O mistério do E-CAD

por Ronaldo Lemos
Trip #197

O Ecad fechou um acordo com o YouTube. Resta aos artistas fazer valer o que é seu

O Ecad fechou um acordo com o YouTube segundo o qual o site deve pagar os direitos autorais de todas as músicas disponibilizadas por meio dele. Resta aos artistas fazer valer o que é seu...

Existe um segredo bem guardado que grande parte dos músicos brasileiros ainda não descobriu. Em setembro de 2010, o Ecad fechou um acordo com o YouTube e o Google para recolher direitos autorais. Para quem vive em Júpiter e não sabe do que estou falando, o Ecad é a associação responsável por cobrar em nome de todos os músicos brasileiros os direitos autorais pela “execução pública”. Essa atribuição vem da lei. Quando a música toca no rádio, na televisão, na academia de ginástica, no hotel ou no consultório médico isso é “execução pública”. Todos têm de pagar mensalmente ao Ecad, que por sua vez deve distribuir esse valor aos músicos. O conceito de “músicos” é amplo: inclui intérpretes, letristas, arranjadores, compositores, produtores e assim por diante. Em outras palavras, se você tocou triângulo em uma música de forró está incluído no conceito e deve ser remunerado.

Ocorre que hoje em dia o Ecad entende que a “execução pública” inclui também a internet. Muita gente discorda disso, já que a maioria dos vídeos do YouTube é consumida dentro de casa e não em um espaço público. Mas o Ecad conseguiu convencer os advogados do Google do contrário: de que o site deveria pagar os direitos autorais de todas as músicas disponibilizadas por meio dele.

Resultado: a partir de novembro de 2010 um bom dinheiro adicional passou a entrar nos cofres do Ecad em nome de toda e qualquer pessoa que posta um vídeo musical no YouTube. A notícia do acordo (divulgada de forma bastante discreta) diz que ele abrange “todo o repertório musical que estiver disponível na plataforma do YouTube”. Como se isso não bastasse, o Google comprometeu-se a pagar valores retroativos desde 2001! Ou seja, uma dinheirama.

Com isso, o Google faz a sua parte: paga aos músicos os valores devidos. A questão é se o Ecad vai pagar todos os que têm direito a receber. Na prática, se você colocou uma música que tem qualquer participação sua no YouTube, tem direito a receber – mesmo que não seja associado ao Ecad ou às associações que o constituem. Afinal, sua parte já está sendo cobrada por você.

HIT DE VERÃO

Como muita gente sabe, a maioria dos novos sucessos musicais do Brasil vem da internet, especialmente do YouTube. Por exemplo, o grande hit do verão foi a divertida música “Minha mulher não deixa não”, que acabou regravada por inúmeros artistas, dos Aviões do Forró à Banda Djavú. Em contagem rápida, gerou mais de 40 milhões de visualizações. É um número maior do que a audiência de muitas rádios ou TVs. Será que todos receberam a sua parte? E o compositor da música?

A pergunta vale para todo mundo. Para o MC Papo, de Belo Horizonte, um dos meus artistas favoritos, autor do hit “Piriguete”, com 11 milhões de visualizações (http://bit.ly/4Fz1q). Para os funkeiros de todo o Brasil que estão no YouTube, como Mr. Catra, do Rio, que só com a música “Adultério” (bit.ly/2PRqvR) alcançou 7 milhões de visualizações. Para as bandas e os artistas novos espalhados pelo país, que tocam do indie rock ao maracatu. Para não mencionar também DJs, autores de remixes ou trilhas sonoras. Quem tiver músicas no YouTube deve receber. Afinal, são valores que já estão sendo cobrados e pagos.

Acredito que existe aqui uma oportunidade muito importante. Se o sistema de distribuição funcionar, remunerando dos grandes aos pequenos, isso fortalecerá uma rede criativa extraordinária que se espalha por todo o Brasil. Resta a artistas, profissionais e amadores união para fazer valer o que é seu.

