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Girl 
crush: Karol Conka e Maria Ribeiro

por Lia Bock
Tpm #171

Karol Conka e Maria Ribeiro se unem num tête-à-tête que vai de monogamia a racismo, passando por filhos e antidepressivos

Uma nasceu na periferia de Curitiba e, para o desespero da mãe, sonhava com o sucesso e com o dia em que se curvaria diante dos aplausos. A outra nasceu na alta-roda carioca e, desviando do caminho mais simples, se tornou uma intelectual, que posa pelada e brada tanto seu feminismo, como seu consumismo na TV. Uma escutava que pobre não fica famoso. A outra escutava que quem é culto não pode ser vaidoso. Dois extremos que dizem muito sobre ser mulher hoje. Dizem muito sobre não se encaixar nas expectativas alheias e usar o foda-se como alternativa para tanta pressão. Karol Conka, 30 anos, e Maria Ribeiro, 41, são o melhor exemplo de que o girl crush fala muitas línguas e que empatia pode nos levar além de preconceitos e fronteiras imaginárias.

Uma é cantora, está em turnê pelo mundo e em março estreia como apresentadora do programa Superbonita (GNT), substituindo Ivete Sangalo. A outra é escritora, diretora e atriz e está prestes a entrar em cartaz como protagonista do longa Como nossos pais, de Lais Bodanzky. A convite de Tpm, essa dupla, tão improvável quanto apaixonante, se juntou para falar de fama, racismo, monogamia, bissexualidade, filhos e antidepressivo. Foi uma tarde memorável, potente e etílica. Com direito a confidências, banho de piscina e carão para foto. Porque, se é pra tombar, tombemos. 

Tpm. Karol, como tem sido a vida de famosa? Já deu tempo de panicar?

Karol. Venho me preparando pra fama há anos. Botei aparelho aos 16 porque sabia que um dia ia ficar famosa e queria estar com sorriso lindo na televisão. Tipo: louca. Claro que tem coisas que me irritam: em qualquer lugar que eu vá parece que tenho que dar entrevista, dizer qual o segredo do meu sucesso, como se tivesse um. E, se eu falar que não estou a fim, dizem que não sou humilde. É louco como te querem disponível o tempo todo.

Maria. Olha, ralei pra caraca pra ser famosa. Ralei muito pra paparazzi tirar foto minha. Só peço pra eles botarem uma em que eu esteja com cabelo ajeitadinho.

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E como faz pra não se deslumbrar?

Karol. Não me deslumbro porque sou centrada, de boa. Muito pé no chão. Depois das Olimpíadas, uma galera que nunca tinha ouvido falar de mim me conheceu, virei a “menina das Olimpíadas”... parece que o fato de você aparecer na Globo te torna especial. Isso me incomoda um pouco.

Pra você foi o oposto, né, Maria? Você começou pela Globo.

Maria. Fiz a minha primeira novela com 19 anos, foi incrível e achei que ia fazer novela pra caralho. Mas fiquei um tempão sem trabalhar, nada de a Globo me chamar. Fui fazer teatro com Domingos [Oliveira]. E hoje percebo que as coisas que a princípio pareciam perrengue foram o que de melhor me aconteceu. Não dá pra ficar esperando ou dependendo dos outros, a gente tem que se produzir, dizer qual é o nosso lugar. Então agradeço todos os dias que a Globo não me chamou para outras novelas e pude seguir esse caminho, fazer meus documentários.

Como a entrada no Saia justa, em 2013, mexe nessa história?

Maria. Quando eu entrei no Saia passei a ocupar um outro lugar, no mesmo ano comecei a escrever no jornal O Globo, que tem uma visibilidade enorme. Mas, mais que isso, o programa me modificou num grau que às vezes fico até triste, juro. Não consigo mais ser fútil, e eu sempre cultivei minha futilidade, porque ela me salvou em vários momentos da vida. Sou muito sensível, sofro muito, tenho muita angústia. Sempre conto a história de que na missa de sétimo dia do meu pai abracei uma amiga querendo morrer e aí eu saí do abraço e disse: “Gente, da onde é a sua blusa?”. Entendeu [risos]? E o Saia foi me dando uma consciência dos outros, do Brasil, das minorias, do racismo, da homofobia, do machismo.

E você acha que encontrou esse equilíbrio entre os dois mundos?

Maria. A minha história é assim: sempre fui a inteligente da turma, não me achava bonita e ouvia meu pai falar: “Você é inteligente como um homem” – olha que horror. Gostava do Menudo e escondia, porque em casa tinha que gostar do João Gilberto, então fui criando um personagem da menina precoce inteligente. Casei com o Paulo Betti, um cara 20 anos mais velho, superpolitizado e culto. Foi só quando fiz 30 anos que falei “gente, preciso sair do armário”, literalmente. Desde criança, o meu lugar favorito é o closet da minha mãe, lantejoula, casaco de pele, mas quando saía do closet era só Machado de Assis e João Gilberto. Quando fui fazer análise, assumi a vaidade, que eu gostava de roupa, queria ser gata, posar pelada. Eu queria as duas coisas.

