por Lia Bock
Tpm #148

Puta assumida e bem resolvida, Lola pescou a prostituição de seu submundo habitual

Gabriela Natália Silva é a prostituta Lola Benvenutti. Mas, não, ela não leva vida dupla – e nem se esconde. Puta assumida e bem resolvida, Lola ascendeu depois de lançar um blog em que comenta fatos e causos sexuais. Foi à TV e com naturalidade pescou a prostituição de seu submundo habitual, lançou um livro e ganhou fãs. Fã de puta? Por que não?

Gabriela é formada em letras pela Universidade Federal de São Carlos e lançou em agosto seu primeiro livro, O prazer é todo nosso. Filha de militar, cresceu em um sítio na cidade de Pirassununga, no interior de São Paulo. Adora Guimarães Rosa e sua cachorrinha se chama Diadorim. Gabriela é uma moça discreta, sorridente e solar. Fala baixo e, a despeito da moda e de sua idade, 22 anos, não usa saia curta. Tranquila, fala dos planos para o futuro, que incluem uma sócia e cursos com conteúdo adulto para homens e mulheres. A história de Gabriela seria modesta e passaria despercebida se ela não trouxesse a público Lola, a prostituta que mora no mesmo corpo. Não queremos magoar os sentimentos de ninguém, mas Gabriela é Lola e Lola é puta, logo, Gabriela é puta. E não somos nós que estamos dizendo isso, é ela mesma. 

Talvez Lola – vamos chamá-la assim, ela prefere – seja a pessoa mais jovem que já passou por estas páginas, o que não significa que tenha menos a falar. Lola fala muito. Histórias não lhe faltam. O início da vida sexual aos 11 anos com um ex-seminarista, o primeiro programa aos 17, o medo que seus alunos descobrissem sua segunda profissão, a hora em que contou a verdade para os pais, a mudança para a cidade grande e mais uma infinidade de casos e acontecimentos saem de sua boca com naturalidade, segurança e sempre permeados pela busca por seus direitos, por sua liberdade. Afinal, como diz a Marcha das Vadias, com a qual ela se identifica: “Meu corpo, minhas regras”. Lola leva isso ao pé da letra. Não se intimida com preconceituosos no geral, e são muitos: daqueles que acham prostituição uma coisa do diabo aos que pensam que, se é puta, não pode ser escritora, passando pelos que enchem o saco porque, se é puta, tem que topar programa a qualquer hora, em qualquer lugar. “Não faço nada que eu não queira ou não goste”, avisa logo de cara. E isso vai de sexo anal a largar as amigas para atender um cliente; de atender de madrugada a receber a repórter em sua própria casa.

“Puta não é coitada” 

Conversei com Lola em um café chiquezinho nos Jardins, em São Paulo, onde mora. Sem se importar com as pessoas da mesa ao lado, mas também sem levantar a voz, ela respondeu todas as perguntas e curiosidades que não envolvessem valores, assunto que ela prefere manter em off. Bem resolvida com tudo que veio antes – os pais, o irmão, o ex-namorado de adolescência, clientes que viraram amantes, os ex-alunos, os vizinhos etc. –, ela revela os pormenores de como Gabi foi virando Lola e como Lola explodiu, chegando inclusive à TV, onde deu entrevista para Jô Soares, Marília Gabriela, Rafinha Bastos, entre outros. Lola gosta de ser puta, tem amor pelo que faz e não se vê fazendo outra coisa. Estranho? Preconceito nosso. “Puta não é coitada, não é vítima!”, ela cita Gabriela Leite, prostituta e escritora que lutou pelos direitos da classe, fundou a marca Daspu e faleceu no ano passado.

Num segundo encontro fui com Lola a uma balada que ela costuma frequentar. Lugar peculiar, chique, animado, cheio de putas, potenciais clientes e outros bichos da noite paulistana. Com ela, a prima, publicitária recém-formada, e a sócia, nenhuma delas garota de programa. A prima não se abala com os olhares consumidores dos homens mais velhos (ela tem 21 anos), apesar de não se interessar nem um pouco, mas garante que sua mãe gosta que ela esteja com Gabi, como ela a chama. Claro, Lola é uma moça responsável, saudável, cuidadosa. As duas cresceram juntas e, parceiras, nunca se meteram na vida uma da outra. Uma não se interessa por fazer programas e a outra não se interessa pelas festas universitárias de quatro dias. Justo. Tomamos um uísque, fomos fotografadas – Lola é celebridade. Muitos homens se aproximaram e conversaram com ela ao pé do ouvido. Simpatia pura, ela conversa e sorri. 