Leia abaixo: o Ecad presta esclarecimentos

"Em resposta ao texto de autoria do senhor Ronaldo Lemos, publicado na edição de número 197 da revista Trip, de março de 2011, o Ecad presta os seguintes esclarecimentos:

É de bom tom que as informações sobre o trabalho do Ecad sejam corretamente apuradas para evitar que se publiquem dados que não condizem com a realidade. Uma estratégia para fazer muito barulho com o claro intuito de prejudicar a imagem do Ecad perante o público.

Em primeiro lugar, não é o Ecad que entende que existe execução pública na internet, mas a própria lei de direitos autorais prevê que o pagamento é devido: 'Considera-se execução pública a utilização de composições musicais ou líteromusicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de freqüência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica'. Nesse sentido, está previsto que 'a transmissão por qualquer modalidade' abrange a execução no ambiente de internet. Importante esclarecer que o Google não foi convencido pelos advogados do Ecad e, sim, pelo que diz a lei brasileira, considerada uma das mais modernas do mundo, reconhecendo que o pagamento dos direitos autorais de execução pública musical era devido.

Não existe nem nunca existiu 'nenhum segredo bem guardado', como afirma o senhor Ronaldo Lemos, em referência ao fechamento do acordo entre o Ecad e o Google para pagamento dos direitos autorais das músicas exibidas no canal de vídeos. Em novembro de 2010, o Ecad divulgou um comunicado aos titulares filiados às 9 associações de música que o compõem, em que fala sobre a criação da distribuição específica de Mídias Digitais e a realização da primeira distribuição das músicas executadas até junho de 2010 neste segmento, bem como a periodicidade com que essa distribuição ocorrerá. Como o contrato com o Google foi assinado em julho de 2010 e ainda existia a necessidade de desenvolvimento de um processo tecnológico para a troca com o Ecad das informações sobre as músicas executadas nos seus vídeos, os primeiros pagamentos realizados não foram contemplados nesta distribuição, até porque existe uma periodicidade definida para este tipo de repasse. A primeira distribuição proveniente da execução de músicas nos vídeos do Youtube será realizada em junho de 2011 e acontecerá, provavelmente, através de uma distribuição à parte, específica, após checagem e validação pelo Ecad das informações digitalmente enviadas pelo Google, antes que o repasse dos valores seja feito aos artistas contemplados.

O contrato com o Google prevê o pagamento retroativo a 2007, início das atividades do Google no Brasil, e não a 2001, como foi afirmado equivocadamente no texto em questão. O pagamento refere-se somente aos acessos feitos ao Youtube no Brasil, e não aos feitos no exterior. Além disso, só serão pagos os direitos das músicas protegidas pela licença do Ecad, ou seja, apenas os artistas filiados às nove associações de música que compõem o Ecad poderão se habilitar a receber esses direitos autorais, desde que mantenham seus repertórios musicais atualizados nas associações às quais são filiados.

Também está errada a informação de que o Google pagará uma 'dinheirama' de direitos autorais. Apesar de ser uma empresa milionária, o serviço do Youtube no Brasil ainda não gera uma receita expressiva, segundo informações do próprio Google. Como o valor de direitos autorais a ser pago é baseado num percentual sobre a receita, conforme determina a tabela de preços do Ecad, o valor a distribuir guardará direta correlação com a receita declarada. Infelizmente, a arrecadação de Mídias Digitais no Brasil, apesar de crescente, resultado do trabalho constante do Ecad em conscientizar os usuários de música do segmento de internet, ainda não é representativa, equivalendo somente a 1% da arrecadação total do Ecad.

Feita a distribuição, os diversos titulares de direitos contemplados serão devidamente informados sobre todos os detalhes pertinentes, tal qual é feito constantemente por suas associações e pelo Ecad.

Para finalizar, e respondendo ao senhor Ronaldo Lemos, que duvida se o Ecad vai pagar a todos que têm direito a receber, afirmamos que os compositores e artistas vão receber sim, desde que estejam enquadrados nas regras acima descritas.

Os resultados do desempenho do Ecad, por si só, respondem a essa dúvida. Na última década a distribuição de direitos autorais deu um salto de 200%. Em 2010, foram distribuídos R$ 346,5 milhões para 87.500 titulares de música (entre compositores, intérpretes, músicos, editoras e gravadoras), levando-se em consideração todos os segmentos onde a música é executada publicamente. Tudo isso apesar dos movimentos daqueles que defendem interesses alienígenas e se opõem ao pagamento dos direitos autorais, desrespeitando assim, um direito conquistado, com muito esforço, pela classe artística musical, responsável por uma das cadeias produtivas mais importantes economia brasileira."

