Existe como uma mulher se vestir para ser avaliada por sua competência – e não sua aparência – em um mercado de trabalho feito por e para homens?
Por trás da roupa de trabalho
“Um guia de moda não vai resolver”, adianta a consultora de estilo Thais Farage, que escreveu com a advogada Mayra Cotta o livro 'Mulher, roupa, trabalho: como se veste a desigualdade de gênero'
O interesse pelo tema surgiu em 2018, quando Thais vestia a então candidata à Presidência da República Manuela D’Ávila: “Qualquer peça de roupa que ela usava era um risco, virava assunto”
“A aparência das mulheres é destacada e julgada em detrimento de outros atributos e competências”, afirma Mayra
Para ela, as roupas de trabalho são uma espécie de armadura. As mulheres se perguntam: com qual roupa vão me deixar em paz? O que visto para não ser assediada, caçoada, atormentada?
“Estamos sempre em pânico, com medo de envelhecer. Mas no trabalho tememos parecer novas demais”, revela Thais. E não são cortes retos e cores neutras que vão resolver a questão
Para ter a chance de pertencer, as mulheres – que na média já ganham menos que os homens pelos mesmos trabalhos – investem mais dinheiro na própria aparência
“O mundo do trabalho foi construído para ser ocupado por homens brancos. O fato de sentirmos desconforto com as ‘roupas de trabalho’ diz muito sobre isso”
“Não imagino um homem branco em pé o dia inteiro com sapatos que machucam. E a gente topa com naturalidade”, diz Thais, que questiona regras de dress code restritas a mulheres – como salto alto e maquiagem
Para as autoras, o terno, que vem do guarda-roupa masculino, é outro símbolo da problemática: “Não há outra peça que imprima tanta força e poder, há tantos anos e em tantos ambientes”
As roupas evidenciam a ideia de não-pertencimento das mulheres no mundo do trabalho formal. Mas é também por meio delas que podemos reivindicar nosso lugar e expressar insistência em ocupá-lo
E já que nenhuma roupa resolverá o problema estrutural da desigualdade de gênero no mercado de trabalho, por que não nos expressarmos e nos divertirmos mais com o que vestimos?
“Espero que, especialmente após a pandemia, as mulheres parem de topar o desconfortável. Não é natural deitar na cama para subir a roupa. Se vestir é para ser gostoso e funcional”, ponderam
Vestir o que você gosta – nas cores, formas e estilos que quiser – é um bom começo. Mas também é importante discutir o assunto até que se torne inaceitável limitar o que as mulheres vestem
“Questione-se sempre: isso tem cabimento ou é apenas um discurso patriarcal disfarçado de look?”