“Muito se fala do ‘esvaziamento’ do 8 de março, de ‘só’ receber flores e chocolates nesta data. Mas e as mulheres que nunca receberam, sequer, flores?”
Feliz Dia Internacional da Mulher Sem Flores
“Quando dizemos que todas as mulheres estão fartas das flores e dos chocolates desta data e querem direitos e respeito, estamos falando de quais mulheres? Como algumas podem estar cansadas de algo que nunca existiu em suas vidas? Eu não sou uma mulher?”
“Eu nunca recebi flores, e isso escancara uma diferença imensa entre mulheres. E também uma falta de interesse, afeto e responsabilidade afetiva dos homens com mulheres que não atendem ao ideal do padrão de beleza vigente. Penso que ‘respeito’ seria não sofrer agressões na rua: levo cusparadas, me atiram pedras, gritam comigo, se encolhem de nojo quando sento no banco ao lado ou disputo o mesmo espaço no elevador”
“Eu não só não recebo flores como nunca fui convidada para jantar. E também não tenho o direito de existir. Então, no 8M, estamos falando de quais corpos? E de qual respeito? No barco das opressões, remamos contra o patriarcado e procuramos um lugar ao sol, tentando jogar luz sobre nossas subjetividades. Queremos direitos. Queremos respeito. Mas tudo bem que algumas de nós aceitem flores”
“No 8M, pedimos para que a violência de gênero acabe. Mas não podemos, em contrapartida, incitar que os homens cuspam em corpos que estão fora do padrão porque eles são bestializados. Por que os corpos das mulheres gordas, das mulheres com deficiência, das mulheres trans são tratados desta maneira? A liberdade da existência precisa ser para todas nós”
“Falar sobre flores resolve nossos problemas? Óbvio que não. Mas é preciso pluralizar o debate, pensar o feminismo e a violência de gênero para além do nosso próprio corpo. Todos os corpos merecem respeito e acesso aos direitos”
“Nunca se fez tão urgente a fala da abolicionista Sojourner Truth, numa convenção de mulheres nos EUA em 1851, ao questionar como os direitos feministas e o direito ao voto estavam falhando com as mulheres negras. Em seu discurso, trabalhado posteriormente por bell hooks, ela pontua a necessidade da intersecção entre as mulheres, seus temas e suas demandas”
“Mais de 170 anos depois, seguimos falhando. E ainda falta a intersecção com as mulheres negras, mulheres gordas, mulheres com deficiência, mulheres trans e todas as mulheres que nunca receberam flores ou chocolates, seja 8 de março ou não. bell hooks reforça a ideia de que não devemos deixar nenhuma mulher para trás. Quem segura na mão de todas as mulheres?”
“Aliás, e os homens? Discutimos entre nós as formas de construir um 8M que faça sentido para todas, mas cadê a responsabilidade deles nesse processo? Há muito tempo, nossos parceiros soltaram nossas mãos – e tudo o que nos servem são alarmantes estatísticas de violência”
“Neste 8M queremos, enfim, sermos mulheres. E existir, sem sermos agredidas, descredibilizadas ou mortas por isso. Sem vivermos num limbo afetivo em que aceitar uma flor seja péssimo – mas nunca ser desejada, uma benção. Que possamos celebrar nossas existências, com nossas complexidades, subjetividades, corpos dissidentes e que sejamos, enfim, respeitadas”