Gloria Braga

Superintendente Executiva do Ecad

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Tréplica: resposta de Ronaldo Lemos à Superintendente do Ecad, Glória Braga

A resposta publicada por Gloria Braga, superintendente do Ecad, ao meu artigo traz uma série de informações incorretas e uma vez mais foge dos assuntos que são do interesse de todos os artistas brasileiros. É lamentável que um órgão como o Ecad, que é do interesse de tantas pessoas, tanto aquelas que pagam direitos autorais como aquelas que dependem dele para recebê-los, não explique de forma clara e precisa o seu funcionamento e mecanismos de distribuição.

A superintendente afirma que não existe "nenhum segredo bem guardado" e que o ECAD teria divulgado amplamente o acordo realizado com o Google, bem como os detalhes sobre essa nova modalidade de arrecadação e distribução. Se isso é correto, como é possível que grande parte dos artistas nada sabiam sobre o tema? E ainda mais grave, passados meses, onde estão os eventuais novos comunicados do Ecad a respeito da distribuição dos valores, com detalhes? A superintendente afirma que a primeira distribuição de valores aconteceria em junho de 2011. Essa distribuição aconteceu? Se aconteceu, quanto foi distribuído? E quais artistas receberam e de acordo com quais critérios? São informações que não se encontram facilmente disponíveis. Se existem, estão muito bem guardadas.

A superintendente afirma que o recolhimento de valores do Youtube seria feitos retroativamente a partir de 2007, e não de 2001. Ocorre que o erro de divulgação da data é do próprio Ecad. A data de 2001 consta do comunicado distribuído pelo próprio órgão, que foi republicado em diversos sites na internet. Esse comunicado está disponível online e pode ser verificado aqui: http://bit.ly/btcuaq. Por conta disso, trata-se de erro do próprio Ecad.

Por fim, o maior dos problemas. A superintendente diz que irá pagar direitos autorais relativos ao recolhimento de músicas executadas através do Youtube apenas para os membros afiliados ao Ecad. Ocorre que, como explicitado em meu texto, grande parte dos artistas mais acessados do Youtube são artistas populares, que em grande parte dos casos não são filiados ao Ecad. Com isso, o Ecad está recolhendo a parcela dos direitos autorais que compete a esses artistas e mantendo-a para si. Em vez de insistir em reafirmar essa infeliz conduta, como faz a Superintendente, o Ecad deveria investir na criação de mecanismos para desburocratizar os pagamentos a esses novos artistas superpopulares brasileiros, e também dos artistas tradicionais já regularmente afiliados a ele. Todos merecem formas mais simples e transparentes para receberem seus direitos. Se investisse em desburocratização e transparência o Ecad estaria trabalhando de acordo com os interesses de todos os artistas, justificando assim sua razão de existir. Ao deixar de fazer isso, está trabalhando em causa própria apenas.

Além de tudo, a superintendente afirma que serviços de streaming estão sujeitos obrigatoriamente ao pagamento do Ecad. Apesar do Ecad ter convencido o Google disso, o entendimento sobre como a lei deve ser interpretada sobre esses serviços é ainda incerto. Tanto é assim que existem questionamentos judiciais sobre a cobrança do Ecad com relação a esses serviços. Esse assunto, de vital interesse para seus artistas afiliados, é omitido, como de praxe, pela superintendente.

Por fim, vale lembrar que o Ecad está sendo objeto de duas CPIs e diversas fraudes estão sendo investigadas. A reforma da lei de direitos autorais é uma oportunidade importante para trazer o Ecad de volta ao seu papel de apoiar os artistas do Brasil, no seu mais amplo espectro, bem como assegurar transparência do órgão perante a sociedade brasileira. Como diz a famosa frase do juiz Louis Brandeis: "a luz do Sol é o melhor desinfetante". Maior transparência só servirá para fortalecer o Ecad e restaurar os valores que levaram à sua criação. 

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