Mas, gente, é tudo lindo? Não tem perrengue? “Claro que tem, como em qualquer trabalho não é tudo sempre ótimo, né? Tem que equilibrar.” E dor, tristeza, nenhuma? No subconsciente coletivo as putas têm sempre uma tristeza, um peso. “Não sou orgulho para os meus pais, isso é triste.”

Tpm. Nas primeiras entrevistas que você concedeu, se definiu como acompanhante. Depois mudou o termo para puta. Por quê? 

Lola Benvenutti. A Lola foi uma crise na minha vida. Eu nunca achei que o blog ia ter tanta repercussão. Acompanhante tem uma coisa mais elegante, e no começo achei que isso chocava menos as pessoas. Mas depois descobri o discurso da Gabriela Leite [prostituta que lutou por direitos para a classe, foi homenageada no prêmio Trip Transformadores de 2012 e morreu no ano passado], com quem eu me identifico muito. Gente, acompanhante de luxo e puta da praça da Luz é tudo puta mesmo. Não existe diferença entre a que cobra R$ 15 ou R$ 500. É o mesmo trabalho, e é digno do mesmo jeito. Claro, quando falo que sou puta, as pessoas ficam chocadas. Comecei a achar isso engraçado, esse choque é uma oportunidade de mostrar que não faz diferença. Ser puta não me faz uma pessoa sem princípios. Então, hoje em dia eu uso mais esse termo. 

Tanto você quanto a Raquel (Bruna Surfistinha) fazem sucesso na mídia. Por que você acha que as pessoas se interessam tanto por isso? Tudo que é tabu, que é proibido, as pessoas querem saber. E é um mundo muito proibido, que está debaixo do tapete, tá no underground indo devagarinho pro mainstream. “Pô, uma puta que aparece na Globo’’, dizem. É uma curiosidade pelo submundo. Até o sexo, que todo mundo faz, ainda é tabu. A explosão de Cinquenta tons de cinza mostra isso. 

Você leu? Gostou? É soft, né? BDSM [bondage, disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo] mais romântico. E traz um príncipe encantado revisitado, porque até então o príncipe era só provedor, não tinha essa coisa de dar um tapa na bunda e chamar de vagabunda, agora tem. Mas, gente, lutamos tanto pela nossa independência... Por que não fazer um romance em que a mulher chicoteia o cara? Isso sim é tirar a gente da zona de conforto.

Você contribui com essa mudança? Eu não me sinto uma militante, como a Gabriela Leite. Mas comecei a ver que as coisas que eu falo reverberam muito nas mulheres e isso me despertou pra um novo mundo. O meu livro [O prazer é todo nosso] vem um pouco daí. Minha sócia fala: “Esse discurso de que você é puta mas não é objeto, é libertador”. Talvez eu colabore de alguma maneira.  

“Ser puta não me faz uma pessoa sem princípios. Então, hoje em dia digo, mesmo: sou puta” 

 Você leu o livro da Raquel (Bruna Surfistinha)? Li o livro e vi o filme. Mostrar a trajetória dela tem valor no sentido de começar a discutir a prostituição, trazer pro mainstream. Mas acho que com a projeção que ela teve podia ter tratado o assunto de maneira não vitimizada, sabe? Eu acho que essa bad vibe de droga, de “não tenho escolha”, de “agora casei, sou ex-garota de programa e minha vida mudou”, é negar. Mas, enfim, ela caiu na prostituição, isso apareceu pra ela como uma saída para não morrer de fome...

Muitas putas têm histórias assim? De entrar na prostituição por falta de escolha? Eu acho que tem uma parcela que pode ser levada a isso, mas não sei se é a maioria, sinceramente. A psicanalista Maria Lucia Homem falou na Casa Tpm: “Tudo na vida é escolha”. Vi um documentário chamado 69 – Praça da Luz em que putas que cobram R$ 15, R$ 20 e têm em torno de 60 anos falam com muito amor da profissão. Elas estão bem, são felizes! Tudo na vida tem seu drama, todo emprego. Quem é que faz só o que gosta? Você só tem cliente incrível no seu trabalho? A vida é assim, nem tudo é ótimo. Essa história de que todas são coitadas, caíram nessa vida, é mentira. Tem muita menina morando em flat em São Paulo tirando uma grana e lidando bem com isso. Pra mim, o maior problema é a culpa social. Conseguir assumir: “Sou puta”.

