O ator enfrenta estereótipos,
dentro e fora das telas,
com delicadeza e firmeza,
cuidado e arroubo. Em conversa
com a Tpm em 2018, ele explica
por que é a desconstrução
o que lhe interessa

Entrevista por Bruna Bittencourt

 (baú) 

Jesuíta
Barbosa

foto: Marcio simnch / editora Trip
Desde o começo da carreira,
o pernambucano coleciona trabalhos
marcantes e polêmicos. Há quase
uma década, em 2013, ele encarnava
um militar que vive um romance
homossexual com o líder de uma
trupe teatral no filme "Tatuagem"
Quando bateu um papo com
a Tpm, em 2018, Jesuíta vivia
na supersérie “Onde nascem
os fortes” um menino que se
traveste para cantar na noite
escondido do pai, um juiz
preconceituoso e agressivo com
quem tem uma difícil relação
O enredo lembra a relação
do ator com o próprio pai,
um delegado de polícia.
“Me percebi nesse lugar delicado,
que por muitas vezes neguei,
porque a família, a religião
e a sociedade impõem”
Sua veia artística, segundo ele,
veio da liberdade de crescer
andando livre pelo sertão
de Pernambuco - além da mãe,
que era cabeleireira, cantora
e fazia cover de Elba Ramalho,
e do avô, que era violonista
“Acho que às vezes a
adolescência se torna uma
fase muito hostil, muito difícil,
em que você fica em função
de escola, de dizer quem
você vai ser quando for
mais velho. No colégio, achei
uma beiradinha em que pude
fugir, que era o teatro”
No coletivo 'As Travestidas',
idealizado pelo ator Silvero
Pereira, Jesuíta se entendeu
melhor como artista. “Era um
lugar de possibilidades mil,
de liberdade, libertinagem,
descoberta sexual, tudo
isso era muito importante
pra gente na época. Esse
ambiente era facilitador”
“Não é só se travestir
e se perceber como mulher,
é muito maior que isso.
acho que o feminino e o
masculino são arquétipos
que a gente criou e defende
como os dois únicos
caminhos. Não é isso,
a gente começa a entender
que é a desconstrução
disso que interessa”
“Muitas vezes, amigos,
pessoas próximas, dizem:
‘Pô, mas você fica colocando
esse lugar de sexualidade,
não diz que é gay, não diz
que é hétero, como é isso?’.
A gente precisa começar a
pautar isso e ir além dessas
estipulações. É desmistificar“
“Um amigo falou: ‘Cara,
entendo seu lugar porque
você fala além de tudo isso,
mas as pessoas precisam de
representatividade’. Disse: ‘Poxa,
não consigo me enquadrar
em nenhum desses lugares’.
Acho eles limitadores”
“Talvez seja necessário
criar um pudor para que
o sexo aconteça, para que
exista tesão, mas acho bom
a gente dizer que não é
Realmente assim. Fico com
quem eu quiser e também não
fico com quem não quiser”
“Não acho que dinheiro
pode estar à frente de
sua necessidade artística.
Se você escolhe ser artista,
não pode colocar o dinheiro
em primeiro lugar, porque
aí você se anula. Mas não
quero parecer piegas, dinheiro
é uma necessidade”
“A gente coloca nomes
nas coisas: chama de bicha,
de machudo, de boy magia, de
sapatão. Na performatividade
queer, você subverte isso.
É dizer: ‘Sou sapatão. Sou
bicha, sim. E aí?’. Isso vira
um potencial. Acho que
é mais subverter, não
abandonar as coisas”

é outra
conversa.