POR: ALLINE VALVERDE
ilustração: mariane ayrosa

O termo é novo, mas o problema
é antigo. E compreendê-lo
como uma violência baseada em
gênero é o caminho para mudar
a cultura do parto no Brasil

O que é
violência
obstétrica?

​​Foi só quando assistiu à
filmagem de seu parto que a
influenciadora Shantal Verdelho
se deu conta de que havia
sofrido violência obstétrica
Renato Kalil, um dos obstetras
mais requisitados do Brasil,
foi gravado a ofendendo e
insistindo para que ela
realizasse uma episiotomia
– corte no períneo para
facilitar o parto
O caso reforçou a importância
de falarmos sobre a violência
obstétrica para ser capaz de
identificá-la, acolher e proteger
as vítimas, que muitas vezes
sequer são ouvidas quando
denunciam os profissionais
O termo caracteriza toda e
qualquer agressão sofrida pelas
mulheres antes, durante ou
depois do parto. Na rede privada
ou pública, acontece quando
procedimentos são realizados sem
autorização, informação e não são
baseados em evidências científicas
São alguns exemplos a manobra
de Kristeller (empurrar a
barriga para acelerar a saída
do bebê), a episiotomia e a
ruptura artificial da bolsa sem
consentimento, mas o termo
abrange muitas outras formas
de violência mais sutis
Há também violências
psicológicas, como abusos
verbais, gritos, deboches,
frases como “na hora de
fazer você não reclamou” ou a
proibição da mulher de comer
e beber água durante o parto
São agressões tão
naturalizadas que nem
sempre é fácil identificá-las
– é comum que mulheres demorem
muito tempo para entenderem
que foram violentadas
“É importante nomear e usar
o termo correto. A violência
obstétrica é muito diferente de
um erro médico, por exemplo.
Ela assume diversas formas
e acontece num momento
de extrema vulnerabilidade
da mulher”, diz Ana Lucia Dias,
advogada especializada na
defesa dos direitos das mães
Em 2019, o Ministério da
Saúde orientou que esse termo
fosse abolido em documentos
oficiais. Um mês depois, após
recomendação do Ministério
Público Federal, reconheceu
a legitimidade de seu uso
“O termo violência obstétrica
ganhou força através das
mulheres, movimentos
feministas e do ativismo pela
humanização do nascimento
na América Latina”, explica a
ginecologista Juliana Sandler,
cofundadora da rede Feminista
de Ginecologistas e Obstetras
Além das agressões praticadas
por obstetras, também é uma
definição para abusos
institucionais, como um
hospital sem um anestesista
de plantão ou uma mulher que
não tem o seu direito à
privacidade respeitado
Fonte: “A cor da dor: iniquidades raciais na
atenção pré-natal e ao parto no Brasil”
Embora ninguém esteja
imune, a violência obstétrica
afeta principalmente mulheres
negras, indígenas, LGBTQIA+ e
periféricas – um levantamento
mostrou que a chance de uma
mulher preta não receber
analgesia no parto é quase
o dobro de uma mulher branca
Recursos como a elaboração
de um Plano de Parto (já
garantido por lei em alguns
estados) e o direito à presença
de acompanhante podem inibir
abusos, mas, para gerar
mudanças, as informações sobre
os direitos da gestante e da
puérpera precisam circular
Grupos de grávidas
presenciais ou virtuais,
doulas e a própria Caderneta
da Gestante oferecida pelo
SUS são pontos de partida
Na hora de fazer uma
denúncia, nem sempre a mulher
encontrará o suporte ideal com
família e amigos para cumprir
todo o caminho burocrático. A
invisibilização da dor é comum
justamente porque são práticas
violentas naturalizadas desde
gerações anteriores
Na ausência de uma rede de apoio
próxima, os grupos de maternidade
ativa, de mães e pós-parto podem
ser ambientes seguros para expor
dúvidas e receber indicações
de como proceder
Os principais canais de
denúncia são o Ligue 180,
as ouvidorias dos hospitais
e os Núcleos de Promoção e
Defesa dos Direitos da Mulher
(Nudem) das Defensorias
Públicas Estaduais
Não há reparação possível,
mas a denúncia é um direito e
pode impedir que outras mulheres
passem pela mesma violência 

é outra
conversa.