Mas você sempre conta que é puta? Não, porque tenho preguiça. Cada vez que eu faço isso tenho que explicar tudo pra pessoa. Às vezes não estou no clima de ter esse diálogo, então digo escritora. Mas na maioria das vezes eu falo puta sim. Normalmente, converso um pouco antes, falo que sou escritora, falo do meu livro... Se a conversa avança, chega um ponto em que eu falo. E aí eu sou muito clara, sem rodeios. E, claro, se eu estou com minhas amigas falo: “Tá aqui o meu cartão, você pode me ligar outro dia. Hoje não”. Isso é uma coisa muito difícil, impor respeito. 

Porque tem hora pra trabalhar e hora pra se divertir. É, e as pessoas não entendem isso. Eu fui numa premiação da indústria pornô esses dias, foi superlegal, mas teve um cara que queria que eu fosse ao banheiro transar com ele, acredita? Eu falei: “Cara, isso é uma falta de respeito com as pessoas que me chamaram pro evento, com as minhas amigas, não vou fazer”. É uma linha muito tênue. O cara ficou insistindo, querendo dobrar o valor, triplicar, mas não é questão de dinheiro, são princípios. O pessoal acha que, só porque você é puta, você se vende a qualquer momento e não é assim. Dizer “não” é uma coisa que a gente aprende. 

“Minhas amigas são muito diferentes de mim. No começo foi difícil pra elas, disseram que eu estava louca de abrir tudo, criar um blog”

 No livro você fala que trabalha para realizar o desejo das pessoas, deixá-las felizes. Mas nem toda puta é assim. Tem um quadrinho do Chester Brown, no livro Pagando por sexoem que a puta trepa com ele vendo a novela, super de má vontade. Esse jeito profissional de lidar é um diferencial seu? Olha, eu acho assim... quando fui no programa do Rafinha Bastos, ele me chamou de empresária do sexo [risos]. Mas, ao mesmo tempo em que você precisa ser profissional, tem que ser humana. Estamos falando de pessoas, sentimentos. Você não pode profissionalizar demais porque acaba perdendo esse lado. Eu cheguei onde cheguei porque tenho essa sensibilidade com as pessoas. É um carinho, uma preocupação, uma exclusividade no atendimento. Talvez até por isso eu não tenha muitas amigas nessa área, porque eu sinto que é um pouco “eu vou tirar o meu dinheiro e foda-se”. 

Você não tem amigas putas?Não, por causa desse pensamento. Um cara quer um ménage, quer duas meninas, aí fulana não pega menina, mas ela finge porque o cara está pagando. Fico pensando até que ponto vale a pena esse dinheiro. Me sinto enganando as pessoas, me enganando, fazendo uma coisa que não me faz bem. Tem menina que fornece droga pra cliente e aí pra mim é o limite, sabe? 

Você curte alguma droga? Não, nunca usei. Sou meio careta.

E as suas amigas, quem são? Eu tenho poucas amigas. Não me dou bem com mulher. Eu tenho uma visão muito prática das coisas e às vezes as mulheres complicam demais. Mas tenho minhas amigas de São Carlos, que estudaram comigo. Duas são bancárias, uma é professora. E tem a minha prima, que se formou em publicidade, está sempre por perto e acompanhou a história desde o começo.

Nenhuma delas se interessou em fazer programa? Cara, nunca. É cada uma de um jeito. Uma delas é psicóloga, tem 58 anos, a gente fala que ela é nossa mãezona, ela é lésbica e sexóloga, divertidíssima. Outra casou, supercertinha, tem 30 anos, aquela pessoa que planeja tudo. Minhas amigas são muito diferentes de mim. No começo foi difícil pra elas, disseram que eu estava louca de abrir tudo, criar um blog. Mas deixei bem claro, “gente, não estou pedindo opinião, estou contando, já decidi”. Depois, aceitaram.

