POR: Manuela Azenha

Gilka
Machado

mulher foda

apresentar uma

deixa eu te

Fotos: reprodução
“Teus beijos absorvi-os,
esgotei-os: Guardo-os nas
mãos, nos lábios e nos seios,
numa volúpia imorredoura
e louca. Em teus momentos
de lubricidade, beijarias
outros lábios, com saudade
dos beijos que roubei
de tua boca“
Numa época em que mulheres eram
ofuscadas no espaço literário
brasileiro, Gilka Machado
escandalizava a sociedade
ao escrever versos sensuais
como esses do poema “Embora
dos teus lábios afastada”,
publicado em 1928, no livro
“Meu Glorioso Pecado“
A escritora carioca, pioneira
na poesia erótica feminina,
fez sua estreia pública com
apenas 14 anos, ao vencer um
concurso de poesia organizado
pelo jornal A Imprensa, em 1907
“Sinto pelos no vento...
É a volúpia que passa,
flexuosa, a se roçar por
sobre as coisas todas,
como uma gata errando
em seu eterno cio“
Os versos destemidos da menina
não só ganharam o 1º lugar, mas
o 2º e 3º também, assinados com
pseudônimos. Para o ensaísta
Afrânio Peixoto, no primeiro de
tantos ataques que a poeta viria a
receber, aquilo só poderia ter sido
escrito por uma “matrona imoral”
Imagem: revista o malho / Hemeroteca Digital Brasileira
Nascida em 1893, Gilka veio
de uma família de artistas:
a mãe e grande mentora,
Thereza Cristina Moniz da Costa,
era atriz, e o pai, Hortêncio
da Gama Souza Melo, poeta
Em seu primeiro livro,
“Cristais Partidos”, publicado
em 1915, Olavo Bilac ofereceu-se
para escrever o prefácio, mas
Gilka recusou. “Quis aparecer
sem defesa, sem escudo”,
afirmou em entrevista
A obra foi classificada
por alguns críticos como
”perversa” e de ”mau gosto” e
por outros como ”ousada, quase
revolucionária” e ”sadiamente
pagã”. Lima Barreto, Jorge Amado
e Carlos Drummond de Andrade
foram alguns dos apoiadores
de sua produção literária
“As mulheres que gozam hoje
de plena liberdade literária
para cantar as expansões do
instinto e as propriedades
eróticas do corpo deviam ser
gratas a essa antecessora,
viúva pobre que ganhava
a vida com esforço e
gostava de estar ‘toda nua,
completamente exposta à
volúpia do vento”, disse
Drummond
“Gilka se destaca como
precursora na poesia erótica
por ter dedicado bom espaço
de seus livros a falar sobre
o prazer da mulher – um
escândalo para os críticos,
majoritariamente homens, na
época, afirmou Jamyle Rkain,
organizadora do livro Gilka
Machado – Poesia Completa“
Além das críticas que sofreu
por ser uma mulher poeta, sem
estudo formal e que versava
sobre temas sensuais, Gilka
foi vítima de racismo
A cor da pele da escritora
é motivo de debate entre
pesquisadores, mas há registros
de que a poeta foi chamada
de mulata e com mentalidade
de crioula como forma de
depreciar seus escritos
Gilka também destacou-se pela
atuação política. Em meio à onda
dos movimentos sufragistas
nos Estados Unidos e na Europa,
no começo do século 20, a poeta
brasileira participou da
fundação do Partido Republicano
Feminino, em 1910
Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira / Biblioteca Nacional
O partido lutava pelos direitos
das mulheres ao voto, que só foi
assegurado pelo Código Eleitoral
em 1932, e com restrições
Imagem: Hemeroteca Digital Brasileira / Biblioteca Nacional
Eleita a maior poeta brasileira
do século pela revista O Malho,
em 1933, vencendo nomes como
Pagu e Cecília Meireles, ela
foi a primeira mulher convidada
a fazer parte da Associação
Brasileira de Letras,
em 1977, mas recusou
Gilka morreu aos 87 anos, no Rio
de Janeiro, onde morava com a filha,
a célebre bailarina Eros Volúsia,
que leva o nome do deus grego
do amor e da paixão
“As minhas colegas todas
escreveram com o cérebro.
Eu escrevi com o corpo
e a alma. Se você pegar o
livro delas, não sabe nada
da vida delas. A minha vida
está nos meus versos”
Gilka Machado
(1893 - 1980)

é outra
conversa.