fotos: MANOELA ESTELLITA/ MARIA EDUARDA ALBUQUERQUE/arquivo pessoalPOR: Denise Meira do Amaral
A atriz abre o jogo sobre filhos, machismo e frustrações na profissão: “A mulher que está gerando uma vida é um problema da sociedade inteira”
Martha Nowill e o aprisionamento da maternidade
O que pode ter em comum a experiência do cárcere por censura em meados do século 20 e a maternidade de gêmeos nos dias de hoje? Para Martha Nowill, mais do que imaginamos
fotos: Maria Eduarda Albuquerque
Em 2018, a atriz foi apresentada aos manuscritos inéditos de Pagú, feitos durante o encarceramento da intelectual em 1939. Resolveu mesclar trechos de seus diários durante o puerpério dos filhos gêmeos e comparar o enclausuramento dessas duas mulheres
“Senti muita raiva quando fiquei em casa cuidando dos bebês e o pai voltou a trabalhar em um mês. Aquilo me gerou um ódio enorme”, confessa. A desigual divisão de tarefas em casa e a falta de acolhimento das mães pela sociedade renderam incontáveis momentos de crise
A atriz revela que a gestação foi um período de luto. Ficou melancólica e passou a gravidez inteira se despedindo de si
“A gente precisava ganhar um salário para fazer isso. A mulher que está gerando e cuidando de uma vida é um problema da sociedade inteira. Se não for assim, a raça humana vai ser extinta?”
“Claro que não dá para comparar com uma prisão política, mas a maternidade enclausura. E ela prende não só porque estamos amamentando, mas por conta de todas as ideias que colocaram na nossa cabeça e dos checklists que temos que cumprir, como amar tanto e ficar feliz por abrir mão de tudo pelo bebê”
fotos: Maria Eduarda Albuquerque
“Cheguei a amamentar 14 horas por dia, cronometradas no relógio. Com 40 dias, saí por duas horas para uma consulta médica. Voltei muito culpada porque fiquei tão feliz em ficar longe deles! Até falo disso na peça, que a gente é melhor quando voltamos para nós. Sem mim, eu não existo”
“Fiquei muito revoltada no puerpério. Eu fiquei louca! É muito injusto. E aí você se depara com seus demônios. Dizem que o puerpério dura 40, 60 dias, mas para mim durou quase um ano. Tinha medo de ficar sozinha com os meus filhos. Depois de um momento passou, mas meu marido não entendia meu pânico”
“Falo na peça sobre o esquecimento da maternidade. E justamente no primeiro ensaio aberto, tive um branco. A cabeça fica diferente. Meus filhos fizeram dois anos e estou esperando o momento em que eu vou falar: ‘agora voltou’, sabe? O cansaço é crônico. Mas, ao mesmo tempo, me sinto muito mais inteligente”
“Às vezes eu penso que não vou ter mais filhos. Morro de medo dessa minha fertilidade, assisto TV de camisinha. Mas, num mundo ideal, em que eu tivesse bastante dinheiro e tempo, talvez sim. Me sinto a mulher mais sortuda por ter sido presentada com eles, aos 39 anos. A loteria do amor total. Fico derretida”