O pornô feminista de Erika Lust

Tpm / Sexo

por Letícia González
Tpm #124

Cineasta sueca decidiu investir em uma outra vertente para os filmes pornôs: a feminista

Adeus, britadeira

Os ângulos ginecológicos e as transas a marteladas do pornô tradicional nunca agradaram à sueca Erika Lust. Cansada de categorias como hardcore e extreme, ela decidiu investir em uma nova vertente erótica: a feminista. Nela, já lançou quatro filmes, três deles premiados no Feminist Porn Awards. Sua última produção, Cabaret desire, começa numa noite de leitura de contos eróticos. Erika conversou com a Tpm por e-mail e conta, aqui, que tipo de cena merece lugar nos seus roteiros. Também explica por que outras, como sexo anal e gozo no rosto, ficam de fora. “O sexo ainda é uma questão política.”

Tpm. Seus filmes foram pioneiros do pornô feminino. Acha que algum dia a distinção entre pornô para homens e para mulheres vai deixar de existir?

Erika. Acho que o pornô sem rótulos de gênero seria bacana. Mas, honestamente, a diferença de apelo e estética entre os dois tipos é tão evidente que se torna difícil conciliá-los. Espero, em vez disso, que o pornô evolua até uma variedade grande, para todo tipo de público. Hoje vemos uma amostrinha disso na cena independente.

Que tipo de roteiro considera excitante para as mulheres? Não posso falar por todas as mulheres, mas, na minha opinião, são as situações em que a imaginação não precisa ir muito longe para atingir o nível “muito sexy”. Cenas como: uma massagem que se torna sensual, reencontrar um flerte antigo, ver alguém fazendo sexo, ir para a cama com o vizinho com quem você fantasia há meses, essas coisas.

Por que escolheu não usar cenas de sexo anal e de “gozo na cara” em seus filmes? Tento retratar o que eu e as mulheres à minha volta acreditamos ser sexy e excitante. Para mim, esse tipo de cena é irritante. O sexo anal e essas ejaculações exageradas fazem parte do status quo da indústria pornô de tal maneira que o que começou como uma preferência pessoal se tornou uma afirmação política. Se algumas mulheres se excitam com isso, bacana. Mas eu não, então escolho não filmá-las.

Você costumava assistir a filmes eróticos antes de começar a filmá-los? O que achava deles? A pornografia mainstream que via quando jovem – e, mais tarde, na universidade, quando estudava sexualidade e feminismo – era horrível. Mesmo que o filme me despertasse alguma imaginação, o resto era péssimo: o contexto, a fotografia, os personagens e o rumo do sexo. Tudo era tão estéril e previsível, muito diferente das experiências reais de sexo.

Que filme a excita? Um dos meus favoritos é O amante (1992), de Jean-Jacques Annaud. Se passa no Vietnã, quando o país era colonizado pela França. É baseado na história real de um amor impossível entre uma francesa e um rico negociante chinês. A fotografia ainda prende minha respiração. Sua sensualidade é irresistível.

Vê seu trabalho como algo político? Às vezes, me sinto uma política quando represento o erotismo indie e dissemino a mensagem de uma sexualidade favoravelmente feminina. Então, de um modo estranho, minha formação em ciência política [Erika estudou na Universidade de Lund, na Suécia, uma das mais prestigiadas da Europa] me deu ferramentas valiosas para o meu trabalho. É triste dizer isso, mas o sexo ainda é uma questão política.

Você tem duas filhas. Como planeja falar com elas sobre sexo e erotismo? Minhas filhas são muito novas, então ainda não planejei essa conversa. Mas são duas coisas diferentes e, por isso, pretendo falar sobre erotismo somente após a terceira ou quarta conversa sobre sexo, quando sentir que a base está sólida. Cada criança é diferente, então introduzir esses tópicos vai depender do desenvolvimento delas, não da idade.

Na sua opinião, o que as mulheres têm a ganhar assistindo a filmes eróticos? Algumas mulheres tiveram experiências ruins com o pornô mainstream e simplesmente dizem: “Não é para mim”. Mas garanto que, se elas encontrarem alguma forma de erotismo que as agrade, o papel do sexo em suas vidas mudará drasticamente.

Seu último filme, Cabaret desire, venceu cinco importantes prêmios do cinema pornô até agora. Como é ser tão reconhecida como uma das melhores criadoras em sua categoria? Quando você tem vontade e paixão por uma coisa que ninguém mais está fazendo, no começo pode parecer que está nadando contra a corrente, fazendo algo solitário e exaustivo. Por isso, conquistar o reconhecimento com Cabaret desire foi incrível. Além dos prêmios, sou sempre grata aos fãs, que demonstram gostar do que estou fazendo. Isso me impulsiona.

 

Vai lá: www.erikalust.com

Créditos

Imagem principal: Reprodução

fechar