Porque ser puta é uma coisa, mas ter um blog, ir na televisão é outra. Eu nunca achei que isso fosse acontecer! Era um hobby, eu achava divertido. Pensei, “quem vai ver o blog é quem está caçando esse tipo de trabalho. O cara vai ler pra me conhecer melhor”. Mas um dia eu fui numa lotérica, em São Carlos, pagar uma conta e a moça solta: “A gente adora seu blog”. Como assim? [Risos]. Fugiu do meu controle. Tive que lidar com um problema que surgiu e me decidir se eu ia mesmo me expor daquela maneira e expor minha família.

Como a sua família lida com tudo isso? Com certeza foi o mais difícil pra mim. Não me arrependo, mas foi uma dor enorme pra eles. Sei o que eu senti, mas nunca vou saber o que meu pai e minha mãe sentiram. Mas sei que foi muito sofrido. Hoje eles aceitam, eu vou pra lá, a gente fica junto. Minha mãe é supercarinhosa, mas vejo nos olhos deles que não é o que eles sonharam pra mim. Não existe um orgulho da filha, sabe? Ter chegado nesse momento da minha vida foi bom pra mim, mas é difícil lidar, voltar pra casa e ficar evitando falar da sua vida... 

Quando vocês sentam na mesa, conversam sobre o quê? Eles perguntam do livro? Hoje em dia sim, minha mãe pergunta. No começo meu pai dizia: “Olha, eu prefiro que você não fale sobre esse seu trabalho comigo”. Hoje, tem o livro e percebo que eles veem isso como uma possível “salvação”. Minha mãe pergunta, meio timidamente, “e aí, como vão as coisas, o livro tá vendendo?”. Mas rolam aqueles silêncios. 

Eles leram o livro? Não. Preferi que não. Desnecessário, né? Imaginar a filha...

É o sonho dos seus pais ver você dizer “parei”? Não sei... Quando eu tiver um filho a minha mãe vai ficar muito feliz. Ela não fala, mas sei que vai. Acho que ser avó vai mudar as coisas, ela quer que eu entenda o
que ela passou, as dores de ser mãe. Mas, claro, uma carreira acadêmica seria o sonho deles. Aí eles iriam ficar felizes. Mas cara, vou ter que nascer de novo pra isso.

Quantos anos eles têm? Minha mãe tem 45, e meu pai, 50. Meu irmão tem 20. 

Como foi esse processo para o seu irmão? No começo, quando explodiu tudo, ele estava no cursinho. Ficavam falando e, claro, pra ele foi muito difícil superar isso. Mas hoje ele está superbem, a gente fica muito tempo junto. 

Qual a diferença entre ser puta em Pirassununga e em São Paulo? Em São Paulo é mais hype. Aqui, se você quiser sair de pijama de cetim rosa na rua, ok. Lá não. Minha mãe é chefe de um posto de saúde e havia um funcionário que estava dando problema. Ela denunciou o cara. Ele começou a mandar fotos minhas, nua, pra ela no Facebook, falando: “Olha, acho que seus problemas pessoais estão interferindo no trabalho. Melhor você cuidar da sua filha”. Uma coisa mesquinha, típica de interior. Fora isso, eu via que chegava nos lugares e as pessoas paralisavam, se cutucavam.

“Hoje meus pais aceitam, mas vejo nos olhos deles que não é o que eles sonharam pra mim”

E o que acontece hoje quando você vai pra lá? Ah, virei celebridade! Isso é muito engraçado, quando você vai pra mídia tudo muda de patamar. Não importa se você está lá falando que é puta, você está na TV! Chego lá e as pessoas querem tirar foto comigo. 

A fama trouxe algo ruim? Tem situações ruins sim. Tem um bar que eu frequento em São Paulo, superdescolado, vai gente mais velha e um monte de garota de programa. Eu não vou lá para trabalhar, mas lógico que se pinta alguma coisa eu vou, né? O dono veio me intimidar: “Olha, eu estou falando com você agora sem advogado, mas...” e eu falei “bom, querido, primeiro: prostituição não é crime. Você sabe disso, né? Segundo: se você vai me proibir de fazer isso, então proíbe todas as outras que vêm aqui também”. Olha ao seu redor, amigo! O bar já é famoso por isso. Muita hipocrisia.