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Karol, você mudou bastante a postura, seu jeito e o visual desde que começou. Como foi achar esse lugar entre o rap e a Beyoncé?

Karol. Na verdade, eu sempre fui pop. Conheci o rap com 16 anos, mas era totalmente diferente da turma. Tentava me encaixar e me inteirava do “que não pode”. Mas tudo que não podia era bem o que eu gostava. Me esforcei pra fazer uns raps mais sérios… Só que teve um momento que me libertei, assumi meu jeito colorido e gritei: isso é rap também. Raspei o cabelo, pintei de rosa, fui pro Japão, comprei umas roupas loucas… Na volta, comecei a ser chamada de fashionista [risos]. Desde pequena me falam: “Você acha que é tudo oba-oba, que tudo é festa?”. Sim! Tudo é festa! E eu gosto que todos os momentos sejam felizes e que dê pra curtir.

Sem antidepressivo?

Karol. SEM!!! Não gosto de tomar remédio. Maconha, sexo e aplausos bastam [risos]!

Maria. E quando é que você chora, Karol?

Karol. Choro de saudade do meu filho, Jorge, que tem 10 anos. E outro dia chorei de raiva porque briguei com meu namorado.

E você, Maria, quando chora?

Maria. Cara, choro muito. Quase todos os dias. Outro dia eu vi meu ex-marido trazendo o Bento, meu filho com o Caio, em casa, e comecei a chorar.

Karol. Jura? Que lindo, eu queria fazer isso. Quem chora bastante é mais forte.

Maria. Mas me emociono assim, de um modo geral. Me emociono com como a vida é bonita e me emociono tomando ansiolíticos, na linha: caralho, para onde vamos?

Karol. Você toma ansiolítico?

Maria. Tomo.

Karol. Não toma esses remédios...

Maria. Ô, amor, eu preciso. 

Karol, você é de Curitiba, uma cidade que não tem tanto fervo cosmopolita. Como eles te recebem lá hoje?

Karol. Sempre fui um escândalo naquela cidade. Mas hoje todo mundo faz festa. É louco encontrar algumas das meninas que 
andavam comigo. Tem uma que tá com seis filhos, e falou: “Eu realmente estou vivendo a vida que você falava que não queria”. Sou reconhecida até nos lugares de playboy onde não era bem tratada. E eu faço questão de voltar nesses lugares para ver qual vai ser. 

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Tipo o documentário sobre a Janis 
Joplin (Janis: little girl blue) que mostra ela numa reunião na escola tirando satisfação pelo sofrimento sofrido na infância.

Karol. Exato! Estive na creche onde eu sofria preconceito.

Maria. Porra, as histórias da Karol são foda. Meu filho de 13 anos viu o Saia justa com ela e disse: “Mãe, isso não existe, né?”. Tive que dizer: “Existe, sim, João, e até hoje”.

Karol. Depois de falar sobre todo preconceito que sofri por parte dos professores, teve gente me escrevendo e me parando pra dizer: “Sou professor e nunca faria isso”. 

Você acha que isso mudou?

Karol. Não mudou. Tenho uma priminha de 13 que está na escola ouvindo xingamentos mais evoluídos. 

O sucesso afastou o racismo de você?

Karol. Quando um negro fica famoso, com dinheiro, ele não é negro, é sortudo. É assim que a gente aprende. Virei uma “negra branca”. Fui conhecer o mar com 11 anos com uma amiga que era classe média. Ela era filha única, o pai tinha morrido, e foi pra fazer companhia pra ela que acabei indo pra praia. Um dia, fiquei cansada e deitei na rede, aí ela falou: “Vem brincar agora! Você tá aqui pra me servir”. Lembro direitinho, ela falou: “É igual na época dos escravos”. Digamos que isso não acontece mais. 

Seu filho vive uma outra realidade. Você se pega querendo dar pra ele o que não teve?

Karol. Quando montei o quarto dele, fiquei muito emocionada, ele chorou e disse: “Você não teve isso, né?”. Tinha uma cama alta e embaixo um lugar pra brincar. Ele sabe que tive uma realidade diferente. A gente vai ao shopping e ele fala: “Tem esse brinquedo aqui que eu gostei muito, mas tem esse que é mais barato”. E eu falo: “Vamos levar o mais barato!”. Mesmo podendo levar o outro, acho importante ele entender o valor das coisas…

Maria. Eu me esforço muito para meus filhos olharem em volta, pra entenderem que existem realidades diferentes da nossa. 

