Foto: Lu Alves
POR Jéssica Balbino

“Muito se fala do ‘esvaziamento’
do 8 de março, de ‘só’ receber
flores e chocolates nesta data.
Mas e as mulheres que nunca
receberam, sequer, flores?”

Feliz Dia
Internacional
da Mulher
Sem Flores

“Quando dizemos que todas
as mulheres estão fartas
das flores e dos chocolates
desta data e querem direitos
e respeito, estamos falando
de quais mulheres? Como algumas
podem estar cansadas de algo
que nunca existiu em suas
vidas? Eu não sou uma mulher?”
“Eu nunca recebi flores, e isso
escancara uma diferença imensa
entre mulheres. E também uma
falta de interesse, afeto
e responsabilidade afetiva
dos homens com mulheres que
não atendem ao ideal do padrão
de beleza vigente. Penso que
‘respeito’ seria não sofrer
agressões na rua: levo cusparadas,
me atiram pedras, gritam comigo,
se encolhem de nojo quando sento
no banco ao lado ou disputo
o mesmo espaço no elevador”
“Eu não só não recebo flores
como nunca fui convidada para
jantar. E também não tenho
o direito de existir. Então,
no 8M, estamos falando de quais
corpos? E de qual respeito?
No barco das opressões, remamos
contra o patriarcado e procuramos
um lugar ao sol, tentando jogar
luz sobre nossas subjetividades.
Queremos direitos.
Queremos respeito.
Mas tudo bem que algumas
de nós aceitem flores”
“No 8M, pedimos para que
a violência de gênero acabe.
Mas não podemos, em
contrapartida, incitar que
os homens cuspam em corpos
que estão fora do padrão porque
eles são bestializados.
Por que os corpos das mulheres
gordas, das mulheres com
deficiência, das mulheres trans
são tratados desta maneira?
A liberdade da existência
precisa ser para todas nós”
“Falar sobre flores resolve
nossos problemas? Óbvio que não.
Mas é preciso pluralizar
o debate, pensar o feminismo
e a violência de gênero para
além do nosso próprio corpo.
Todos os corpos merecem
respeito e acesso aos direitos”
“Nunca se fez tão urgente a fala
da abolicionista Sojourner Truth,
numa convenção de mulheres nos
EUA em 1851, ao questionar como
os direitos feministas
e o direito ao voto estavam
falhando com as mulheres negras.
Em seu discurso, trabalhado
posteriormente por bell hooks,
ela pontua a necessidade
da intersecção entre as mulheres,
seus temas e suas demandas”
“Mais de 170 anos depois,
seguimos falhando. E ainda falta
a intersecção com as mulheres
negras, mulheres gordas, mulheres
com deficiência, mulheres trans
e todas as mulheres que nunca
receberam flores ou chocolates,
seja 8 de março ou não.
bell hooks reforça a ideia
de que não devemos deixar nenhuma
mulher para trás. Quem segura
na mão de todas as mulheres?”
“Aliás, e os homens? Discutimos
entre nós as formas
de construir um 8M que faça
sentido para todas, mas cadê
a responsabilidade deles nesse
processo? Há muito tempo,
nossos parceiros soltaram
nossas mãos – e tudo o que
nos servem são alarmantes
estatísticas de violência”
“Neste 8M queremos, enfim,
sermos mulheres. E existir,
sem sermos agredidas,
descredibilizadas ou mortas
por isso. Sem vivermos num limbo
afetivo em que aceitar uma flor
seja péssimo – mas nunca
ser desejada, uma benção.
Que possamos celebrar nossas
existências, com nossas
complexidades, subjetividades,
corpos dissidentes e que
sejamos, enfim, respeitadas”

é outra
conversa.