“Minha vida dupla durou dois meses. Eu dava aula e tinha medo de algum aluno falar qualquer coisa”

Tem alguma coisa que você não gosta na cama? Alguma restrição? Anal eu não faço com qualquer pessoa. Acho muito delicado, muito íntimo, você tem que se preparar, o cara tem que ser legal, eu preciso estar a fim... Custa mais caro, né? Tem que valorizar [risos]. É o meu corpo, eu decido, entendeu? Os caras às vezes ficam putos, mas, meu amigo, é o seguinte: eu não faço nada que eu não gosto. Se o cara não entende isso, não merece sair comigo.

Você já namorou? Já.

Como é, pra um cara, namorar uma puta? Teve um cara que foi meu cliente e a gente acabou se envolvendo. A gente saiu algumas vezes, um dia saímos pra jantar e eu desencanei de cobrar. Quando a gente viu, estava namorando. Acho que namorei com ele porque estava numa fase ruim, carente, triste com a distância da minha mãe, chorava muito. Eu me agarrei com todas as forças e ele me ajudou. Era filho de um ator da Globo, tinha uma vida muito diferente da minha, o pai dá mesada, nunca precisou trabalhar. Quarenta e poucos anos! Mas depois a coisa foi mudando, quando ele bebia ficava ciumento, meio violento e aquilo começou a me assustar. Dei um basta, durou uns seis meses. Tenho dificuldade para me descolar da vida de solteira. E se o cara que quer ficar comigo tem que entender, além da profissão, que sou muito livre, tem que ser uma coisa muito desapegada. E eu nem sei se dá para ter isso.
Acho que daqui a uns anos...

Te atrapalha se envolver? Sinceramente, eu não gosto de gostar de alguém. Ai... a gente sofre, é uma merda. Odeio criar expectativa. Me habituei a sair sozinha e isso foi um ganho pra mim. Substituí o namorado pela Diadorim, minha cachorra, porque eu chego em casa e ela me ama; estou fedendo, ela me ama; estou com bafo, ela me ama...

E tem diferença entre o sexo profissional e o sexo pessoal? Eu faço de tudo pra ter orgasmos, sempre. E sempre procuro tratar as pessoas como se fossem pessoas que eu escolhi pra transar. Mas acho que a diferença é assim: quando você sai com um cara, você vai jantar ou vai num bar, vai viver uma coisinha. Então você tem aquele contato prévio. No sexo pago, temos geralmente uma hora. Você abre a porta e o cara está ali. Não tem essa introdução de descontrair e conversar. É muito rápido. Acho que é mais a questão do tempo mesmo.

Como é sua rotina? Você tem dias fixos pra fazer programa? Hoje em dia não fico mais nessa pira de “ah, todo dia tem que atender”. Tem dia que eu quero escrever ou quero ler e desligo o telefone. Teve época em que comecei a deixar muito a minha vida intelectual de lado em função de trabalhar. E isso é ruim porque você deixa de estudar. Eu sentia muita falta de ler, comprava pilhas de livros e não conseguia nem abrir. Hoje eu atendo, no máximo, três pessoas por dia. 

Quantas vezes por semana? Os dias em que eu estiver a fim. Eu sinto falta de transar, minha sorte é essa [risos]. Se ficar dois dias sem sexo, fico desesperada. E atendo mais durante o dia. Sou mais diurna, preciso dormir bem, me cuidar. 

Quanto você cobra por hora? Ah, eu prefiro não falar de preço... Mas já valorizei meu passe.

Qual a diferença de ser uma puta assumida? Por um lado é mais fácil de administrar, por outro, se você esconde, não tem todo esse julgamento na cara, não se abre pras pessoas te darem porrada. Mas é muito difícil ser duas pessoas, eu não consegui. Minha vida dupla durou uns dois meses. Eu dava aula e tinha muito medo de algum aluno falar qualquer coisa. De alguém ligar para o meu pai ou pra minha mãe. Era uma tortura, eu não consigo viver assim. E aí desisti, assumi e parei de dar aula. Mas essa exposição teve um preço altíssimo. Acho que a pessoa tem que calibrar o que ela acha que vale a pena. Tem muita mulher que camufla, mas sempre quer tirar alguma coisa do cara, é uma bolsa Prada, um anel da Tiffany.