Como você via sua realidade quando 
pequena, Karol?

Karol. Depois de jogar longe a boneca usada que minha mãe me deu e ver ela chorar dizendo “você não sabe o esforço que foi encontrar essa boneca”, foi que tive noção de que a gente era pobre. Daí eu amei essa boneca toda riscada até os 14 anos. Todo mundo falava: “Nossa, que boneca feia!”. E eu: “A minha mãe não tem condições, essa é a boneca da minha realidade”.

Maria. Porra, Karol, você veio com o chip do Freud! 

Você ajuda sua família, Karol?

Karol. Eu banco meu filho, que mora com o pai, e dou umas mesadas surpresas pra minha mãe, mas ela supertrabalha. Gosto de dividir. Porque sempre me senti sortuda. Mesmo com o preconceito que sofria na escola, depois que saía de lá, minha vida era legal. Eu era a menina mais popular do condomínio, lá não tinha racismo.

Maria. Teus pais te deram muita autoestima, né?

Karol. Muita! Nunca vou esquecer o dia que vi, na novela Xica da Silva, aqueles looks das antigas e falei: “Queria uma fantasia igual a essa pro Carnaval, mas a gente não vai ter dinheiro”. E minha mãe falou: “Não tenho dinheiro, mas eu tenho uma ideia”. E tirou a cortina da sala, novinha, pra fazer a roupa, e ficou maravilhosa.

Maria. Noviça Rebelde, total! 

A história da Maria é o contrário, né? Podemos dizer que foi a falência da família que salvou você de ser uma patricinha?

Maria. Eu nasci numa classe média muito alta, meu pai era presidente da Sulamérica Seguros, a gente tinha casa em Angra, viajava todas as férias. Quando meu pai separou da minha mãe, saiu da Sulamérica, colocou tudo que tinha na Bolsa de Valores e foi aí que perdeu tudo. Mas, veja, minha mãe casou com um cara rico. Então não dá pra dizer que eu fiquei na merda. Mas eu achava que eu nunca ia ter que me 
preocupar com dinheiro, eu era muito mal-acostumada, não sabia nem fazer um sanduíche. Saca? Fui ter chave de casa quando eu casei com o Paulo, aos 23 anos! Porque sempre tinha um funcionário pra abrir, a hora que fosse. Tenho orgulho da minha trajetória, eu poderia ser uma alienada. Porque não é só que eu tinha grana, meu pai me criava de um jeito ruim, tipo: “Você quer ir no show da Madonna amanhã? Liga pra minha secretária que eu arrumo”.

Karol. Ai, que medo, eu cuido muito pra não fazer isso com meu filho, sabia? E é difícil… 

Maria, uma de suas famosas frases no Saia justa foi que você é bissexual, só não achou a mulher certa. O que é a mulher certa?

Maria. Então, não sei... 

É tipo você olhar e falar: quero comer?

Maria. Acho que é, né? Tenho até uma moça em vista, mas preciso avisá-la [risos]. Pra ser bem honesta, nunca tive interesse em mulher, mas gostaria de ter, entende?

Karol. Eu sempre soube que era bi, desde pequena.

Maria. Você é muito mais evoluída que eu, Karol! Eu não pego mulher e ainda tomo antidepressivo... 

Mas você nunca deu nem beijo numas minas, Maria?

Maria. Só a trabalho. Quando fiz a série Oscar Freire 279 tive que beijar a Lívia de Bueno. Fiquei preocupada, tomei uísque e... foi o melhor beijo da minha vida! Quando acabou a cena eu falei “Gente!”. O meu problema é cultural, por que neguinho me mandando, eu vou e adoro. Então, por que naturalmente não me permito? 

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Você já namorou mulher, Karol?

Karol. Não namorei, mas já fiquei, transei. Na minha cabeça, acho que não conseguiria namorar mulher. Vou emprestar a frase da Maria aqui: “Acho que ainda não achei a mulher certa!”. 

E, me digam, ainda dá pra ser monogâmico?

Maria. Vale 1 milhão de dólares essa pergunta, né? Eu acho que a monogamia é uma coisa inviável, mas ao mesmo tempo não consegui descobrir nenhuma outra saída.

Karol. Sabia que já tentei ter um relacionamento aberto com um antigo namorado? Mas, no fundo, queria que fosse aberto só pra mim! Assumo: sou egoísta, teria um relacionamento aberto se fosse só eu ficando com outras pessoas [risos].

Maria. Ah, eu acho que, se a pessoa saiu com alguém, mas não me expôs e usou camisinha, não é traição, tá tudo certo.

Créditos

Imagem principal: Christian Gaul

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