Luiza Lian é mil mulheres também

por Dandara Fonseca

A cantora mistura som e vídeo, sagrado e profano, acústico e eletrônico e alcança os palco dos principais festivais do país com o show de seu disco, ”Azul moderno”

Cantora, compositora e artista visual, Luiza Lian é dona de uma das vozes mais marcantes e de um dos sons mais únicos da cena independente brasileira. Com letras profundas, suas músicas sobrepõem contemporâneas batidas eletrônicas a ritmos como blues e rock. “Eu gosto de misturar sons porque minhas referências também são misturadas”, conta Luiza.

Em 2015, ela lançou seu primeiro álbum, o autointitulado Luiza Lian. Mas foi com Oyá Tempo, seu segundo disco e primeiro álbum-visual brasileiro, que a cantora alcançou os palcos de diversos festivais nacionais e internacionais. Por 24 minutos, é possível viajar por uma atmosfera sensual e corpórea, na qual a cantora intensifica toda sua espiritualidade. O show também explorava o mundo imagético de forma inédita, em que o vestido transparente de Luiza funcionava como tela de projeção.“Eu tinha o meu processo como artista visual, que eu não ia deixar de lado para começar a música. O meu som tem essa imagem forte”, diz.

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Luiza deu outro salto com o seu terceiro disco, Azul Moderno, considerado pela crítica um dos melhores álbuns do ano passado. Por 10 faixas, a cantora mescla suas batidas eletrônicas com uma sonoridade anos 70, com composições “num estilo Jorge Ben”, como define a paulistana.  No último dia 16, ela lançou o clipe da música “Vem dizer tchau”, faixa de abertura do álbum, em que aparece arrancando o coração de um homem. Além disso, promete para os próximos meses o clipe de “Mil mulheres”, uma das música mais poderosas do disco, em que Luiza canta: "Que aquela hora, transando com você/ Eu senti que transava uma multidão/ Que eu era mil mulheres também.”

Este ano, a artista estreou no Lollapalooza e continua no line-up de festivais pelo país. A próxima apresentação rola em São Paulo, no Balaclava Fest, no sábado (27). Depois, leva seu som para Goiânia, como parte da programação do Bananada.  Luiza conversou com a Tpm sobre seu último trabalho, inspirações, espiritualidade e próximos passos.

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Tpm. Como foi o processo de criação de Azul Moderno?

Luiza Lian. Ele passou por várias etapas. Primeiro, em 2015, fizemos uma viagem de imersão. Fomos eu, o Charles Tixies, o Tim Bernardes e outros amigos. E lá levantamos a parte instrumental do Azul Moderno, que era voz, bateria, violão de nylon e baixo. E a ideia já era ser um disco que tivesse, ao mesmo tempo, uma sonoridade que remetesse aos anos 70 e que fosse contemporânea e eletrônica. Mas minhas composições puxavam mais para um lado Jorge Ben. Aí, depois, quando trabalhava em Oyá (2017), percebi que podia construir a estrutura de um disco para desconstruí-la, ao invés de me apoiar em outras coisas. . Então, ele é como um remix de um disco que nunca foi lançado.

Por que você o considera como o final de um ciclo? Eu lancei meu primeiro disco em 2015. Mesmo cantando antes disso, o momento que você lança um álbum coloca seu trabalho no mundo, com suas composições, tem todo um outro significado. E de lá para cá eu fui tentando me descobrir, entender qual é o caminho que eu gostaria de seguir como cantora, artista, compositora. Ao mesmo tempo que eu fui deixando acontecer, experimentando, fiz Azul Moderno já com um certo conhecimento e com mais propósitos. Mais do que o encerramento de um ciclo da minha carreira, ele tem um pouco da experiência do que foram esses dois primeiros discos.

Você trabalha ao lado de nomes importantes da nova geração, como Tim Bernardes Charles Tixies. Como é essa experiência? É muito massa, para mim foi muito interessante. Desde o meu primeiro disco o Tim trabalhou comigo, ele foi uma pessoa muito importante na minha trajetória, até para me ajudar a pensar, estruturar, organizar como eu queria direcionar o meu trabalho, a minha carreira. Ele tem uma cabeça brilhante, pensa em tudo. Como começamos junto, a gente se inspirou mutuamente nesse processo. Temos referências, mas as pessoas que mais inspiram a gente são as que estão tocando ao nosso lado. E o Charles é quem mais afeta e transforma a minha musicalidade. São referências que vão falar honestamente sobre o que você está fazendo. Essa troca é muito valiosa.