Tem a Isis, personagem da Marina Ruy Barbosa na novela Império... Pois é! Ela é paga para ser a esposinha do cara, entendeu? Uma amantezinha. Pra mim ela é tão puta quanto eu, só não cobra por hora. Tem muita mulher na balada que faz isso: dá pro cara porque ele pagou a comanda dela. Pra mim é a mesma coisa, só muda o jeito de cobrar. Aliás, tem muita mulher casada que fala pro marido “a gente transa, mas você me dá um anel de brilhantes” [risos]. E qual o problema? Se você se sente bem com isso...

Camisinha sempre? Sempre.

E tem gente que quer sem? Muita, acredita? Os caras falam: “Eu sei que você não tem nada”. Querido! [Risos] Acho um absurdo a pessoa falar isso. Eu ouço cada coisa... Olha, tem uns caras que não sabem nem colocar. É assustador.

“Acho que vou ser puta pro resto da vida, mas a grana vai variar. Acho importante ter previdência e poupança”

Você guarda dinheiro? Acho que é importante guardar. Acho que vou ser puta pro resto da vida, mas o tanto de grana que vou ganhar com isso vai variar. Acho importante ter previdência, poupança.

Você tem algum sonho? Cara, eu tenho tantos sonhos! Meu sonho mais vivo agora é abrir algum negócio relacionado ao sexo, algo temático. Eu tenho uma sócia, Branca Moura, e estamos montando um curso, em parceria com a Kind, que se chama Despertar do Prazer. Uma coisa que traga autoconhecimento, que desperte nas pessoas a imensidão que é o sexo. A ideia é libertar. O primeiro acontece em 27 de novembro em São Paulo. 

Mas tem uma parte prática, sexo em si? Não tem sexo. É em grupo, mas na minha parte usaremos alguns brinquedinhos, uma coisa mais solta, para despertar o fetiche. A gente não vai ensinar você a agradar seu marido e querer que ele não te traia, nada disso. A ideia é o prazer vir de você, do seu corpo, te sensibilizar pra que seja possível uma vida sexual plena. Isso passa por todas as esferas: beleza, autoestima, estímulo dos sentidos, paladar, toque. 

Você passou a infância em um sítio, mas começou sua sexualidade muito cedo (Lola diz que transou a primeira vez com 11 anos). Como você explica isso? Eu não sei. A primeira coisa que lembro é que tinha uma dança em que a gente imitava uma minhoca, com a perna roçando uma na outra, aí me deu uma coisa ali. Eu tinha uns 9 anos. Daí eu vi que o que eu tinha no meio das pernas era diferente do que a Barbie tinha. Meu irmão quando tomava banho era diferente do Ken. Comecei a reparar nisso. Eu não conseguia formular, mas hoje, pensando, via algo diferente. Eu via mulher pelada no Carnaval e ficava enlouquecida, achava incrível. 

E daí você transou com um cara 30 anos mais velho, quando tinha 11 anos? Sim. Menina, como a gente fantasia as coisas! Eu achava que ia ser incrível, que ia mudar minha vida. Ele tinha estudado para ser padre, desistiu no meio do caminho. Então era um cara sem o menor traquejo com mulher. A cena que eu tenho desse dia é ele com uma meia de seda até o meio da canela, camisinha saindo do pau mole, e ele falando com a mãe no celular. Que decepção! Eu deitada na cama pensando “não acredito”. Será que é isso que as pessoas falam tanto? Não pode ser.

Hoje você tem consciência de que esse cara era pedófilo? Não... Na verdade não é assim. Eu não disse pra ele que tinha 11 anos. Nos conhecemos pela internet e eu disse que tinha 15 ou 16. Não nos conhecemos e no dia seguinte fomos para um motel. Houve um romance. E, na verdade, eu é que queria ir logo para o motel perder a virgindade, muito mais do que ele. E, se você me perguntar por que, vou te dizer que eu me sentia pronta, tinha certeza de que aquele era o momento. 

E você contava pras amigas? Não, era uma coisa muito minha. Eu sentia que isso não era bem recebido. Com algumas amigas brincava de “verdade ou desafio”, coisa assim. Mas eu sempre fui muito destemida. Minha história é bem diferente da delas. Mas, depois desse cara, levou um ano até eu retomar minhas aventuras.

