Na correria para poder deixar de correr

por Mariana Perroni

Recomendações boas são as que conseguimos seguir. Senão, só geram frustração e mal-estar.

 

Domingo eu tive a honra de sentar na poltrona de couro da Casa Tpm para divagar um pouquinho. O resultado foi esse:

Já faz um tempo que tenho tido um pouco de bode de perguntar para as pessoas como elas estão. Não para os meus pacientes, obviamente. Até porque essa pergunta é um dos meus instrumentos de trabalho... Mas para meus conhecidos, amigos e parentes. Sou mal educada? Juro que não. Sempre uso "por favor", peço “ licença" e falo “obrigada”, tomo cuidado em dia chuvoso pra não molhar quem está no ponto de ônibus e deixo quem tem menos itens que eu passar na minha frente na fila do supermercado.

Não tenho perguntado para meus conhecidos como eles estão por um motivo bem simples: porque a resposta é sempre a mesma. "Ai, só na correria/loucura/corre-corre/cansaço/bagunça".  

Também vivo assim e já dei essa resposta incontáveis vezes. Sendo bem sincera, meu enfado não está na resposta sempre igual. Mas nos pensamentos que isso me traz, pois percebo que erramos. Feio.  

Minha semana, na verdade, não começou: ela emendou com a semana passada. Eu fiz um curso de urgências e emergências que durou o dia todo no sábado e domingo, emendei com um plantão de 24h na segunda, fiz consultório e levei o carro pra consertar na terça, outro plantão de 24h na quarta, unha e supermercado na quinta, trabalhei na 6a e ontem de manhã e sai correndo no sábado à tarde para achar um vestido para usar no casamento de uma amiga. E hoje estou aqui.

 Tudo isso com a operadora me telefonando para oferecer pacotes que eu não preciso, a moça do plano de saúde oferecendo upgrade (pago, claro) porque agora entrei na faixa dos 30 anos, minha mãe me perguntando quando vou visitá-la no interior, meu irmão querendo que eu veja a mancha que surgiu nas costas dele (via whatsapp), a faxineira me ditando a lista de produtos de limpeza que tenho que comprar e pedindo a receita do remédio de pressão da irmã dela. 

E, quando eu estou na UTI, isso ainda é entremeado com surpresas do tipo “Dra, o paciente do 33 parou de respirar!””Dra o doente tá com uma frequência cardíaca de 180” “Dra, o paciente do 42 tá em parada cardíaca!”


Correria, né?


Quando aconteceu? Quando será que as exigências da vida profissional e pessoal deixaram de caber nas vinte e quatro horas do dia? Qual foi o momento em que o fato de necessitarmos de oito horas de sono passou a ser mal visto, tornando-se sinônimo de fraqueza e/ou preguiça. O momento em que o stress e a correria se tornaram norma e resposta automática? E, o pior, como a gente deixou?

Assim como o início de a Hora da Estrela, a vida começa com um SIM: o óvulo diz sim para o espermatozoide, eles se fundem formando nossa primeira célula, que, logo em seguida, vai se multiplicado em duas, quatro, oito, dezesseis células até chegar nas 100 trilhões que, em média, nos constituem.

Se você não era um nerd da biologia no colégio nem trabalha na área de biológicas, acho difícil que se lembre do que é um telômero. Mas não tem problema. Telômero é o nome da extremidade do cromossomo, o segmento que mantém a estabilidade estrutural deles.

Tecla SAP: são  os telômeros garantem que o DNA da célula seja copiado sem erros quando ela se multiplica.

Só que, ao longo da vida, com o avançar da idade e as sucessivas divisões de nossas células, eles vão se tornando cada vez menores e, consequentemente, cada vez menos capazes de evitar erros na hora de passar a informação de uma célula para a outra. Esse acúmulo de erros, por sua vez, resulta na progressão para doenças relacionadas ao envelhecimento e, inevitavelmente, para a morte. Há, inclusive, teorias dizendo que a prevenção do encurtamento deles pode ser a chave para se viver 500 anos (a superlongevidade, que eu sinceramente não consigo enxergar como algo benéfico).

Estou falando de telômero numa divagação sobre correria da vida moderna porque, já faz um tempo que foi confirmado por pesquisas que os telômeros de indivíduos com rotinas estressantes e cheias de “correria” vão se tornando significativamente menores que os de pessoas com vidas mais calmas, digamos assim. O significado disso é que as pessoas estressadas podem desenvolver Parkinson, Diabetes, infartos, AVCs e câncer mais cedo que aquelas que respeitam os limites do próprio corpo. Em resumo, é verdadeira a crença popular de que o stress e tensão envelhecem as pessoas antes do tempo. Como se já não bastasse a vida em grandes centros ser prejudicial à saúde mental (e aumentar em 3x a chance de esquizofrenia e em 21% os distúrbios de ansiedade) e a privação do sono comprometer a capacidade de julgamento.

Mas e aí? O que a gente faz então?  Quebra tudo, chutamos os computadores do escritório e mudemos para Pipa para ganhar a vida vendendo sanduíche natural com ingredientes vindos de hortas sustentáveis atrás de nossas barracas e começa a viver de forma saudável?

 

Aqui vem outro problema: o que é viver de forma saudável?

 

Se você for ouvir e seguir as recomendações de cada especialidade médica, será necessário comer direito (e, consequentemente, arrumar tempo para aprender a cozinhar direito), passar protetor solar a cada quatro horas, se livrar do reservatório de germes que são os celulares e o transporte público, comer tomate todo dia, meditar, dormir mais que 8 horas por dia (e tirar sonecas no trabalho), aprender a lavar as mãos por 90 segundos, evitar cumprimentar pessoas com aperto de mão, fazer exercício físico... Bom, é melhor parar porque eu  posso passar a noite aqui, falando, porque a lista é infindável.

 

Um louco já fez essa experiência (até contou no TED) e mostrou que vai funcionar maravilhosamente bem: seu colesterol vai diminuir, você vai usar jeans de tamanho menor que o atual, vai ter menos gripes, sua pele vai ficar ótima e você vai se sentir mais disposta. Tudo bem bacana. Pena que não vai sobrar tempo para usufruir disso. Afinal, é necessário tanta concentração e disponibilidade para seguir todas essas normas, que é bem provável que você acabe deixando de lado sua família, cônjuge e seus amigos. E, como alguns estudos já demonstraram, ter relações sólidas com essas pessoas é essencial para a manutenção da saúde.

 

Então qual é a receita? Como seria bom ter uma solução simples para qualquer problema de saúde. Ou mesmo para a promoção dela. Entretanto, ainda não consigo pensar em nada, relacionado a saúde, ou até mesmo a qualquer segmento de uma vida, que só traga benefícios. Nem viver de forma saudável.

 Não ha fórmula mágica. Eu sou a favor de sair da zona de conforto (ou desconforto, afinal correria só atormenta e não faz bem pra ninguém) e procurar, baseado no mar de recomendações médicas, aquelas que fazem bem para nós. Recomendações boas são aquelas que funcionam para nós e que conseguimos seguir. Senão, só geram frustração e mal-estar.

 Ontem eu li uma frase da Mae West que dizia que “A gente só vive uma vez, mas se fizermos direito, uma vez é mais que suficiente”. É fácil fazer direito? Nem um pouco. Requer se mexer e sair da inércia. E, pra isso, a gente não precisa de culhões não. Porque já temos ovários e, principalmente, cérebro, e coração.


**Mariana Perroni é médica clínica e intensivista. Atua em consultório e UTIs de São Paulo-SP
 
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