Seu álbum mistura sons clássicos, como piano e violão, a batidas eletrônicas. Você busca essa junção? Eu gosto de misturar sons porque minhas referências também são misturadas. Quando eu era mais nova, sempre escutava músicas mais antigas que eu. Foi quando comecei a cantar que me aprofundei mais nos meus contemporâneos, que é essa musica eletrônica. Então não tem como nenhuma delas estar fora do meu trabalho, as duas são muito intrínsecas na minha formação.

Seu segundo disco, Oyá Tempo, foi o primeiro álbum-visual brasileiro. Seus shows também são reconhecidos pela produção. Você se interessa por essa parte imagética? Sempre tive uma afinidade muito grande com o cinema e gosto muito de ter contribuições de diversos artistas no meu trabalho.  Eu tinha o meu processo como artista visual, que não ia deixar de lado para começar a música. Então percebi que era uma coisa que não tinha por que viver separada no meu trabalho, que podiam andar em paralelo. Quando juntei os dois foi muito importante para mim, foi um momento de encontro, de entender que é isso que eu preciso fazer. O meu som tem essa imagem forte.

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Como surgiu a ideia de “Vim dizer tchau” e como foi a gravação do clipe? Eu pensei essa música em parceria com a minha amiga escritora Leda Cartum, na viagem em 2015. E foi muito especial, porque eu já tinha feito a música "Mil mulheres" e estávamos nessas discussões sobre amores líquidos. Eu sinto que hoje em dia as relações são super fortes e elas acontecem pouco. E da mesma forma que as pessoas não querem assumir necessariamente algo oficial, elas não têm coragem de dizer tchau, de finalizar uma história. É difícil se despedir, temos muito medo de nos despedir dignamente das coisas. Foi uma experiência muito legal gravar esse clipe. Achei que o Pedro Sokol, que dirigiu o clipe, captou o espírito de um jeito bem interessante e divertido, como homem. O tempo inteiro você não sabe se aquela pessoa está fugindo de algum lugar ou se ela está correndo atrás de alguém. E aí de repente ela pega o coração do cara e coloca na grelha. E de fato o sentimento é um pouco esse, de querer arrancar aquele coração, pegar e lidar com ele naquele momento.

Podemos esperar mais clipes? Sim, eu estou desenvolvendo o clipe de "Mil mulheres", que é super sensível, e fazendo um clipe para "Geladeira". Acho que um vai sair mês que vem e o outro no próximo mês. Eu adoro trabalhar essa parte visual e encontrar parceiros que conseguem manifestar seu trabalho, sua arte, nas minhas músicas. Mas também estou querendo começar um próximo disco.

Na faixa "Mil mulheres", você canta que se sente mil mulheres ao transar com um homem. De onde vem esse sentimento? Essa faixa teve uma história curiosa. Eu estava ficando com um cara e daí a gente teve um encontro super legal, e depois um super desencontro. E daí eu escrevi um bilhete para ele, e eu nunca deixei esse bilhete, eu não tive coragem. O bilhete era exatamente a letra dessa música. Não que ela signifique exatamente a minha transa, é sempre difícil você dizer exatamente o que as coisas significam, mas os sentimentos que se atravessam. Ao mesmo tempo era uma transa maravilhosa e horrorosa. Ela fala sobre o orgasmo, mas também fala de uma sensação de estar transando com alguém e se perder, no bom e no mal sentido. Você estar ali e estar em outro lugar. Você ser mil mulheres e isso pode ser maravilhoso, mas também pode ser um pouco estranho.

A espiritualidade é algo muito presente em seus trabalhos, né?  É algo que acontece de uma forma muito natural, porque ela está muito intrínseca em mim. São as coisas que me inspiram, que me movem. É como um amigo poeta que poderia estar me movimentando. Essas entidades e essa maneira de encarar o mistério divino faz muito parte de quem eu sou, então é até difícil não ter. Nem penso tanto na importância que tem para mim, porque é a mesma importância de cantar.

Como foi estrear no Lollapalooza? Foi muito especial para mim esse show. Nós nos preparamos muito para fazer. Foi massa pensar em um show para esse evento, tentar reconstruir a imagem nessa dinâmica de palco grande, porque sou só eu. E esse show é todo pensado com luzes e em um ambiente um pouco mais escuro. Mas foi uma experiência muito linda, eu me senti muito feliz pela minha trajetória ter chegado até esse ponto. Gerou muitos frutos, tanto interna quanto externamente.

Créditos

Imagem principal: Filipa Aurelio / Divulgação

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