Com 12, 13? É. Aí, comecei a entrar na internet. Fiz cadastro em um site de namoro e convencia os caras dizendo que eu tinha 18 anos. Falava pro meu pai que ia estudar na casa de uma amiga, mas ia pro motel. Podia ter dado muito errado. Hoje eu vejo isso. Tive muita sorte. 

Normalmente as meninas nessa idade querem um namorado. Você não? Eu queria ser fatal. Enlouquecer os caras, que eles ficassem de quatro por mim. Mas eu tive um namorado com 15 anos. Eu gostava dele, mas foi muito mais meu passaporte para a liberdade do que qualquer outra coisa. Porque minha mãe confiava nele, um cara responsável, mais velho, tinha uma moto. Continuei encontrando outros caras mesmo namorando ele. Nunca tive o sonho de amor romântico. Sempre tive medo de ter uma vida medíocre, de ficar em Pirassununga num empreguinho, ter dois filhos. Tem gente que se sente bem com isso, não é uma crítica. Mas eu não queria pra mim. Então tudo o que eu fiz foi um pouco pra conseguir me desligar disso.

E esse rapaz é seu amigo hoje? Hoje, sim. Lógico que ele ficou chateado quando descobriu que eu o traía – uma amiga contou pra ele. Mas eu tenho um carinho enorme por ele. Foi realmente uma pessoa especial, me ajudou a entender meu corpo, a gostar de sexo. Hoje somos amigos, ele casou. 

Você escreveu no blog que as putas fazem manutenção de casamentos. Visão bem pragmática essa, né? Pensa bem, tecnicamente é bem simples. A maioria das pessoas casadas vai transar com outras pessoas durante o casamento. Não porque não ama. A maioria dos caras é apaixonada por suas mulheres, mas tem vontade de transar com outra, sentir aquele gostinho da conquista. Então, melhor ter isso pagando. Porque daí é profissional, paga, tem uma hora de sexo, conversa e tchau. Se ele transfere isso para o ambiente de trabalho, por exemplo, se ele tem uma amante, a coisa fica mais complicada. A amante sempre vai querer tomar o lugar da esposa, ocupar o coração e o dia a dia. Melhor que seja com uma profissional, que não vai querer tirá-lo de você, que não vai tentar destruir sua relação. 

Você já foi procurada por alguma esposa furiosa? Já. Tive um cliente que gostava de trocar mensagens, ele me mandou boa noite e eu respondi “boa noite”. Daí veio de volta: “Boa noite pra você também, sua vagabunda”. Falei: “Ai, fodeu”, porque ele nunca me chamava assim [risos]. No dia seguinte ela me ligou e acabou comigo, não consegui nem falar. Ela falou que eu estava destruindo uma família, que eles tinham filhos pequenos etc. Fiquei mal, tenho sentimentos, eu me preocupo com isso. Quero mais é que os caras voltem pra casa mais apaixonados por suas mulheres.

Dinheiro fácil? “Porra, você vai transar com uma pessoa que nunca viu, lamber o corpo. Desculpa, por mais que eu tenha vocação, feita pelo amigo não é fácil”

Você se considera feminista? Acho que o meu discurso acaba tendo uma raiz feminista. Defendo o controle total do nosso corpo. Me identifico muito com a Marcha das Vadias, “meu corpo, minhas regras”. Mas não sou uma militante. 

[Chega uma mensagem no celular. Lola se anima.]

Novidades boas? Um cara que eu conheci, português. Saímos pra jantar umas cinco vezes e esse cara nunca me beijou, acredita? Ele me mandou uma mensagem, está em São Paulo! 

E esse cara, por exemplo, sabe da sua profissão? Não. Não sei, na verdade. Dois amigos me apresentaram ele. E logo depois saiu uma matéria comigo na VIP, um dia ele me ligou e disse que tinham falado pra ele da matéria. Talvez a essa altura ele já saiba. Mas eu não falei nada. 

E o que acontece se você falar? Como o cara reage? Eu já espero o surto. Sempre. No geral, primeiro eu dou um tempo para a pessoa sacar quem eu sou. Mas, quando a pessoa descobre, já espero que vá surtar, sumir por uns tempos. Mas no geral, depois do baque, eles voltam. Alguns ficam na pira de quem é Lola, quem é Gabriela, “estou com a Lola, estou com a Gabriela?”; eu falo: “Querido, para de filosofar um pouco, tá?”. 

