter sido escrito por uma “matrona imoral”
Imagem: revista o malho / Hemeroteca Digital Brasileira
Nascida em 1893, Gilka veio de uma família de artistas: a mãe e grande mentora, Thereza Cristina Moniz da Costa, era atriz, e o pai, Hortêncio da Gama Souza Melo, poeta
Em seu primeiro livro, “Cristais Partidos”, publicado em 1915, Olavo Bilac ofereceu-se para escrever o prefácio, mas Gilka recusou. “Quis aparecer sem defesa, sem escudo”, afirmou em entrevista
A obra foi classificada por alguns críticos como ”perversa” e de ”mau gosto” e por outros como ”ousada, quase revolucionária” e ”sadiamente pagã”. Lima Barreto, Jorge Amado e Carlos Drummond de Andrade foram alguns dos apoiadores de sua produção literária
“As mulheres que gozam hoje de plena liberdade literária para cantar as expansões do instinto e as propriedades eróticas do corpo deviam ser gratas a essa antecessora, viúva pobre que ganhava a vida com esforço e gostava de estar ‘toda nua, completamente exposta à volúpia do vento”, disse Drummond
“Gilka se destaca como precursora na poesia erótica por ter dedicado bom espaço de seus livros a falar sobre o prazer da mulher – um escândalo para os críticos, majoritariamente homens, na época“, afirmou Jamyle Rkain, organizadora do livro “Gilka Machado – Poesia Completa“
Além das críticas que sofreu por ser uma mulher poeta, sem estudo formal e que versava sobre temas sensuais, Gilka foi vítima de racismo
A cor da pele da escritora é motivo de debate entre pesquisadores, mas há registros de que a poeta foi chamada de “mulata“ e com “mentalidade de crioula“ como forma de depreciar seus escritos
Gilka também destacou-se pela atuação política. Em meio à onda dos movimentos sufragistas nos Estados Unidos e na Europa, no começo do século 20, a poeta brasileira participou da fundação do Partido Republicano Feminino, em 1910
Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira / Biblioteca Nacional
O partido lutava pelos direitos das mulheres ao voto, que só foi assegurado pelo Código Eleitoral em 1932, e com restrições
Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira / Biblioteca Nacional
Eleita a maior poeta brasileira do século pela revista O Malho, em 1933, vencendo nomes como Pagu e Cecília Meireles, ela foi a primeira mulher convidada a fazer parte da Associação Brasileira de Letras, em 1977, mas recusou
Gilka morreu aos 87 anos, no Rio de Janeiro, onde morava com a filha, a célebre bailarina Eros Volúsia, que leva o nome do deus grego do amor e da paixão
“As minhas colegas todas escreveram com o cérebro. Eu escrevi com o corpo e a alma. Se você pegar o livro delas, não sabe nada da vida delas. A minha vida está nos meus versos”