A arte da guerrilha

por Bruna Bittencourt

Uma das vozes mais críticas sobre a participação e representação das mulheres na arte, o coletivo americano Guerrilla Girls ganha retrospectiva no MASP e fala à Tpm

Entre os principais trabalhos do coletivo americano Guerrilla Girls estão os cartazes da série As Mulheres Precisam Estar Nuas?. O primeiro, de 1989, mostra o contraste gritante entre o número de artistas mulheres (5%) do Metropolitan Museum de Nova York e de nus femininos (85%) presentes em seu acervo naquele ano. Desde então, a análise foi repetida em diversos outro museus e, este mês, é feita no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o que dará origem a um novo cartaz da série. 

A peça será exibida a partir da próxima quinta-feira (28 de setembro) no MASP, que recebe a primeira retrospectiva no Brasil (são mais de cem trabalhos) do grupo, que mantém sob anonimato a identidade de suas integrantes. Elas, que usam máscaras de gorilas em suas apresentações em público, farão uma performance no MASP na próxima sexta (29).

"O museu vai mostrar trabalhos do coletivo  que não são tão conhecidos e como nosso pensamento evoluiu de 1985 a 1990, de 1990 a 2000, de 2000 até 2015", contou à Tpm Frida Kahlo, como é conhecida uma das integrantes, que toma emprestado o nome da famosa pintora mexicana. "Elas são até hoje uma das principais vozes de protesto contra as desigualdades de gênero e raça dentro do mundo da arte", diz Camila Bechelany, curadora assistente do MASP.

Apesar do alto teor crítico, suas obras integram coleções do MoMA (Nova York) e do Centro Georges Pompidou (Paris), além de terem participado 51º Bienal de Veneza (2005) e da 29ª Bienal de Artes de São Paulo (2010). "Nos últimos anos, a preocupação das instituições de arte em relação ao equilíbrio entre mulheres e homens se tornou uma constante", conta Camila.

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O coletivo também assina uma instalação na 2ª edição da Frestas – Trienal de Artes, no Sesc Sorocaba (SP), chamada Departamento de Reclamações . O trabalho, que segue em exibição até dezembro, foi realizado pela primeira vez no ano passado no Tate Modern, em Londres. "A ideia é que quem vá à exibição, em vez de apenas observá-la passivamente, possa criticá-la", explica Frida. "Vamos documentar isso e teremos uma cápsula do tempo do descontentamento no Brasil em um determinando momento e lugar", contou a artista, que falou à Tpm sobre o processo criativo do coletivo e sobre como o grupo e a representação da mulher na arte mudaram nas últimas três décadas:

O que levou vocês a não revelarem suas identidades 30 anos atrás?
Queríamos nos proteger assim como a nossas carreiras. Éramos jovens artistas querendo entrar nesse mundo da arte, que nos sentíamos obrigadas a criticar. Nos demos conta do quão afiada era nossa mensagem e abrimos mão do crédito e de nossa individualidade. Há uma longa história de protestos anônimos na história americana. 

Como um coletivo, como é o processo criativo de vocês? 
Nossas principais integrantes estão nos Estados Unidos, mas temos muitas pessoas que nos ajudam em outros lugares, como na América do Sul. 

E vocês sempre trabalham juntas?
Nós trabalhamos de muitas maneiras, depende do lugar, da época e do deadline. Normalmente, alguma de nós fica brava com alguma coisa e começa a falar sobre isso com o restante do grupo. Cada projeto é um pouco diferente. Nós fazemos brainstorm, rascunhos, discutimos, discordamos, jogamos trabalhos fora e os retomamos. Não tem como descrever o processo de um único jeito, exceto pelo fato de que persistimos.

Como você acha que o grupo mudou em 30 anos?
Ficamos mais velha [risos].

E seguem trabalhando com arte.
Tivemos no coletivo mulheres de todas as orientações sexuais e classes sociais. No início, exibíamos nossos trabalhos nas ruas e agora temos um site, em que podemos mostrar nossa obra. É muito interessante que, no começo, as instituições tinham medo da gente porque criticávamos o sistema de colecionadores de homens brancos ricos. Depois, descobrimos que havia muita gente dentro dessas instituições que concordava conosco. Com o tempo, nossas críticas estavam lá dentro, o que é incrível. Mas é fácil repreender e não fazer nada. Ao longo do tempo, algo, de fato, mudou? Tivemos que voltar às instituições e examiná-las novamente. 

Mas, depois de 30 anos, parece que elas  já entendem melhor o trabalho do coletivo.
Há várias camadas nas instituições: os estudiosos, os experts em arte que as comandam e os colecionadores ricos que as financiam. Há uma lacuna entre eles. Mesmo que curadores e diretores tenham consciência de que há uma problema de diversidade no mundo da arte, eles têm que lidar com outro lado, que é o dinheiro que financia as instituições, e este é o problema. Nos Estados Unidos, os museus são comandados por pessoas ricas e não pelo governo, pelos diretores ou curadores. 

Quais artistas você admira hoje em dia?
Adoraria responder, mas cada uma de nós tem seus preferidos e, como um grupo, decidimos não fazer isso para não apoiar um tipo de artista ou de arte. Nossa visão coletiva é de inclusão. 

Como a representação da mulher na arte mudou durante os 30 anos de trabalho do Guerrilla?
Às vezes, são dois passos à frente e dois atrás. Antes,  ninguém questionava a importância da mulher e da artista negra na história da arte. Mas não é possível escrevê-la sem incluí-las. Se você olhar a estrutura dos museus e do mercado que a comanda, ela é construída segundo as ideias dos velhos homens brancos capitalistas, o que impede que a arte seja a representação rica que deveria ser. Até que isso aconteça, vai haver um atrito entre artistas e colecionadores. Nós damos palestras, vendemos pôsteres e livros, além de portfólios para os museus como um registro histórico. Não produzimos nada que é de valor. Isso nos dá liberdade para atingir várias tipos de público, empoderar muito mais pessoas e nos preocupar com a natureza da arte e de como ela é apresentada. 

O que mais surpreendeu vocês quando fizeram a exibição na Whitechapel Gallery, no ano passado, para a qual procuraram quase 400 museus para perguntar sobre sua diversidade? 
Só um quarto das instituições para quem escrevemos nos responderam —  e as lembramos sobre a pequisa diversas vezes. Depois da exibição, várias delas nos escreveram pedindo desculpas por não terem participado: "Podemos responder agora". Era tarde. Muitas achavam que estavam indo bem [sobre a diversidade em seus acervos], mas quando pedimos os números, as estatísticas eram péssimas. 

Na sua opinião, como a arte pode nos ajudar a lidar com questões como violência sexual e feminicídio?
A arte é a resposta sensível para o mundo e como as pessoas o veem.  A cultura pop, a música e os filmes, por exemplo, não têm fronteiras. Infelizmente, a arte não tem esse escopo. É limitada na ideia de produzir objetos valiosos que podem ser controlados por pessoas ricas. Não apelamos para o tipo de pessoa que compra arte, mas para pessoas que a estudam, que se importam com ela, que querem ser artistas. Criamos um outro tipo de público, que é bastante internacional. 

Vai lá
Guerrilla Girls no MASP
De 29 de setembro a 14 de fevereiro de 2018
2ª edição de Frestas – Trienal de Artes, no Sesc Sorocaba
Até 3 de dezembro

Créditos

Imagem principal: Andrew Hinderaker/Divulgação

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