Qual a diferença entre Lola e Gabriela? A Gabriela é mais tímida, não gosta de expor a vida nas redes sociais. Sei que não perece, mas sou muito discreta. A Lola, não. Ela tem que ser mais expansiva, gostar da câmera, postar foto, falar de si... Por isso, a Lola foi um desafio pra mim. Mas tanto a Gabriela quanto a Lola têm os mesmos princípios. No começo eu achava que pra ser puta tinha que usar um vestido curto, justo e um salto. Eu tinha que parecer puta. Isso me deixava mal, porque não gosto de ser assim, detesto puteiro. E aí eu falei: “Quer saber, vou ser quem eu sou, vou usar o que eu quero”. Nosso guarda-roupa é o mesmo. 

Já pensou em fazer filme pornô? Eu tenho problema com câmera, tenho vergonha. E filme pornô é muito técnico. Não sei até que ponto ainda é sexo ou é uma produção... Mas gosto muito da linha da Erika Lust. Muitas vezes os atores são namorados, têm algum envolvimento. É  ma linha muito mais elegante, aí eu até pensaria, acho. Mas, de qualquer forma, é muita exposição, imagina meus pais? Minha mãe já recebeu foto minha pelada, imagina recebendo DVDzinho? 

As pessoas dizem que puta ganha dinheiro fácil. Você concorda? Não acho nada fácil. Porra, você vai transar com uma pessoa que nunca viu, vai beijar, lamber o corpo dela. Desculpa, por mais que eu tenha vocação, não acho isso fácil.

“Defendo as mulhe res! Mando na lata: ‘Cara, qual foi a última vez que você levou ela pra jantar ou deu flores?’”

Além da Gabriela Leite, quem você admira? Gosto muito das pessoas relacionadas à escrita, Guimarães Rosa, Milton Hatoum, Mia Couto... Ele é moçambicano e escreve de um jeito tão poético! Além de ser lindo. Ele vai dar palestra, a galera quase morre [risos]. Eu gosto muito dos escritores africanos, talvez o sofrimento deixe a gente mais poético, né? 

Você acha que, além do sexo, as pessoas te procuram por carência? Tenho achado os homens muito carentes. Muita gente quer que eu escute, essa é uma das maiores queixas dos meus clientes, ninguém os escuta. É muito louco as pessoas se abrirem tanto pra uma pessoa que elas nunca viram. Talvez eles se sintam livres justamente porque não convivem comigo. Eu já tive gente que me pagou a noite e só ficou falando.

Os caras reclamam das esposas? Sim, mas sei bem que a mulher tem que ser mãe, tem que ser esposa, profissional, dona de casa. O cara fica com a bunda no sofá o fim de semana inteiro vendo TV e tomando cerveja e ainda quer que a mulher esteja incrível? Eu defendo as mulheres! Mando na lata: “Cara, qual foi a última vez que você levou ela pra jantar ou deu flores?”. Vejo muito cara folgado que acha que a mulher tem que estar lá disposta pra ele. Amigo, se você quer se sentir especial, faça sua parceira se sentir também. É uma via de mão dupla, a rotina desgasta demais. Acho que a melhor solução é cada um morar numa casa, se ver só quando está a fim. Não é à toa que quando eu faço viagem cobro muito mais. O cara me ver acordando sem maquiagem? Viajar com uma pessoa é uma das coisas mais difíceis, dormir junto... acho muita intimidade. Admiro muito quem tem uma vida junto. 

Você sofre preconceito? Sim, porque puta não escreve, né? Onde já se viu? [Risos]. Mesmo tendo feito letras em uma das melhores faculdades do país, eu enfrento isso. É aquela velha coisa de que quem é peito e bunda nunca vai ser cérebro. E a TV aí, sempre reforçando isso. 

Quantos sapatos você tem? Ah, eu tenho muitos. Mais de cem. Mas hoje eu me controlo mais. Sempre quis carimbar as famosas solas vermelhas de um Louboutin por aí, mas convenhamos: é um super investimento e machuca os pés. De todo modo, meu amor por sapatos falou mais alto que a razão e comecei uma coleção dos sonhos. 

Bolsa Prada, quantas? Ah, eu tenho algumas [risos].

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